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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Com produção de alta qualidade, cacau brasileiro volta a brilhar na Páscoa

Chocolates artesanais são feitos como joias gastronômicas com frutos de cultivo concentrado na Bahia e no Pará

Por Arnaldo Lorençato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 mar 2024, 09h38 - Publicado em 22 mar 2024, 06h00

Foi-se a época em que apenas chocolates importados de países como Bélgica, França e Suíça eram os únicos sinônimos de refinamento. Tabletes, bombons, ovos e outras guloseimas feitas com cacau brasileiro, cuja maior procura acontece nesta época do ano, não só se equiparam aos internacionais, como podem superá-los em qualidade e frescor. Os destaques nacionais são itens feitos por pequenos produtores assim como por fabricantes mais musculosos, ambos mantêm o mesmo rigor de elaboração e cuidados artesanais.

Os números são entusiasmantes. Ainda que o Brasil, antigo líder na produção mundial do fruto, se mantenha como sétimo colocado no atual ranking em volume processado de acordo com a International Cocoa Organization (ICCO), a produção interna não para de aumentar. Dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) indicam que, em 2023, o país registrou um crescimento de 7% em relação ao ano anterior — foram 220 000 toneladas, ou seja, 15 000 toneladas mais que em 2022.

“Maior estado produtor, a Bahia responde por quase 62% das amêndoas processadas no país”, aponta Estevan Sartoreli, CEO da Dengo, que compra regularmente cacau de mais de 200 famílias da Costa do Cacau, na Bahia, e também do Pará, cuja fatia de produção, segundo dados da AIPC, gira em torno de 33,7% do mercado. O executivo lembra que outros estados também se dedicam ao cultivo, entre eles Espírito Santo, Rondônia e Acre. “Há até uma produção em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Mas nenhuma delas ainda é muito expressiva.”

Além dos famosos quebra-quebras, barras lascadas em pedaços irregulares com frutas originárias ou produzidas no Brasil, como grumixama, banana, jaca e morango, a Dengo coloca na vitrine de sua loja-conceito em Pinheiros, assim como em outras doze unidades espalhadas pela capital, todas em shoppings, o belo ovo no formato de um cacau que ilustra essa página e é campeão na degustação de chocolates finos realizada pela equipe de gastronomia de VEJA SÃO PAULO.

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Ovo de Páscoa Dengo: insumo amazônico produzido por mulheres (Henrique Peron/Veja SP)

“O ovo é elaborado com cacau amazônico 70% feito apenas por mulheres em Medicilândia (PA) e região. Trata-se de um produto sazonal”, explica a chocolatière da marca, Luciana Lobo. Para ficar com os tons da casca do fruto original, que variam do amarelo e do laranja ao vermelho, a especialista conta que utiliza uma pistola de pintura com corantes desenvolvidos por eles mesmos a partir de concentrados de frutas e legumes. No interior, vão amêndoas de cacau carameladas e drageadas com 65% de intensidade. “É muito equilibrado em acidez e amargor”, classifica a especialista.

Na fábrica em Santo Amaro, quanto mais especial for o cacau, com características e nuances próprias, maior a chance de ser segregado para ser transformado em produtos sazonais, com tiragens limitadas, como aconteceu agora com o ovo de origem amazônica.

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A exemplo da baiana Amma, uma das pioneiras a ter suas barras em lojas da capital francesa como La Grande Épicerie de Paris, e com uma unidade própria no Jardim Paulista, a Dengo também busca a internacionalização. “Com um sócio francês, temos duas lojas próprias em Paris, abertas no ano passado”, conta Estevan Sartoreli. A curvilínea logomarca brasileira pode ser encontrada nos elegantes bairros de Saint-Germain-des- Prés e Montmartre.

Outra grife paulistana desejada quando se fala em chocolate, a Chocolat du Jour, doze vezes premiada por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER, tem um diferencial e tanto em relação às concorrentes. No processo conhecido pela nomenclatura em inglês bean to bar (da castanha ao chocolate), a empresa criada por Claudia Landmann em 1987 dispõe de uma fazenda própria. É a Santa Luzia, na cidade de Ibirapitanga, na Área de Proteção Ambiental do Pratigi, no sul da Bahia. Mais da metade dos 160 hectares da propriedade é coberta por mata nativa. Da propriedade saem 15 toneladas de cacau fino suficientes para abastecer a linha de produção própria e gerar ainda um excedente para vendas a empresas como Callebaut e Cargill.

