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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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O enfrentamento do ciúme em tempos de redes sociais

Há muitas fontes de mal-entendidos: o parceiro que está on-line mas demora a responder, a interpretação equivocada de um emoji, a frequência de postagens...

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 24 jan 2018, 11h45 - Publicado em 22 jan 2018, 16h58

Já discutimos nesse espaço as consequências danosas do ciúme para as relações. Ciúme é um conjunto de sentimentos aversivos (frustração, raiva, inferioridade, tristeza), indicativos da insegurança sobre os sentimentos do(a) parceiro(a). Vimos que:

_ ciúme não é prova de amor;

_ uma das principais dificuldades que as pessoas têm em enfrentar o ciúme de forma adequada é confundir normal com bom. Embora seja normal sentir ciúme, ele nunca é bom. Ou seja, precisa ser enfrentado;

_ ciúme é prova de gostar e não de amar. Gostar é um sentimento egocêntrico; você gosta de algo ou de alguém porque o objeto ou a pessoa despertam sensações boas em você. Você gosta de praia, de carros, de sorvete e de fulano… porque esses objetos do gostar lhe trazem boas sensações. Amar, por outro lado, é um sentimento altruísta a partir do qual a percepção de realização e completude se estabelecem naturalmente. Não há exceção. O ciúme está sempre voltado para si e não para a outro ou para a relação. Quando você sente ciúme, são suas inseguranças pessoais que estão na berlinda e não o sentimento do(a) parceiro(a) por você. Ciúme todos sentem, mas alimenta o ciúme só quem gosta, jamais quem ama;

_ o sentimento de ciúme é involuntário mas os comportamentos ciumentos são completamente voluntários. Portanto, para superar o ciúme que você sente, você deve trabalhar a mudança dos comportamentos e não a mudança do sentimento de ciúme em si. Cada vez que você enfrenta o ciúme de modo inadequado, você fortalece ainda mais o ciúme que sente;

_ não é a mudança de comportamento do(a) parceiro(a) que fará seu ciúme acabar mas sim e somente a mudança do seu próprio comportamento.

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Não bastassem as dificuldade neuróticas de lidar com o ciúme no cotidiano do “mundo real”, atualmente ele é potencializado enormemente pelas redes virtuais. Há muitas fontes de mal-entendidos e de geração de ciúme: o parceiro que está online mas demora a responder, a interpretação equivocada de um emoji, a frequência de postagens com o casal (se baixa ou se alta), o uso das redes sociais para mandar indiretas, o incômodo pela interação do(a) parceiro(a) com determinadas pessoas, a energia gasta bisbilhotando as redes e até relacionamentos que acontecem principal ou exclusivamente no ambiente virtual.

Verdade que a internet é um recurso importantíssimo na democratização do acesso à informação. Por meio dela é possível aprender habilidades, descobrir de forma rápida como resolver problemas, entrar em contato com diferentes pontos de vista acerca de um tema e encontrar pessoas como amigos de infância ou parentes. Apesar disso, temos testemunhado o quanto a internet é capaz de potencializar as angústias humanas.

Os perfis de “influenciadores digitais” se multiplicam como bolor em pão velho. Pessoas que gostam de expor suas vidas como modelos a serem seguidos. Mal se dão conta de que, na verdade, elas oferecem modelos que já estão muito bem estabelecidos e que, portanto, não precisam ser reproduzidos por Fulano, Beltrano ou Cicrano. Quantas vezes num único dia é possível ver, por exemplo no Instagram, “figuras públicas” mostrando o quanto um suco detox pela manhã fará bem para a saúde? É uma repetição de informação enfadonha, artificial e, pior, na maior parte das vezes mentirosa ou sem embasamento.

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Eu faço um exercício imaginativo de como seriam situações fora do ambiente virtual que tivessem equivalência com essas postagens e perfis artificiais. Eu imagino uma pessoa subindo na cadeira em um grande restaurante lotado e gritando: “Gente… eu sempre lavo as mãos antes de comer. Isso evita a contaminação por bactérias! Assim posso comer sem medo essa saladinha top!” Imagine de verdade alguém fazendo isso. Pois é… é isso que as pessoas passam boa parte do tempo fazendo nas redes virtuais.

Onde entra o ciúme nesse contexto? A questão é que as pessoas não percebem o quanto a exposição da própria vida nas redes virtuais, a partir de determinado ponto, mais gera angústia do que alegria. Tenho um perfil no Instagram que mostra exclusivamente fotos de paisagens, insetos e curiosidades. Frequentemente alguns amigos me perguntam por que eu não posto fotos minhas e só de paisagens. Eu sempre respondo que vejo algo de interesse que merece ser compartilhado na árvore que eu fotografei mas que não há absolutamente nada de minha vida pessoal que possa ser realmente útil para outras pessoas. Eu penso que cada um de nós deve se fazer essa pergunta antes de compartilhar algo sobre si: Isso será realmente útil para os outros? Se sua resposta não for um sólido e convicto sim, não vale a pena compartilhar aquele conteúdo.

Mas por que as pessoas compartilham tanto de sua vida pessoal mesmo quando a resposta para a pergunta acima é “não”? Porque, na verdade, a função da postagem é lidar com alguma angústia que a pessoa tem e que talvez nem seja capaz de reconhecer. Pode ser a necessidade de busca por aprovação ou reconhecimento, ainda que artificiais, e pode ser por outras razões. O fato é que este processo vai se automatizando e produz na pessoa a falsa sensação de realização pessoal e de que tem uma vida plena. Há vários episódios na série Black Mirror (bem como em outras e também na Filosofia) que abordam essas questões.

Nesse mundo virtual, a pessoa ciumenta tem uma infinidade de situações para alimentar e fortalecer seu padrão neurótico. E o ciúme trabalhado nas redes virtuais cai fatalmente no campo da fantasia. O ciumento passa a fantasiar todo tipo de justificativas porque não é amado ou porque é traído de várias formas. E, como sempre há uma nova situação com a qual encanar, é uma trilha sem fim. Sempre há um like, uma visualização, um duplo tique azul, um status online… qualquer coisa serve de combustível para alimentar o ciúme. O ciumento se apega ao seu ciúme e passa a vivenciá-lo de maneira obsessivo-compulsiva. É tão egocêntrico que se torna cada vez menos capaz de enxergar o outro. Esse movimento só produz sofrimento… para si e para os outros.

O melhor para evitar a potencialização do ciúme pelas redes virtuais é expor sua vida pessoal o menos possível e não alimentar fantasias baseadas nas redes de seu crush.

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Superar o sentimento de ciúme requer coragem de olhar sem filtros para si e para o(a) parceiro(a). Requer a suficiente hombridade para não negar aquilo que é próprio do humano, como a fluidez do desejo… requer a capacidade de querer construir com o outro um vínculo de liberdade e de cumplicidade… enfim, superar o ciúme requer a capacidade de saber amar.

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