Paola Carosella, a chef-fenômeno das redes sociais
Com 1,1 milhão de inscritos no YouTube, 4,5 milhões no Instagram e 1,5 milhão no Twitter, a ex-MasterChef diz por que saiu do reality e compartilha um sonho
Um milhão de inscritos no YouTube. Essa é uma das cifras superlativas com as quais Paola Carosella, 48 anos, está acostumada a lidar nas redes sociais. A cozinheira argentina, sócia do restaurante Arturito e da rede de cafés La Guapa Empanadas Artesanais, agradeceu o número alcançado no início de abril em postagem do Instagram, no qual conta com fiéis 4,5 milhões de seguidores, um fenômeno entre os chefs do Brasil, campeã nacional.
Passado apenas um mês, o canal de vídeo arrebanhou mais 100 000 interessados em assistir às receitas que ela compartilha junto com o marido, o fotógrafo irlandês Jason Lowe, sempre aos sábados e às terças. O furacão digital começou a se desenhar seis anos atrás, quando a cozinheira estreou como jurada do MasterChef Brasil ao lado dos colegas Erick Jacquin e Henrique Fogaça mais a apresentadora Ana Paula Padrão. Para surpresa dos fãs, ela deixou o reality em janeiro.
Não faltaram especulações em torno da saída do programa que a projetou. Colunas e sites de fofoca dispararam: “foi briga com outro jurado”, “não teve o programa-solo prometido” etc. etc. etc. “Vários desses veículos me ligaram e disseram ‘conta para a gente o babado da sua saída’. Babado o quê? Nem respondia”, diz, com uma sonora risada. Não generaliza, porém, os meios de comunicação. “A imprensa também foi muito amorosa em respeitar que tinha sido uma saída e que não tinha sido uma teoria da conspiração.”
A chef esclarece não se tratar de um ato intempestivo. Tanto que no início de dezembro ela comunicou a partida à Band — foi a emissora que pediu para que aguardasse o retorno do proprietário Johnny Saad, que estava fora, para acertar os detalhes. “Três coisas me fizeram tomar a decisão”, revela. “A primeira, entendia que os restaurantes iam me necessitar muito. Era fazer o MasterChef ou continuar remando para tocar e manter o Arturito. O La Guapa é diferente porque a locomotora é o Benny (Goldenberg, sócio dela). O segundo e mais importante motivo foi a família. Cresci num ambiente tão solitário e para mim ser uma mãe presente tornou-se a prioridade. A terceira coisa é que, assim como os dois primeiros anos do programa foram muito desafiantes, o terceiro, o quarto e o quinto, deliciosos, senti que tinha o risco de entrar no piloto automático, de parar de me surpreender. Seria muito ruim se eu ficasse.” Na época, em nota oficial, o Grupo Bandeirantes agradeceu “muito a parceria e toda a dedicação da chef Paola Carosella durante os últimos seis anos no elenco do MasterChef”.
Desde o início do ano, a chef levou o estúdio e o escritório para casa, um amplo e charmoso sobrado no entroncamento Perdizes-Pacaembu. É na própria cozinha doméstica, que também inclui uma biblioteca, onde são feitas as gravações. Até ela deixar a emissora, em 13 de janeiro, o canal do YouTube tinha 637 000 inscritos. Esse número quase dobrou em apenas três meses. Mas não existe mágica. Logo após a saída, Paola foi procurada pelo youtuber Felipe Neto para uma parceria. Depois de a chef fazer as gravações, a equipe de Neto finaliza os vídeos, que ficaram mais ágeis.
“Estão editando de um jeito muito legal. Acho que mantiveram a coisa carinhosa que eu queria ter, trazem um pouco do divertido e foram sutis nas intervenções”, elogia. Lowe, que também divide o fogão com Paola, com quem está junto desde 2013 e casado desde 2019, faz coro. “Fazemos receitas e há brigas e piadas entre nós que são legais. A edição é mais jovem do que eu queria, mas é necessária”, ressalva ele. Muitos episódios são fenômenos de público.
No campeão de audiência, publicado em 10 de julho do ano passado, ou seja, há dez meses, ela ensina a fazer estrogonofe ou stroganoff. Teve quase 3,5 milhões de visualizações. Da nova temporada com edição da equipe de Felipe Neto, existe um queridinho: o bolo de chocolate mais incrível. Lançada há dois meses, a receita do doce foi vista 1,6 milhão de vezes.
Com frequência, a chef incendeia o Twitter, onde é acompanhada por 1,5 milhão de pessoas. Paola discorre sobre tudo, mas são os comentários sobre a situação social e política do país que dão o que falar. Ao mesmo tempo que chovem mensagens carinhosas, multiplicam-se, ainda que em uma porcentagem muito menor, comentários carregados de xenofobia em que exigem o retorno dela à Argentina. “Me mandar embora é a menor de todas as coisas. ‘Esse traveco tem de morrer’ é uma das coisas horríveis que escreveram e mostra a miséria humana”, diz.
