Barra Funda repaginada tem bons bares, restaurantes e galerias de arte
De passado industrial e cortado pelos trilhos da CPTM, bairro segue a tradição de Santa Cecília e Vila Buarque e atrai o público jovem com novidades
A Barra Funda está de look novo. O bairro industrial cortado pelos trilhos da CPTM anda coalhado de bons restaurantes, bares descolados e galerias de arte — e assim parece reescrever o roteiro de vizinhos como Santa Cecília e Vila Buarque, redescobertos pela juventude na última década. “Dada a proximidade com essas regiões, os empreendedores sabem que ali atingirão o mesmo público”, diz Pedro Tenório, economista do DataZAP+, que monitora o preço dos imóveis.
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O aluguel na vizinhança subiu 0,2% em 2021, ano em que o preço médio na cidade caiu 0,9%, segundo o instituto. De passado mais baladeiro (ainda resistem Blue Space, Fabrique e D-Edge) e também agitada por casas de shows como o Espaço das Américas, a Barra Funda ganha uma charmosa cena moderninha. Por outro lado, ouvem-se queixas sobre a “inflação do hype”, o lixo nas ruas e pequenos delitos. A seguir, VEJA SÃO PAULO mostra o melhor da safra local.
Sucesso na calçada
O Trago Bar é um fenômeno na Barra Funda. O ambiente discreto, aberto em setembro de 2020, ganhou público quando passou a atender na calçada. O forte são os coquetéis bem preparados, como o penicillin. Preços razoáveis e o clima “lá em casa” ajudaram no boca a boca. O termômetro do sucesso? Já tem vizinha vendendo doces em uma banquinha em frente. Na esquina oposta à casa, os donos montam um bar ainda maior, o Estrago. “Tem gente que não frequenta o Trago porque não tem cerveja de 600 mililitros. No novo, teremos”, diz o sócio Fabio Mec. Deve abrir em abril. Rua Souza Lima, 174.
“Era tudo mato”
“Quando cheguei à Barra Funda, tudo era mato”, brinca Bruno Lima, 40, fundador do LAB74, uma escola de marcenaria, serralheria, costura, joalheria e outros cursos, aberta em 2012. O primeiro endereço era na Rua Anhanguera, abaixo da linha do trem. “Dobramos de tamanho e busquei um espaço maior”, diz o arquiteto, que escolheu um predinho de três andares no número 318 da Rua Souza Lima, agora cheia de barzinhos da moda.
“A Barra Funda é perto do centro, mas também de áreas de fornecimentos de materiais, como o gasômetro, onde é possível comprar madeira”, ele explica. Sobre a atual efervescência da região, Bruno arrisca uma teoria. “Santa Cecília saturou, virou meio ‘modinha’. As pessoas vêm para cá porque ainda tem um clima mais underground”, diz. Em abril, ele planeja abrir com sócios um bar de temática latina, na mesma rua. Rua Souza Lima, 318.
A itinerante galeria dos artistas
Na sexta (11), mais de quarenta pessoas se apinhavam em frente ao número 654 da Rua Barra Funda, onde há um galpão sem fachada. Ali funciona temporariamente o projeto Galeria de Artistas, uma espécie de cooperativa gerida por Bruno Baptistelli, Carolina Cordeiro e Maíra Dietrich. “Havia mais verba de incentivos para a arte. Hoje, há menos oportunidades para nós, que temos trabalhos mais conceituais”, diz Baptistelli.
A iniciativa é nômade. Após passar pela Vila Buarque, ela traz à Barra Funda a exposição da gaúcha Mayana Redin, que vai até 19 de março e deve ser sucedida por outra do goiano Gilson Plano. A GDA estará na SP-Arte, de 6 a 10 de abril. “Temos buscado bairros com maior movimentação cultural”, afirma o artista, mostrando que ainda há lugar para uma relação menos “pão, pão, queijo, queijo” na efervescente Barra Funda. > Rua Barra Funda, 654. @gdartistas.
