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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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As condições da mentira: dizer só a verdade torna a vida inviável

As grandezas das inverdades e como elas podem se tornar patologias

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 20h34 - Publicado em 21 dez 2016, 17h18

Mentir é errado e perigoso. Ainda assim, não adianta negar. Quem diz que nunca mentiu corrobora este fato ao dizê-lo. Mentir é um comportamento natural do repertório humano. Na verdade, a mentira existe mesmo na natureza (outras espécies) e normalmente está associada à preservação da própria vida e à proteção do grupo.

Dizer apenas a verdade torna a vida inviável. Um bom exercício ficcional sobre isso é o filme O Mentiroso (1997), no qual Fletcher Reede (Jim Carrey) se torna alvo de um encanto que o impede de mentir. Esse encanto dificulta intensamente seu cotidiano.

A mentira pode se expressar de maneiras e magnitudes diferentes. Pequenas mentiras normalmente servem para que as pessoas se relacionem bem. Um exemplo disso é quando se elogia algo mesmo pensando o contrário para que a outra pessoa não se sinta mal.

A própria omissão é um tipo de mentira pois alguém pode responder negativamente ao ser questionado se vê algum problema nisso ou naquilo; mesmo vendo algum problema a pessoa pode negar a fim de evitar conflitos.

Guardar segredo também é uma modalidade de mentira porque exige do cérebro a inibição ativa de uma informação verdadeira e exige que a pessoa diga, se questionada, não saber algo que na verdade sabe.

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A coleção de estudos de filósofos cristãos estabeleceu uma tradição segundo a qual há três tipos de mentira: a jocosa (objetiva a brincadeira e não produz consequências práticas), a oficiosa (tem como consequência evitar algum problema que ocorreria se a verdade viesse à tona) e a perniciosa (esta é a mentira dolosa por excelência, aquela que traz prejuízo a alguém para benefício daquele que mente).

Quando é praticada deliberadamente e traz prejuízo a alguém ou benefício indevido àquele que mente, a mentira não é patológica pois envolve os valores de ética e moral do indivíduo que mente; têm a ver com seu caráter. São exemplos as mentiras de criminosos, as infidelidades, a corrupção, a violação das leis na ausência de testemunhas (transitar acima da velocidade na ausência de radares também conta), os casos de corrupção etc.

A mentira é patológica quando, mesmo não havendo o objetivo de prejudicar a outros, ocorre de maneira compulsiva (mentir compulsivo) ou sistemática (mitomania). Esses padrões podem produzir prejuízo eventual a terceiros mas certamente produzem prejuízos principalmente para quem mente.

O que ocorre na mitomania e no mentir compulsivo é que normalmente a pessoa experimenta algum tipo de angústia que faz com que ela necessite da atenção, aprovação ou admiração dos outros. Basicamente há um problema de autoestima, que pode ter sido gerado por percepções distorcidas de si ou mesmo por uma vida pobre de experiências ou com vivências traumáticas. Aquele adolescente que inventa já ter beijado para não sofrer assédio dos colegas pode desenvolver um padrão crônico de mentira se não conseguir enfrentar seus medos e angústias adequadamente.

Quando se mente pela primeira vez a respeito de algo ocorre a ativação de grupos neuronais na amígdala, estrutura cerebral associada ao processamento emocional das experiências vividas. Mas, conforme aquela mentira é repetida, o componente emocional vai perdendo força, o que é evidenciado pela diminuição da ativação da amígdala; ou seja, a pessoa passa a automatizar aquela mentira.

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Ela literalmente se habitua a mentir. Com o passar do tempo a pessoa mente cada vez sobre mais coisas. O triste dessa situação é que o indivíduo não percebe que seu padrão de dizer mentiras é evidente para aqueles com quem ele interage. Isso dá início a um ciclo que só aprofunda a patologia porque, quanto mais mentiras, mais os outros se afastam e, quanto mais os outros se afastam, mais a pessoa mente e fantasia.

Outras duas importantes estruturas cerebrais envolvidas no comportamento mentiroso são o córtices pré-frontal e cingulado, que são ativados quando mentimos desde os 2 anos de idade. O córtex pré-frontal é importante para a inibição de comportamentos e o cingulado atua no controle dos impulsos.

A verdade sempre é a primeira a aparecer na consciência. Por esta razão é que as áreas pré-frontal e cingulada são necessárias para a mentira acontecer, porque a verdade precisa ser inibida. A fala demora a sair na mentira exatamente por conta da necessidade dessa inibição da verdade. Isso quer dizer que mentir gera um custo adicional de processamento de informação pelo sistema nervoso.

Quem mente cronicamente vai se adaptando ao padrão mentiroso e, embora haja um enorme custo neurofisiológico (recursos cerebrais e mesmo o impacto cognitivo para manter coerência entre as mentiras), o custo mais significativo é mesmo aquele decorrente dos prejuízos sociais e emocionais que o mentiroso compulsivo ou o mitomaníaco vivenciam.

A mentira tem perna curta mas o sofrimento de quem mente é longo e impacta as pessoas próximas.

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