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Há 6 meses no cargo, Nunes aposta em grandes obras para ficar conhecido

Com R$ 20 bilhões em caixa previstos até o fim do mandato, prefeito tenta visibilidade enquanto aprova medidas controversas e promete não aumentar IPTU

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
26 nov 2021, 06h00

Até poucos dias antes de assumir o mandato de prefeito da maior cidade do país, em abril de 2018, após a renúncia de João Doria para concorrer ao governo do estado, o então vice-prefeito Bruno Covas ia trabalhar de metrô. Sem ser reconhecido pelos passageiros da linha mais lotada da cidade, o neto de Mário Covas saía da Barra Funda, onde morava, e se dirigia ao Edifício Matarazzo, no Anhangabaú, com certa frequência. Levou tempo para a cidade se acostumar com a figura do novo prefeito.

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Corta para novembro de 2021. Seis meses depois de herdar a prefeitura devido à morte de Covas, após longo tratamento contra um câncer, o seu sucessor, Ricardo Nunes, ainda não é um homem famoso no pedaço. Na última terça (23), durante uma visita ao Parque Augusta, que leva também o nome de Bruno, Nunes passou quase despercebido pelo parco público que aproveitava a tarde de sol forte da primavera paulistana no espaço recém-inaugurado. Os seguranças, um deles carregando pelas alças nos ombros uma bolsa blindada (parece uma mala comum que se abre, mas serve como escudo em caso de emergência), semelhante à utilizada pela escolta do presidente da República, praticamente eram os únicos a se preocupar com a presença da maior autoridade da metrópole.

O prefeito Ricardo Nunes posa de pé no Parque Augusta, ao fundo, se vê prédios. Ele veste terno azul e calça jeans
Prefeito do MDB no Parque Augusta: lembranças de Covas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Está certo que Nunes não parece se incomodar com o pouco conhecimento de sua figura, tampouco faz questão de apertar mãos e disparar sorrisos, mas a ideia a longo prazo é a antítese disso. Sem falar claramente em reeleição, o ex-vereador do MDB lança mão de uma tática escolhida por dez em cada dez políticos: visibilidade por meio da realização de obras.

Com 20 bilhões de reais em caixa previstos para investimentos até o fim do mandato, o prefeito tem várias apostas para criar uma marca com seu nome e sobrenome. Uma delas é a construção de duas linhas de BRT (sistema de ônibus de trânsito rápido) nas avenidas Aricanduva e Radial Leste. A empreitada, promessa antiga e nunca cumprida por diversos prefeitos (houve cortes de árvores para o início da obra, em 2015), custará 2 bilhões de reais e terá também recursos estaduais e do Banco Mundial. A promessa de entrega é 2024, de preferência antes do primeiro domingo de outubro, claro.

A outra aposta é a ampliação em 30% da malha cicloviária paulistana, elevando para perto de 1 000 o total de quilômetros de pistas e faixas para bicicletas. As realizações futuras contrapõem a ações e projetos impopulares da primeira fase de sua gestão, como três aprovações que ocorreram recentemente na Câmara Municipal: a autorização para a tomada de 8 bilhões de reais emprestados, a reforma da Previdência municipal (que cria alíquota de 14% para aposentados que recebem entre 1 192 e 6 400 reais) e o aumento de salário para cargos comissionados (confira detalhes na entrevista ao fim da reportagem).

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“Se lá na frente houver risco sanitário, não teremos Carnaval, é claro”

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Enquanto usa a estratégia política de aprovar temas polêmicos no início da gestão (ou no fim, depois da eleição) e cobra de seu secretariado o cumprimento do Plano de Metas, Ricardo Nunes prepara a cidade para deixar de vez a pandemia. “Nossa expectativa é que o uso de máscaras em locais abertos seja facultativo no início de dezembro, mas ainda estamos esperando o aval definitivo da Saúde”, afirma Nunes. Outra questão é o Carnaval, mantido até então e programado para ocorrer no fim de fevereiro. Ao contrário de diversas cidades paulistas, que cancelaram nos últimos dias os festejos populares devido à pandemia, a ordem na prefeitura paulistana é seguir com o que foi programado, pelo menos por ora. “Se lá na frente houver risco sanitário, não teremos Carnaval, é claro”, disse Ricardo Nunes, em conversa com a Vejinha, na terça, que durou pouco mais de duas horas.

