Janaína Torres, escolhida a melhor chef do mundo, abrirá restaurante autoral
Leia a entrevista com a profissional destacada pelo júri do ranking The World’s 50 Best, que toca endereços como a Casa do Porco e o Bar da Dona Onça
Dividida entre as cozinhas do Bar da Dona Onça e d’A Casa do Porco, décimo segundo melhor restaurante do planeta pelo ranking 50 Best, que acaba de consagrá-la a chef número 1 do mundo depois de ter lhe dado o mesmo prêmio pela lista da América Latina no ano passado, Janaína Torres, 49, não para.
Em 2023, a cozinheira, que não assina mais Rueda (sobrenome do ex-marido e sócio, o chef Jefferson Rueda), fez 21 viagens a países tão diferentes quanto Japão, Turquia e Espanha levando a bandeira culinária do Brasil. Só no primeiro trimestre de 2024, foram mais oito destinos internacionais.
O próximo menu d’A Casa do Porco, um fine dining a um preço razoável sempre com filas na porta, volta a ser de Jefferson. Com a divisão de tarefas, a chef desenha agora um restaurante autoral, o À Brasileira por Janaína Torres. Claro, também no Centro.
Qual o peso dos prêmios nacionais e internacionais em seu trabalho?
Os prêmios tornaram meu trabalho mais leve. Esse reconhecimento deixa a gente mais livre para fazer o que acredita, o que precisa ser feito. É preciso voltar lá atrás. Quando abri o Bar da Dona Onça, em 2008, o impacto era a VEJA SÃO PAULO. A Vejinha foi a primeira revista a me premiar como chef e liderança feminina. As pessoas vinham com a revista debaixo do braço. Ganhei como melhor cozinha de bar várias vezes (quatro no total). Desde a abertura desse meu projeto antigo de fazer comida de panela de pressão, sinto que estou no caminho certo. Depois, outros lugares começaram a ganhar o COMER & BEBER e não houve impacto no negócio porque o Dona Onça ficou consagrado pelo público. Recebemos em média 15 000 pessoas por mês, o mesmo número d’A Casa do Porco.
“Quando ganho a premiação, comemoro, vibro. Mas não espero nada. Sempre acho que não vou ganhar”
Como o reconhecimento do 50 Best impacta no negócio?
É difícil falar sobre o impacto. Quando recebi a premiação de melhor chef do mundo no dia 21, estava num voo para a Guatemala. E na própria quinta tinha uma fila surreal no Bar da Dona Onça e n’A Casa do Porco. Eram pessoas querendo conhecer a melhor chef do mundo. Queriam conhecer quem era essa mulher. Estar entre 1 e 50 acho que não vai fazer muita diferença.
A Casa do Porco está na décima segunda colocação na lista mundial, mas caiu cinco posições em relação a 2022. Por que houve essa queda?
Gosto muito de ganhar a premiação, comemoro, vibro. Mas não espero nada. Sempre acho que não vou ganhar (risos). É cíclico. Os restaurantes sobem e descem. Tudo depende dos visitantes dentro dos países. É uma roleta russa quem são esses jurados, se eles escolheram estar no Brasil. São 1 080 jurados e 3 000 pessoas que ficam no radar (do ranking) que podem ser trocadas. Desconfiam que algumas pessoas podem ser juradas, inclusive você.
As visitas constantes a restaurantes de chefs-votantes de outros países ajudam no resultado?
Espero que sim. Não dá para saber porque o voto é anônimo. O intercâmbio ajuda muito porque, quando viajo e estou cozinhando num lugar, geralmente, estou sem a minha equipe e é muito mais difícil. Quando alguém vem para o meu restaurante, também vejo essa pessoa cozinhar. Descubro com quem me identifico. Mas viajar também pode ser um tiro no pé (risos).
Qual a importância de ter um serviço de relações públicas internacional?
Aqui no Brasil, conto com a Maria Vargas. Na Espanha, a Susana Nieto faz a ponte de comunicação com a Europa. Existe uma demanda internacional e é ela quem cuida. Ela conhece bastante os espanhóis e me ajudou a fazer uma curadoria de chefs para o (evento) Porco Mundi Espanha, em janeiro. Foi uma chave importante para trazer os chefs.
Seus restaurantes poderiam estar em qualquer lugar da cidade. Por que a preferência pelo Centro?
Nasci no Centro de São Paulo. Minha casa é no Centro de São Paulo. Não poderia ser em outro lugar. Minha avó morou uma época na Vila Prudente. Eu tinha 16 para 17 anos e trabalhei na padaria Cepam na produção de panetone. Antes, fazia beirute, iogurte e coxinha para vender na rua. Quando criança, eu era muito pobre e minha família não tinha como desperdiçar nada. Por isso, as minhas técnicas de cozinha hoje são muito diferentes das francesas. A técnica brasileira popular não perde nada. Não se desperdiça o que é escasso. Quando se quer saber sobre sustentabilidade, nosso maior aprendizado é a cozinha dentro de qualquer comunidade. Aí se aprende o que é aproveitamento total dos alimentos. Falo sempre isso para os alunos de gastronomia.
Seu filho mais velho, o João Pedro, quer ser chef? Como é isso?
O João Pedro está estagiando no Maní com a Helena Rizzo. Ele me perguntou onde poderia aprender antes de ir estudar no Basque Culinary Center (na Espanha). Achei importante ele trabalhar em outra empresa e com uma mulher que admiro tanto, que foi minha inspiração.
Quando você virou a imagem d’A Casa do Porco?
É uma pergunta interessante. Acho que em 2018, quando entrei para criar o primeiro menu, o “Porco É”. A partir dele, a gente começou a fazer menus temáticos. O primeiro chegou a demorar duas horas e meia para ser servido. Aí batalhei, batalhei para que os outros menus pudessem ser servidos em uma hora e meia. Foi um grande aprendizado. Foi uma luta bem grande nossa. O Jefferson está de volta e já assumiu a cozinha. Agora, terei mais liberdade para tocar meus projetos pessoais.
Como são seus novos projetos?
Comecei a desenhar um projeto sobre o Brasil, desde a nossa parte originária até os dias de hoje. É um projeto de pesquisa e estudo e se chama À Brasileira por Janaína Torres, inicialmente com pop ups de jantares. O primeiro deles vai ser em 9 de abril no Tangará, um evento corporativo, sobre a imigração francesa no Brasil e sua influência. Em 2025, vai se tornar um projeto maior, de um restaurante autoral e um mercado de comida brasileira. A gente vai falar não só sobre o alimento para matar a fome mas também sobre a relação dele com outras disciplinas que aprendemos na escola. A história é a primeira, porque vamos contar a história da nossa cozinha. Matemática, porque é preciso calcular receitas, tempo de preparo. Quando atuei nas escolas públicas com a merenda, me perguntei por que as escolas não têm a matéria alimentação. Isso fez com que me tornasse uma mulher mais política. Era um pouco alienada com as políticas públicas.
Onde será o novo restaurante?
Ai, ai, ai. Me dá até um negócio no estômago. Não posso falar porque ainda não assinei o contrato. Vai ser muito perto da Casa do Porco, muito perto mesmo. É um prédio grande, um retrofit do (arquiteto Gustavo) Cedroni. Nunca vou sair do Centro.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de março de 2024, edição nº 2886
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