Vodca: como a bebida, que perdeu espaço nos bares de drinques, ganha força no mercado
Mesmo antes da guerra na Ucrânia, bebida de origem russa foi deixando de ser protagonista nas cartas de coquetéis
Muito se falou em banir a vodca, em protesto aos ataques da Rússia contra a Ucrânia — é na terra de Vladimir Putin onde se encontram mais evidências de ter sido o berço da bebida, conta Stuart Walton no livro Vodka Classified (Vodca classificada). Um dos drinques mais populares feitos com ela, o moscow mule (com refrigerante de gengibre e limão), criado nos Estados Unidos, acabou sofrendo represálias pelo mundo — e também na cidade.
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No restaurante Jacarandá, foi rebatizado de kiev mule. No Pensão Bar, virou um bem-humorado onu mule. “Baboseira”, opina o bartender Marcelo Serrano sobre as ações contra o drinque que ajudou a popularizar na capital a partir de 2009, quando deu de colocar espuma de gengibre por cima.
O fato é que, muito antes de se cogitar “cancelar” a vodca, ela já não tinha mais essa bola toda em bares de alta coquetelaria. Embora o moscow mule ainda faça um baita sucesso, o momento de glória do destilado nos mixing glasses dos bartenders foi embora há tempos.
Hoje, essa branquinha feita normalmente de grãos (mas não só) não predomina mais na carta de nenhum bar de coquetelaria listado pelo guia COMER & BEBER, como foi comum no passado. No Sylvester, em Pinheiros, protagoniza apenas quatro dos 32 drinques.
O sócio e bartender da casa, Rogério Souza, o Frajola, acompanhou as diferentes fases da relação do público com o líquido no mundo dos coquetéis. Trabalhou no Astor e no SubAstor entre 2001 e 2018, onde, no início, vendia muitos apple martinis (de vodca!).
Pouco a pouco, a clientela (re)descobriu o clássico gim-tônica, que teve um revival iniciado na Europa mais ou menos há uma década, e não largou mais. “Dez anos atrás, saía uma garrafa de gim para dez garrafas de vodca. Hoje é o contrário.” A bebida, que também chega de outros países como Polônia e Suécia, é um destilado e se mostra versátil, pois permite que outros ingredientes como frutas (alô, caipirosca!) ou refrigerantes (já tomou hi-fi?) roubem a cena.
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“Se a intenção não for realçá- la, é fácil disfarçar o álcool”, explica Adriana Pino, do Flora Bar, nos Jardins, onde só há quatro misturas de vodca, caso do pornstar martini (com maracujá, limão, baunilha e espumante), entre 32 receitas. Pela falta de personalidade forte, às vezes rola até uma discriminação do pessoal do meio.
“Principalmente de quem está começando”, diz Frajola. Profissionais consultados afirmam que, hoje, o público que prefere vodca são os clientes na faixa dos 50 anos, saudosos dos coquetéis dos anos 80/90, ou uma galera que está a começar a beber destilados. Apesar de o gim ser hoje o querido nas cartas, o espaço da concorrente é maior no mercado como um todo, o que vai além do mundinho dos bares de drinques.
“A vodca continua em uma posição favorável”, afirma Patricia Cardoso, diretora de marketing da Pernod Ricard Brasil, que controla marcas como a sueca Absolut e a polonesa Wyborowa. “Segue sendo muito consumida no país e, mais recentemente, impulsionada pela expansão de conhecimento da coquetelaria por parte dos consumidores.”
De acordo com a Euromonitor International, em 2020 circularam 43 milhões de litros de vodca no mercado brasileiro, número que pode subir para 58 milhões de litros em 2025 — ainda assim, um resultado menor que o de 2015 (64 milhões de litros). Os cálculos incluem tanto vendas no varejo como em restaurantes e bares.
De olho no potencial, marcas nacionais lançam rótulos. A paulistana Atlantis, antes 100% do gim, apresentou sua garrafa em novembro (preço sugerido de 79 reais). “A indústria colocou todo o dinheiro em cima do gim e esqueceu da vodca”, observa o sócio Bruno Siqueira. A mineira YVY Destilaria estreou, em outubro, uma variação feita com farinha da polpa do frutinho babaçu (89 reais). A APTK Spirits é outra empresa que promete lançar o produto, em abril, por 48 reais.
Longe de ser cancelada, a vodca não é mais aquela Coca-Cola toda na alta coquetelaria, mas tem força para recuperar parte do prestígio perdido.
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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de março de 2022, edição nº 2782