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No dia anterior, às 12h27 precisamente, o prefeito recebeu uma mensagem de WhatsApp da assessoria do presidente da República, Jair Bolsonaro, confirmando um pedido de audiência, anteriormente marcado para o dia seguinte. Nunes teve de desmarcar compromissos às pressas, tomou um avião de carreira e, ao lado de dois secretários, estava às 17 horas no gabinete presidencial. Na pauta, dois assuntos: pedido de ajuda federal para bancar o indissolúvel subsídio do transporte público e sobre a interminável disputa judicial entre prefeitura e União para definir de quem é a posse do terreno do Campo de Marte, na Zona Norte.

“Precisamos de 1 bilhão de reais para não aumentar a tarifa de ônibus no ano que vem. Pedi para ele ajudar na gratuidade dos estudantes ou idosos”, afirma o prefeito, que não recebeu uma boa resposta por parte do presidente. “Ele disse que há a lei do teto de gastos e que vai ser difícil ajudar, mas falou que ia tentar.” Em 2021, o montante programado pela prefeitura para subsidiar o transporte é de 2,25 bilhões de reais. Somente no primeiro semestre, o valor gasto foi de 1,86 bilhão de reais. Na quarta (24), ele voltou à capital federal para reuniões no Congresso a fim de viabilizar recursos para fazer a conta fechar.

O prefeito Ricardo Nunes está em uma sala com várias televisões que transmitem imagens da cidade. Ele está mexendo no celular
Em sala de reunião: câmeras da cidade (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Se a primeira demanda da reunião com Bolsonaro não deverá surtir efeito, a segunda deu alguns passos rumo ao término de uma longa disputa judicial. Desde 1958, União e município disputam na Justiça a posse do Campo de Marte, em Santana, uma área de 2,1 milhões de metros quadrados (o Parque Ibirapuera, como comparação, tem 1,5 milhão de metros quadrados) ocupada pelo governo federal desde o fim da Revolução Constitucionalista de 1932.

A proposta de Nunes é abrir mão do terreno em troca da dívida que a cidade tem com a União, atualmente em 25 bilhões de reais. Por ano, só de juros, são pagos 3 bilhões de reais. Como o valor do terreno é maior, em torno de 49 bilhões de reais, a gestão municipal teria de pedir a remissão da dívida para a Câmara de vereadores. “Entregamos a minuta do acordo e foi constituído um grupo de conciliação entre os procuradores municipais e federais. Nossa expectativa é assinar o acordo e pedir o fim do processo no STF entre fevereiro e março”, diz o prefeito.

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A pressa tem motivo: como haverá eleição presidencial no ano que vem, e caso Bolsonaro não seja reeleito, o acerto entre as partes ficará sujeito às demandas e vontades do próximo governante. Se a papelada for acordada, a prefeitura terá direito a uma pequena área do local, onde hoje estão localizados cinco campos de futebol. Em parte desse espaço (em cerca de dois dos campos) será construído um museu da Aeronáutica. A área verde existente será preservada.

Ainda no campo dos parques e da área verde, dois projetos lançados na gestão de Bruno Covas ainda não saíram do papel. E a depender do conhecimento ou da vontade do prefeito da vez, poderão sofrer alterações significativas. Anunciado em fevereiro de 2019 e prometido para o fim do ano passado, o Parque Minhocão, no Elevado Presidente João Goulart, até agora não foi concretizado. Em vez de seu fechamento permanente entre a Rua da Consolação e o Terminal Amaral Gurgel, a prefeitura instalou mobiliários e acessos temporários nos fins de semana. Questionado se vai tocar a empreitada, como prometeu Covas, Nunes mostra desconhecimento pelo projeto. “Tem a questão judicial (que impediu a conclusão da obra até agora), mas eu pedi para o César (Azevedo, secretário de Licenciamento) levantar. Nem me preocupei ainda com isso, não estou sabendo do projeto anterior, mas manteremos o que o Bruno se comprometeu a fazer.”