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Fazenda Santa Luzia: controle do processo a partir da lavoura (Cris Veit/Divulgação)

Desde que se interessou por fazer chocolates, a fundadora recorreu a insumos nacionais, muito antes de obter o próprio cacau. “No começo, eram Vitória, Garoto e Nestlé”, recorda-se Manoel Landmann, filho de Claudia, que hoje toca com a irmã, Patricia, o dia a dia na fábrica da Chocolat du Jour, localizada na região da Lapa.

Em viagens ao exterior, a matriarca começou a fazer cursos e comprar chocolates que eram referências internacionais de refinamento, assim como se dedicou a especializações, em particular na Bélgica, onde se tornou chocolatière. Não tardou para que recebesse o reconhecimento do público mais exigente. Chamavam atenção em particular as trufas, como as revestidas de pó de cacau que ilustram a foto da capa desta edição da Vejinha.

Claudia foi em busca de um fornecedor de altíssima qualidade na Bahia, de onde vem todo o cacau utilizado na linha de produção da Chocolat du Jour. Havia, entretanto, um desejo, quase uma necessidade, de controlar todas as fases do processo. Manoel, que deixou a carreira de executivo em uma multinacional francesa produtora de malte para a indústria cervejeira, liderou a procura por uma fazenda própria. A aquisição da Santa Luzia aconteceu pouco antes da pandemia, em novembro de 2017.

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Manoel Landmann: secagem das amêndoas (Cris Veit/Divulgação)

Ao mesmo tempo da compra, a dupla de irmãos concebeu iniciativas para preservação ambiental e o desenvolvimento social da região. Manoel lembra que só existe chocolate fino se o cacau selecionado for realmente bom. Na Santa Luzia, os frutos colhidos repousam para que os açúcares se concentrem e melhorem a fermentação, um processo essencial no campo.

Sucesso televisivo em sua segunda edição na Globo, a novela Renascer traz uma ponta de incômodo ao empresário, já que, para ele, a ficção retrata visões romantizadas. “Para trabalhar embaixo do sol, todos precisam de EPIs adequados (chapéu, camisa de manga longa, bota, perneira, luvas etc.). Também é necessário que os funcionários tenham garantias que vêm junto com o regime da CLT. Não é como na TV”, pontifica.

Outro cuidado é que todas as crianças da fazenda frequentem a escola e tenham direito a água tratada e saneamento básico mais acesso à saúde. “São várias coisas que julgamos como básicas, mas que infelizmente não são a realidade de todos nas regiões produtoras de cacau”, afirma ele.

Entre as ações implementadas por Manoel e Patricia, estão a criação de uma biblioteca para filhos dos agricultores bem como a doação de mudas para reflorestamento da parcela da Mata Atlântica onde estão inseridos. A escolha do trecho para plantio não foi ao acaso. É uma região de nascentes, já que sem água abundante não há agricultura.

Na bem azeitada linha de montagem, também há sempre inovações. Desde 2022, firmaram uma parceria com o confeiteiro catalão Oriol Balaguer, famoso por criar produtos em conjunto com o premiado chef Ferran Adrià. São bombons que, à semelhança do que acontece na indústria da alta-costura, merecem coleções anuais e de duração limitada. Essas pequenas preciosidades já foram preparadas com um toque do chá preto earl grey na ganache e com especiarias como baunilha, cardamomo, noz-moscada, anis e cravo, à maneira de um creme brûlé.

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Ganhadora do título de melhor de sua categoria na mais recente edição de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER, a Mission Chocolate nasceu de um sonho da americana Arcelia Gallardo. Nascida em Los Angeles em uma família de origem mexicana, ela começou a produzir chocolates onze anos atrás quando trabalhava na filial do extinto liceu francês Le Cordon Bleu de sua cidade natal. Arcelia chegou a ter uma loja dedicada ao doce em Berkeley, em São Francisco. A paixão pelo chocolate a trouxe para São Paulo em 2014 — sua intenção era morar em um país produtor de cacau. Naquele mesmo ano, montou a fábrica Mission, no Brooklin, bairro em que mantém uma loja há um ano, distante duas quadras da produção. Revezam-se no maquinário matérias-primas vindas da Bahia, do Acre e do Pará.