Do almoço ao esquenta
De dia, trabalhadores e famílias almoçam pratos fartos no Oxente Bar e Petiscos, como o baião de dois com carne de sol e mandioca (foto). À noite, o clima muda — e o público das mesas na calçada varia conforme os shows e festas das casas noturnas das proximidades, como a Irregular SP. Na sexta (11), com uma festa LGBTQIA+ no Fabrique Club, o esquenta no Oxente rolava ao som de Anitta e Pabllo Vittar. “Quero que o cliente se sinta acolhido”, diz o dono Junior Delfino. Ex-cozinheiro da Rota do Acarajé, ele montou o próprio negócio em setembro. “Queria abrir na Santa Cecília, mas estava muito caro”, diz. Rua Barra Funda, 1086.
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A rua dos botecos
“É a nova Rua dos Pinheiros”, dizem sobre a Rua Souza Lima, perto do trilho da CPTM. Exageros à parte, a via é um bom polo de bares e restaurantes com lugares dos mais interessantes, como o Trago. Os empresários citam diferentes razões para terem se instalado na via, entre elas a vista para a linha do trem e a ciclofaixa. Quando “tudo era mato” e a Souza Lima tinha só uns poucos pés-sujos, chegou ao local o bar A Dama e os Vagabundos, em 2017. O boteco de alma roqueira, no número 43, cresceu e atraiu o pessoal de bairros próximos.
Depois veio o Mescla, no 305, restaurante do boliviano Checho Gonzales, que vai ganhar uma cozinha com bar e área de espera no imóvel vizinho, o Mistura. Pouco a pouco, a travessa se encheu de botecos, como a charmosa Cervejaria Central, no 5. E cabe mais. Até maio, um novo bar deve surgir ao lado do Laskarina Bouboulina: o Bandeira Bandeira, dedicado a coquetéis em conta e com uma micropadaria na área interna. A conferir.
Taça? aqui, não
O Pina Drinques, aberto em setembro, tem a proposta de servir coquetéis em copos de vidro — nada de taças chiques. Preços o.k., sem surpresas na conta. “A cena etílico-gastronômica passou por Santa Cecília e está chegando à Barra Funda”, afirma o dono Gabriel Szklo. Rua Brigadeiro Galvão, 177.
Vida nova à praça
O bar Miúda trouxe vida nova ao entorno da Praça Olavo Bilac, na divisa entre os Campos Elíseos e a Barra Funda. “Muita gente fala que tinha medo de passar por ali, porque estava sempre vazio”, diz a a produtora cultural Rafaela Piccin, que toca o negócio com o bartender e músico Felipe Galli e a empresária Ana Claudia Araujo. Aberto no finzinho de 2019, num galpão que já foi uma oficina mecânica, o bar passou a ocupar, em novembro, também o estacionamento vizinho, onde a galera de 20 e poucos anos se espalha em cadeiras de praia para beber cervejas de “litrão” e drinques feitos sem frescura. Ali perto, o De Caquinho (Rua Brigadeiro Galvão, 32) atrai fãs de chope artesanal desde pouco antes da pandemia. Praça Olavo Bilac, 28.
Onde fica?
Abaixo, o roteiro visitado pela reportagem. O agito na Barra Funda se concentra em três pontos: a Rua Souza Lima, a Rua Barra Funda e a Praça Olavo Bilac. O quarto círculo do mapa destaca os empreendimentos acima da linha do trem.
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Decadência com elegância
“Vi a casa e me apaixonei”, diz a empresária Viviana Gelpi sobre o imóvel do Laskarina Bouboulina. No ponto, funcionou o Casa Belfiore, frequentado pela galera do rock no início dos anos 2000, época em que a Barra Funda era muito mais baladeira que botequeira. Viviana e a chef e sócia Camila Moura servem bons pratos e petiscos de diferentes influências — muitas vindas do Oriente Médio — e drinques para um pessoal “das artes”. “O bairro tem um ar decadente que lhe dá uma identidade, um glamour despretensioso”, define Viviana. Pouco a pouco, veem a rua fica mais cheia. “Quando chegamos, era mais fácil estacionar”, diz. Rua Souza Lima, 67.
Na vanguarda
Um ponto alto da repaginada do bairro é a chegada da galeria Mendes Wood DM, em outubro, grife com projeção no mercado internacional de arte. Antes na Rua da Consolação, no Jardim Paulista, a Mendes ocupa agora um galpão no número 216 da Rua Barra Funda. O local ganha um toque afetuoso com jabuticabeiras na calçada. “Fica perto do Teatro São Pedro e de vários restaurantes jovens. É uma cena mais de vanguarda. Os Jardins ficaram meio ‘emburguesados’ ”, diz o sócio Pedro Mendes. Rua Barra Funda, 216.