Em breve, as pessoas não poderão tratá-la mais como estrangeira. A cozinheira prepara sua naturalização. “Começamos o processo em 2019. Aí veio a pandemia, os documentos venceram e um não chegou. Em março, entregamos a documentação completa”, conta. “Quero votar.” Sem se intimidar, Paola opina no Twitter e no Instagram sobre postagens com as quais não concorda.
Uma das mais bombásticas aconteceu em 8 de abril e diz: “Não acredite em influencer. Não acredite em frases inspiradoras com foto de iate e barriga sarada, não siga conselhos de vida de influencer. Procure profissionais sérios. A vida não é como o Instagram, viver é duro, quem te fala o oposto mente e é extremamente irresponsável”. Até agora, o post teve mais de 36 000 retuítes e bateu 171 000 curtidas.
Também teve enorme repercussão uma foto no Instagram em que aparece com a cabeça enrolada em um avental e na qual critica “sommeliers da vida alheia” e influenciadoras “magras esqueléticas”. Foram mais de 247 000 curtidas e quase 11 000 comentários. “Fiquei muito brava com uma influenciadora e um comentário sobre o que é uma doença mental que ela chamou de preguiça. Me preocupei muito, principalmente por ser filha de pessoas com depressão profunda. Imagina eu lá atrás, com 15, 16 anos, vendo meus pais extremamente tristes, extremamente mal, sentindo o desespero que sentia nessa época porque eu não sabia como ajudar. E vem alguém, uma super-heroína de biquíni toda bronzeada, maravilhosa, esplêndida, falar que eles estão sendo preguiçosos, que deveriam fazer um esforcinho maior porque não estão se esforçando o suficiente, e depois esses pais morrem. Fiquei muito brava com a falta de responsabilidade. Não sou uma fada sensata”, contesta.
Paola acredita que seu relacionamento com as redes sociais seja ambíguo. “Às vezes estou muito revoltada e vou lá e falo uma coisa. Aí depois vejo o que volta. De onde vem tanta raiva, de onde vem tanto ódio? Sei que eu tenho uma voz, que as pessoas me seguem e me escutam”, explica. Quando pergunto a chef com quem ela não dividiria a mesa, diz, sem hesitar: “Jair Bolsonaro”.
Além de Paola, Jason e Francesca — a Fran, filha única da chef com um arquiteto argentino —, na casa de 400 metros quadrados na qual estão desde o fim de 2019, mora Bautista Carosella, o Bauto, sommelier de 28 anos. “É meu primo, eu meio que adotei ele. Está comigo há quase quatro anos”, explica. Jason e Fran, que se dão muito bem, dedicam parte do tempo a partidas de xadrez ou divertem-se com os dois cachorros e a gata. O jardim vem sendo usado para a criação de outros tipos de bicho por Jason, abelhas nativas sem ferrão. Serve também para o cultivo de uma horta de onde saem as ervas usadas na produção dos vídeos.
Paola pretende expandir seu lado camponesa. Sua meta é comprar um sítio em Parelheiros, de onde vem parte dos insumos orgânicos que usa no Arturito. “Quero plantar! Ainda não sei o quê”, exclama. Para isso, conta com a ajuda do amigo e geógrafo Arpad Spalding, da Cooperapas (Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo), também agricultor naquela região da cidade. “Ela deseja ter o pé na roça para fazer experimentos com hortaliças e pancs. Ao mesmo tempo, pretende estabelecer parceria com agricultores que tenham insegurança de manutenção de sua atividade”, diz.
Paola sempre está em defesa de uma causa social. Não por acaso, ganhou o prêmio de mesmo nome concedido pela primeira vez por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER em 2019. O título foi parar nas mãos dela pela criação e liderança da parte culinária do projeto Cozinha & Voz, a partir de um convite de Thaís Dumêt, oficial técnica para América Latina e Caribe da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trata-se de um curso de capacitação profissional em culinária para pessoas excluídas do mercado, como transexuais, gente em situação de rua, população negra e mulheres privadas de liberdade ou vítimas de violência doméstica.
Neste ano, ela comemora duas décadas de Brasil. A então jovem cozinheira, na época trabalhando em Nova York, veio para cá por sugestão do também argentino Francis Mallmann. Fixaria residência em São Paulo, cidade sobre a qual não tinha nenhuma informação. Era o chef de reputação internacional quem assinava o cardápio do A Figueira Rubaiyat, de Belarmino Iglesias (1931-2017), e ela a responsável por tocar o dia a dia de um restaurante que explodiu de público. Pela primeira vez na cidade, usava-se forno de alta temperatura para finalizar pratos como o caixote de frutos do mar, servido até hoje. O movimento intenso obrigou Paola a quase morar na cozinha, em um período em que se mantinha anônima. “Não tinha tempo para fazer xixi”, recorda-se.