A chocolatière toma cuidados como visitar os fornecedores das amêndoas, onde acompanha etapas como a fermentação e a secagem, pelas quais elas passam. Na pequena fábrica, o cotidiano inclui torra das amêndoas, para eliminar a umidade e revelar cores e aromas; moagem, na qual os nibs se transformam na massa de cacau, mistura que se dá pela adição de ingredientes como açúcar e leite; refino, que proporciona a textura; conchagem, nome dado ao movimento continuo do chocolate por até dezoito horas para eliminar, por exemplo, a acidez; e, finalmente, temperagem, processo de aquecimento seguido de resfriamento para dar brilho e uniformidade. Só depois de passar por todas essas fases, o chocolate está pronto para ganhar a forma de barras como a batizada de barujá, composta de gianduia 58%, castanha- de-baru e toque agradável de sal.

Quem também gosta de ressaltar que desenvolve todo o processo a partir da torra é Murilo Bonadio, da Flavorati. “Compramos cacau de várias fazendas, algumas da Bahia e outras do Espírito Santo”, destaca Murilo, que tem como principal fornecedora a região baiana de Ilhéus. Pertinho do Museu do Ipiranga, a fábrica surgiu em 2020 para o fornecimento de pastas e cremes de avelã e de pistache para confeitarias. Em junho do ano passado, tornou-se também um ponto de venda para o consumidor final. Quem visita a loja pode espiar por uma janela e uma porta de vidro a produção, que varia do 36% (ao leite) ao 70% de intensidade.

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Luisa Abram não titubeia ao explicar por que escolheu o cacau amazônico para elaborar os chocolates com seu sobrenome há precisamente uma década. “É o berço que a natureza escolheu para o cacau nascer”, exclama. Uma das maiores preocupações de Luisa é provocar baixo impacto ambiental, uma vez que o cacau da floresta é transportado primeiro em cestos, pelos agricultores, depois em barcos e, finalmente, trazidos a São Paulo de caminhão numa jornada de dez dias.

A matéria-prima usada na fábrica, no bairro de Santo Amaro, tem seis origens diferentes, o que empresta diferentes nuances aos itens do portfólio, que podem ser pedidos on-line ou encontrados em alguns supermercados como a Casa Santa Luzia. A Abram Chocolates não limita suas vendas ao solo nacional para as barras de sabor intenso e marcante ou ovos como o de chocolate branco com maracujá e drágeas de coco. “Estamos nos Estados Unidos há cinco anos, em cerca de 250 pontos de vendas”, comemora a chocolatière.

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Luisa Abram: matéria-prima amazônica (Luisa Abram/Acervo Pessoal/Divulgação)

Com uma carreira errática, Gislaine Gallette ingressou no universo do cacau oficialmente em 2013, quando abriu a Gallette Chocolates. Engenheira elétrica formada pela Unesp, ela abandonou o cálculo de cargas voltaicas para dedicar-se por um rápido período ao planejamento do call center da Editora Abril e, na sequência, tornar-se executiva na área financeira de um grande banco por pelo menos uma década. Com disciplina, ela fez um pé-de-meia que possibilitou a abertura do duo de loja e fábrica em Santana. Surpreendeu primeiro os moradores da Zona Norte com itens feitos com primor. Mais recentemente, o negócio se expandiu para Pinheiros, onde funciona há dois anos na Rua Doutor Virgílio de Carvalho Pinto.

“Me encontrei na confeitaria do chocolate. Ter cursado engenharia me ajudou. Fazer chocolate é uma ciência muito exata. As curvas de temperagem, por exemplo, são fundamentais para ter um produto brilhante”, afirma. “Compro o cacau da Bahia, torro, moo, refino e produzo nosso próprio chocolate.” Com ele, elabora uma pequena joia cujo recheio leva jabuticaba. Trata-se de um bombom da pura fruta da Mata Atlântica. Mais brasileiro, impossível.

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(Arte/Veja SP)

Publicado em VEJA São Paulo de 22 de março de 2024, edição nº 2885

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