Vida na “outra margem”
A cena moderna já chega à Barra Funda mais próxima à várzea do Tietê, do outro lado dos trilhos — mas a passos lentos. É possível apontar bons, mas poucos restaurantes, como o coreano Komah (Rua Cônego Vicente Miguel Marino, 378), por lá desde 2016, e a pizzaria Bocada’s (Rua Doutor Ribeiro de Almeida, 167), aberta em 2019. “Tem bastante prédio subindo nesse lado do bairro”, observa o proprietário Jorge Amaral, antes à frente do Capivara, fechado na pandemia. “Quando escolhemos abrir na Barra Funda, os aluguéis eram mais baratos. Hoje, nem tanto”, ele afirma.
Naquele lado também fica a galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, pioneira no bairro, desde 2008. “Queríamos um lugar mais rústico e amplo para os projetos dos artistas”, diz o sócio Alexandre Gabriel. A outra unidade, na Vila Madalena, fechou em 2021. “O novo endereço é um combo de depósito, espaço expositivo e escritório”, completa Márcia Fortes. “As pessoas buscam por frescor, algo na metrópole que ainda não conheçam. A Barra Funda traz isso”, ela diz. Também nessa região está o espaço independente Atelie 397, na rua Cruzeiro, dentro do hub cultural Galpão Cru.
Cerveja e cachaça locais
Não é fácil encontrar a cerveja Barra Funda Lager (foto) em outros bairros da cidade. Envasada em “casco” de 600 mililitros e com rótulos inspirados pela linha do trem, ela é achada em boa parte dos endereços citados na reportagem (16 reais n’A Dama e os Vagabundos). Fabricada em Jataizinho, no Paraná, foi criada pelos sócios do Deep Bar 611 (Rua Barra Funda, 611) em 2020. “Começamos trazendo 170 caixas por lote, hoje são 475”, diz o sócio Fernando Souza. Outra bebida “local” é a cachaça Jararaca, um rótulo da Cervejaria Central. “Fomos acolhidos de uma maneira que não esperávamos no bairro”, diz o sócio Leo Souza.
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Sucesso pioneiro
Foi na Barra Funda que surgiu o melhor restaurante brasileiro pelo COMER & BEBER. É o A Baianeira, aberto como uma vendinha de pão de queijo em 2014, em uma garagem do bairro — hoje, ele ocupa todo o sobrado. Ali a chef Manuelle Ferraz serve ótimos pratos como o picadinho de carne de panela, com ovo, banana e couve (foto). Foi o embrião da unidade maior, aberta em 2019: o premiado A Baianeira Masp. Rua Dona Elisa, 117.
O fluxo das artes
Até 2017, era tímida a presença do pessoal “das artes” na Barra Funda. A faísca se deu com o Espaço Breu, aberto naquele ano na Rua Barra Funda, 444. O galpão de dois andares tinha exposições, cursos e festas animadas. Logo, criou-se um roteiro. Na mesma rua, você dava um pulinho no Breu e passava nos ateliês do artista No Martins e conhecia um projeto da Cleo Dobberthin (que mais tarde virou o atual espaço Olhão, no número 288).
Em 2019, chegou a Lona Galeria, na Rua Brigadeiro Galvão. Em 2020, o Breu fechou. Em outubro, a Luis Maluf Galeria, sediada no Jardim Paulista, abriu a nova unidade (abaixo) na Brigadeiro Galvão. “No Jardins, pagamos 10 000 reais por 70 metros quadrados. Aqui, por um galpão de 600 metros quadrados, são 16 000 reais. Não teríamos um espaço assim em nenhum outro lugar”, diz Maluf. O circuito segue em expansão. Em novembro, chegou a galeria Janaina Torres, na Rua Vitorino Carmilo. Em dezembro, o Bananal, na Rua Lavradio. Mas o No Martins (agora na Vitorino Carmilo) cogita se mudar do lugar onde está. “É a nova Vila Madalena, tudo ficou caro. Até os bares”, reclama.
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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777