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Outro projeto, maior, que prevê a construção de 2 000 unidades habitacionais em quatro terrenos públicos na Mooca, por meio de uma parceria público-privada, pode não sair como o planejado. Localizada na Radial Leste, próximo ao Viaduto Bresser, a Horta das Flores deverá dar lugar a um prédio com 300 apartamentos, mas seus atuais mantenedores protestaram diversas vezes e pediram ao prefeito a manutenção do espaço. “Estive no local e depois pedi para as empresas procurarem outro lugar. Alegaram que teriam prejuízo, pois o projeto está pronto e o contrato, assinado. Sou contra romper contratos, mas fiz o pedido. Acredito que a Cohab errou na escolha desse terreno.” Além do contrato estar assinado, o tema passou pelo crivo da Câmara e do Tribunal de Contas do Município. Uma alteração de local, mesmo que pequena na comparação com o escopo total da obra, pode atrasar o andamento do cronograma.

Apesar de conseguir dominar quase todos os assuntos da cidade, um tema específico ainda não foi bem aceito por Ricardo Nunes. Meio ano depois de assumir o posto de prefeito, ele ainda não utiliza o gabinete principal de seus antecessores, no 5º andar do Edifício Matarazzo, e prefere o espaço reservado aos vices, menor, menos privativo e no andar de cima. Era de lá que Bruno Covas (e os demais) despachava e foi no espaço que ele instalou uma cama para continuar trabalhando durante a pandemia. Embora utilize as salas de reunião anexas à sala, o espaço principal segue vazio.

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Uma sala é o gabinete dos prefeitos de São Paulo. É cinza, tem um grande quadro na parede, poltronas, armários, tapete e mesa com computador
Gabinete dos prefeitos: foi sala de Bruno Covas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“É uma pergunta difícil essa que você faz. Não me sinto confortável, tem muita memória, lembro das gargalhadas dele”, relembra, citando uma certa pressão para que supere essa etapa. “Todo mundo fala para eu usar a sala, mas eu vou fazê-lo no momento em que me sentir confortável. Quem sabe nos próximos dias?” Em um momento (um pouco) mais tenso da entrevista à Vejinha, Ricardo Nunes, questionado sobre como foi assumir a prefeitura de uma hora para outra e sem direito a transição, diz, em outras palavras, que não caiu de paraquedas na gestão da cidade.

Sala de Ricardo Nunes. Tem uma mesa com várias papeladas, quadros pequenos na parede, uma cruz, e armários
Gabinete dos vices: e dos vices: sem data para mudança (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Participei de tudo desde o início e das indicações de todos os secretários, menos de um. Quando o Bruno falou sobre o Alexandre Youssef para a Cultura, me opus, por exemplo. Mas as escolhas foram dele. Eu participei de todas as reuniões desde o dia primeiro de janeiro.” Youssef deixou a gestão três meses depois da morte de Bruno. No dia a dia, o prefeito, que nega ter feito um trabalho de media training para melhorar os discursos e as declarações à imprensa, como se comenta nos bastidores, diz que ganhou muito mais responsabilidades, mas uma coisa não mudou. “Continuo dormindo cinco horas por noite.”

Uma mesa mostra duas bíblias e estátua de Nossa Senhora Aparecida e imagens de Jesus Cristo
Religião: presente na sala de Nunes (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Católico praticante, esteve recentemente na evangélica Marcha Para Jesus, onde discursou, ao lado da esposa, filhos e genros. Há pouco mais de um mês, disse que estava em casa quando recebeu a notícia do desabamento de um imóvel em Paraisópolis, que resultou na morte de uma pessoa. “Eram 11 horas da noite e corri para lá levando vários secretários. Gosto de estar perto, assim é possível sentir as necessidades da cidade.” Cita também que usa pouco o helicóptero da prefeitura, para economizar recursos, ao contrário de prefeitos que o antecederam, dizem assessores próximos. Para sair do anonimato e se fazer conhecido, visando à reeleição, parece fazer sentido trocar os ares pelo chão de terra da periferia.

Uma mesa tem vários santos de figuras de Cristo, Maria e outros
Religião: santos estão dispostos na sala atual do prefeito (Alexandre Battibugli/Veja SP)
Uma superfície tem uma placa de rua escrito
Futebol: Palmeiras presente na sala de Nunes (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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10 PERGUNTAS PARA NUNES

A reforma da Previdência afetará os servidores que ganham menos. O que o senhor diz ao aposentado que recebe 4 000 reais por mês e hoje é isento, mas precisará pagar 14% de imposto?

