Alex Atala: “críticas da internet falam mais sobre o próprio crítico do que do restaurante criticado”
O chef do restaurante D.O.M. lança seu quinto livro e conta sobre a relação com guias gastronômicos e as redes sociais
Aos 53 anos, o chef paulistano Alex Atala e seu restaurante D.O.M. colecionam alguns dos maiores prêmios nacionais e estrangeiros, inclusive as cinco-estrelas máximas de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER. O cozinheiro, que se define como inquieto, está lançando seu quinto livro, totalmente dedicado à mandioca, o Manihot utilissima Pohl: Mandioca (Alaúde, 416 pág., 199 reais), com noite de autógrafos para convidados programada para a quarta (8), no Dalva e Dito.
Na conversa, além de tratar da importância da raiz do Brasil, também descreve como foi atravessar a pandemia e sua relação com a crítica, seja ela impressa ou digital.
Como é lançar mais um livro, agora totalmente dedicado à mandioca?
Acho que a história do livro é falar da raiz do Brasil, de um ingrediente que estava aqui antes da chegada dos portugueses e vem ganhando protagonismo não só aqui, mas principalmente entre chefs da América Latina. O livro está pronto desde antes da pandemia. Muito do atraso se deve ao fator custo. A mandioca tem a casca marrom e o miolo alvo, você vê quando vai nas casas de farinha no momento da extração da tapioca. Quando a gente começou o projeto, a editora queria um papel branco, mas eu e o diretor de arte queríamos uma sobrecapa marrom e um papel alvo. O alvo é o branco puro, quase azulado. Conseguimos resolver o problema. Vai sair do jeito que a gente sonhou.
Como foi a escolha do título?
O nome veio da nova classificação no nome científico Manihot utilissima Pohl. É exatamente isso que a gente quer mostrar: quão ela é útil. É um ingrediente que pode ser usado em sua totalidade.
Qual foi o embrião para o projeto?
Dois anos atrás, quando fiz o menu de vinte anos do D.O.M., a gente tinha um momento só de mandioca e fui pesquisar, ler muito e encontrei a (indigenista) Marina Kahn com a mesma paixão e com um repertório “mais acadêmico” sobre a mandioca, que me impressionou. Daí, nasceu a semente do livro. Eu brinco e falo que nem sei se mereço ser autor dele. Sou muito mais um curador, um idealizador do que um executor. A Marina que teve essa finesse de conseguir garimpar desde fotos e textos históricos até chamar pessoas incríveis para compilar tudo isso e transformar num livro. Não tomei o projeto para mim. Foi um trabalho de conjunto.
As receitas do livro podem ser feitas em casa?
Essa foi a preocupação que a gente tinha, assim como tinha a de chamar chefs amigos que, de alguma forma, deram muito protagonismo à mandioca em seus cardápios. Vou sempre usar o Claude (Troisgros) como referência. Ele pega um gratin dauphinois e faz o mil-folhas de mandioca que eu uso até hoje. Não poderia falar da fase contemporânea da mandioca sem citar a Mara (Salles), o Rodrigo (Oliveira). Os dadinhos de tapioca (de Oliveira), por exemplo, estão no mundo. Outra convidada, a Helena (Rizzo) colocou o biscoitinho de polvilho em outro patamar. A gastronomia é a arte de pôr uma receita ou um ingrediente em seu melhor momento. São chefs que admiro, respeito.
Como foi atravessar a fase mais dura da pandemia?
A pandemia foi o MBA mais caro que fiz na minha vida. Conheço meu negócio hoje de uma forma que nunca imaginei que eu ia conhecer. Uma das formas desse conhecimento foi ficar sete meses com o D.O.M. fechado. Passados esses sete meses, eu vi um restaurante empoeirado, eu morrendo de medo de abrir e ficar com um ar gasto, decadente, agonizante, tentando viver. Eu não consegui entrar no restaurante na hora de arrumar, de botar o D.O.M. de pé, eu não tive essa força. Minha equipe foi na frente, limpou e me chamou. O D.O.M. não só estava lindo, estava maravilhoso. Foi sensacional. Eu tinha um menu, mas eles falaram que tinham um menu e queriam me apresentar. É o que está hoje no D.O.M.
Qual o peso de ser um restaurante premiado por diversos guias e ter as cinco-estrelas máximas de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER desde que elas foram instituídas, em 2014?
Existe um peso, sim, em ter uma grande reputação. Gera uma expectativa grande no comensal. A gente fica mais suscetível à crítica. Mas a vontade é mergulhar para dentro sempre e tentar imaginar que o caminho é esse que a gente trilhou nesses mais de vinte anos, que é subir a régua, subir a régua, subir a régua… “Equipe” hoje é a palavra primeira do D.O.M.
Por que não permaneceu na primeira festa no Brasil do ranking Latin America’s 50 Best Restaurants?
Qual a importância do prêmio? Fui ao 50 Best para dar um abraço na Rosa Moraes, que é a nova chairwoman do prêmio. As listas atendem a uma ansiedade das redes sociais. Eu adoro o Michelin, acho que é uma grande referência, mas é muito mais monótono. Nesses tempos que nós vivemos hoje, de necessidade de informação, de renovação, é natural que a lista (50 Best) tenha uma função — e grande. É muito importante para o jovem e também para quem está começando — não estou falando apenas do garoto, mas de um restaurante recém-aberto, que pode ser de um veterano. Para quem está começando um trabalho, acho relevante. Se eu dissesse que não, seria injusto, até porque colhi muitos frutos de estar na lista. A lista hoje é, às vezes, contestada, às vezes, idolatrada. Uma vez, vi um tuíte, acho que do (chef) Raphael Despirite, que falava que toda lista é suspeita, principalmente quando não se está nela (risos).
Como é sua relação com a internet e as redes sociais?
A internet é fundamental. Nós vivemos momentos cruéis desses cancelamentos, dessas loucuras que a internet propõe. Outro dia, ouvi de um jurista falando lá no restaurante que dentro do direito ninguém é culpado até que seja julgado. Por isso, tem um trâmite, um promotor, um defensor e um juiz. Na internet hoje, o mesmo que acusa é o que julga. É engraçado a gente pensar nisso. Acho que a internet é uma ferramenta importante na vida de um chef. Às vezes penso sobre a crítica gastronômica. Historicamente, ela era feita por veículos (de imprensa) e tinha a linda missão de informar. O que vemos na internet são críticas que falam mais sobre o próprio crítico do que sobre o criticado. É crítica egocentrada no crítico.
Faz convites para os críticos comerem de graça nos seus restaurantes?
Para entender o presente e projetar melhor o futuro, é preciso conhecer muito bem o passado. Na nossa formação de chef de cozinha e você do outro lado, crítico, era praticamente impossível ter uma relação de amizade. O ideal era que nem a cara fosse conhecida para que a crítica fosse o máximo isenta. E por isso pagava-se pela refeição. Era ofensivo oferecer um jantar a um jornalista. A vida mudou, a mídia mudou. Acho natural que haja convites. O que às vezes é assustador é um votante de uma lista querer comer de graça no seu restaurante, “carteirar”, literalmente. É assustador que uma jornalista de um grande veículo escreva que você tem a obrigação de conseguir uma mesa para ela num restaurante mais importante do mundo. Essa imposição do poder de um veículo ao chef é assustadora, é uma deformação das coisas que aconteceram lá atrás. Mas a gente aceita, a gente leva a vida. Eu muitas vezes digo não, direi não e assim a vida segue.
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