A canja do Vitrô e outras sopas
Antes obrigatórias em qualquer cardápio, as sopas se tornaram cada vez mais raras, tanto em casa quanto em restaurantes. Não falo aqui daquelas misturas prontas de saquinho ou as enlatadas. Mas dos caldos, cremes e consomês feitos com esmero nas cozinhas domésticas e nos restaurantes. É mais comum se pensar nesse tipo de receita quando […]
Antes obrigatórias em qualquer cardápio, as sopas se tornaram cada vez mais raras, tanto em casa quanto em restaurantes. Não falo aqui daquelas misturas prontas de saquinho ou as enlatadas. Mas dos caldos, cremes e consomês feitos com esmero nas cozinhas domésticas e nos restaurantes.
É mais comum se pensar nesse tipo de receita quando chega o outono e o inverno, estações em que a cidade é invadida por bufês e mais bufês, montados especialmente por padarias.
Para mim, as sopas deveriam ser oferecidas o ano todo. Nos dias de calor tórrido, nada melhor do que um gaspacho, a sopa fria de tomate, pimentão e pepino, um dos pratos nacionais da Espanha e atração do cardápio do Maripili.
A vichyssoise, embora seja servida também quente, fica muito melhor fria. Sua invenção é polêmica. Alguns franceses dizem que teria nascido em território gaulês, enquanto americanos dizem ter surgido nos Estados Unidos pelas mãos de um chef francês. Não importa. É tão gostoso saboreá-la, ir encontrando tirinhas de alho-poró em meio ao creme de batata, como acontece no Freddy.
Das mais antigas e de alma luso-brasileira, a canja quase caiu no esquecimento. Era o prato predileto de dom Pedro II, como conta o jornalista Dias Lopes no ótimo livro de histórias gastronômicas “A Canja do Imperador” (Ibep Nacional, 445 páginas, R$ 48,00).
Além do delicioso caldo de galinha com arroz e legumes cortados em cubinhos feito por minha mãe, lembro com saudade da machado de assis (acho que esse era o nome), canja do extinto Spazio Pirandello, híbrido de bar e restaurante que foi um tremendo sucesso da Rua Augusta pré-balada. A sopa era um conforto para o estômago e a alma de muitos boêmios da cidade. Mais recentemente, uma receita bem bacana foi incorporada por Fred Frank no Vitrô, servida no jantar e aos fins de semana.
Mais do que o apreço pela sopa, compartilho um poema de Carlos Drummond de Andrade amorosamente irônico sobre o prato outrora cotidiano:
Sentimental
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçadas na mesa todos completam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!
– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando…
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
“Neste país é proibido sonhar.”