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Digo que essa história é para manter o sistema de recebimento de aposentadoria sem ele quebrar. Temos um déficit de 171 bilhões de reais. Com a reforma, vamos reduzir o valor em 111 bilhões em 75 anos. Sobrarão ainda 60 bilhões. A alíquota é sobre o que exceder o salário mínimo (atualmente em 1 192 reais) até pouco mais de 6 400 reais. Quem ganha 1 300 reais, por exemplo, pagará os 14% em cima de pouco mais de cem reais.

Mas por outro lado a Câmara Municipal aumentou os salários dos subprefeitos e chefes de gabinete. A população não entende essas contas.

São coisas diferentes. Precisamos de bons quadros. A cidade necessita de pessoas que façam gastos com competência e que não troquem a gestão pública pelos salários maiores da iniciativa privada. E dentro desse pacote vamos aumentar os salários dos servidores de nível médio em 24%. Os de nível básico terão reajustes de 30%. Aumentaremos gratificações para a Guarda Civil Metropolitana e para professores e profissionais da saúde que atuarem em áreas mais vulneráveis.

O seu próprio salário irá aumentar a partir de janeiro. Passará de 24 000 para pouco mais de 35 000 reais.

Sim, mas quero deixar claro que não participei da votação desse projeto na Câmara, no fim do ano passado (enquanto era vereador). Já como vice eleito eu me abstive.

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Há alguns meses foi falado que a prefeitura iria criar uma nova taxa do lixo, para cumprir determinação de uma legislação nacional. Desistiu da cobrança?

Não vamos criar, pois neste momento temos de ajudar a população. Assim como não vamos aumentar o IPTU no ano que vem. A revisão da Planta Genérica de Valores terá uma trava que barrará aumentos maiores que a inflação.

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A interminável crise econômica tem jogado cada vez mais pessoas nas ruas da cidade. A percepção é que o centro tem mais moradores de rua hoje do que há seis meses. Uma das suas primeiras promessas foi atuar na área social, mas até agora não vimos efeitos práticos, tanto que o senhor trocou a secretária Berenice Gianella.

Não vamos aceitar aquilo ali. Vamos agir. Criamos programas, como o Reencontro, e destinamos 1 550 vagas em hotéis para a população em situação de rua. O pessoal está andando com os projetos.

As obras programadas com os 20 bilhões de reais que a prefeitura tem em caixa são uma belíssima bandeira eleitoral?

Serão quinze CEUs (centros de educação) e doze UPAs (de saúde). Você tem ideia do que serão essas e as outras obras?

Mas serão grandes bandeiras eleitorais, não?

É a gestão como um todo. Que vai cuidar dos mais vulneráveis, que vai entregar muita obra e que vai manter a saúde financeira da cidade. Vamos trocar 20% dos ônibus para elétricos, de uma frota de 14 000.

O fato de o senhor ter anunciado o Carnaval na cidade, mas sem dar garantias de sua realização, que depende das questões sanitárias, não gera incertezas em comerciantes e nas pessoas que pretendem vir a São Paulo?

É a Saúde quem dá o aval. Estamos programando o Carnaval com base no que vivemos em novembro e no que a Saúde projeta para os meses seguintes. Fizemos um chamamento público e a Ambev vai patrocinar o Carnaval a um custo de 23 milhões de reais. Não terá dinheiro público na gestão disso. A última voz é sempre da Saúde.

Por que o Vale do Anhangabaú não foi aberto ao público até agora?

Vamos abrir em 6 de dezembro. Não abrimos antes por causa da pandemia, pois o protocolo não permitia eventos.

Mas se a prefeitura abriu a Avenida Paulista aos domingos, liberou shows e público nos estádios, por que o Anhangabaú permaneceu fechado?

Não abriu porque é uma concessão pública que possuía um prazo para a empresa assumir sozinha o espaço (a gestão era compartilhada com a prefeitura). Isso vai ocorrer no próximo dia 6.

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Publicado em VEJA São Paulo de 01 de dezembro de 2021, edição nº 2766

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