Um ano depois, deixou o endereço grandioso para ter um negócio para chamar de seu. Foi assim que, em 2003, abriu o Julia Cocina, uma homenagem à americana Julia Child. No pequeno salão do Itaim Bibi, era possível vê-la na cozinha montando um cardápio que privilegiava produtos sazonais, muitos deles preparados num forno a lenha. A filosofia de trabalho diferente da do sócio a levou a deixar a casa, que feneceu sem ela.
O Arturito, outro êxito, surgiu em 2008. Dois anos depois, Paola era eleita chef do ano pelo COMER & BEBER. Nesse negócio, tinha menos de 20% e se viu em uma situação delicada quando os sete sócios, argentinos como ela e donos de casas badaladas em Buenos Aires, decidiram se retirar.
Como restauratrice, atravessou naquele momento uma crise financeira, embora seu menu mantivesse a mesma qualidade, que aos poucos passou a concentrar sugestões clássicas do Mediterrâneo, em especial as italianas, e pratos resgatados da memória afetiva com matérias-primas orgânicas. Ajudaram a chef a contornar situação crítica sua associação, em 2013, com o empresário Benny Goldenberg, do extinto Mangiare Gastronomia, e ter se tornado estrela de TV.
A parceria com Goldenberg já tinha dado frutos. Antes do Arturito, a dupla planejou a rede La Guapa Empanadas Artesanais com uma fórmula simples. Desde 2014, oferece o salgado típico de países da América Hispânica mais chá de hibisco, uma cerveja e um café para arrematar com um doce. Se o La Guapa já ia bem, obrigado, com nove lojas em funcionamento e uma décima a caminho, mesmo na crise gerada pela pandemia, ganhou fôlego extra no fim de julho passado com o ingresso no negócio da gestora de private equity Concept Investimentos. A 15ª unidade e mais recente delas, no formato de quiosque, foi inaugurada no fim de abril no Shopping Metrô Santa Cruz. “Continuamos com planos de abrir uma loja por mês. No fim de maio, teremos novidade”, adianta Goldenberg.
Dona de todo esse sucesso, que inclui o lançamento do livro Todas as Sextas (Melhoramentos, 170 reais, 352 pág. R$ 106,99, Amazon), de receitas com histórias e segundo lugar no Prêmio Jabuti em 2017, Paola observa sua vida por meio do que chama de quatro portais ligados a ciclos do número 7. O primeiro deles, em 1999, é a morte da mãe, a advogada Irma Polverari, que criou a filha sozinha desde que se separou, quando a garota tinha 2 anos. Ao voltar do trabalho num domingo, Paola, na época com 27 anos, a encontrou afogada na piscina de casa — Paola perdeu o pai, Roberto, um ano depois. Um golpe para a cozinheira, que na infância sofria em ter de passar as tardes sozinha, já que a mãe tinha dois empregos e cursava direito à noite.
++ Compre aqui o livro “Todas as Sextas”, de Paola Carosella
Paola procurava se entreter assistindo ao programa Utilísima, que tinha um quadro de culinária apresentado por Choly Berreteaga. “Ela era muito chique, usava joias para cozinhar”, recorda-se. Inspirada por Choly, fazia o jantar. “Não tinha muitos ingredientes. Era tipo pão de fôrma, linguiça, maionese, tomate, alface, queijo, presunto. Todas as maravilhas da indústria dos processados. Nessa época, não se falava que isso era ruim. A gente achava que de fato eram soluções.”Antes de vir para o Brasil, Paola chegou a receber um convite para apresentar um quadro de culinária no mesmo Utilísima, mas declinou achando que não era o momento. Como estava enganada.
O segundo dos portais foi o nascimento de Francesca. “À noite, a gente lê junto. Eu leio meu livro e ela lê o dela. E isso eu não tive. Tive uma solidão espantosa”, diz, com ternura. O terceiro desses momentos transcendentes foi a participação, em 2014, no MasterChef Brasil, que representou uma virada em sua carreira. No lugar de Paola, o reality tem agora Helena Rizzo, do Maní. “O público ficou muito feliz com ela”, acredita. E, finalmente, a fase que vive hoje. “Não sei aonde vai me levar, mas sinto que é transformador. É um desses momentos nos quais as roupas que você vestia não cabem e você vai criando uma nova pele. Sou tipo um siri-mole no meio do caminho”, diverte-se.
Os próximos passos? No momento, Paola afirma que continuará a investir no canal do YouTube e que pretende aprender a cantar. “Gosto de Mercedes Sosa”, revela. Desde que ela mereceu uma imitação divertidíssima e com sotaque perfeito da atriz Mariana Cabral em um quadro do Zorra Total, a chef vê-se cercada por especulações de sua ida para a Globo ou para o canal pago GNT. “Não tem nada nesse sentido”, garante. O futuro dirá.
+ Assine a Vejinha a partir de 8,90 mensais
Valeu pela visita! Para me seguir nas redes sociais, é só clicar em:
Facebook: Arnaldo Lorençato
Instagram: @alorencato
Twitter: @alorencato
Para enviar um email, escreva para arnaldo.lorencato@abril.com.br
Caderno de receitas:
+ Fettuccine alfredo como se faz em Roma