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“Estou de saco cheio desse papo de patriotismo”, diz Nando Reis

Em meio a gravação de disco de inéditas e preparação para turnê com os Titãs, o músico paulistano completa seis décadas com novo olhar sobre a vida

Por Tomás Novaes
27 jan 2023, 06h00

Diretamente do estúdio em que começava a gravar as vozes do seu próximo disco de inéditas, previsto para setembro, Nando Reis falou sobre sua grande festa de 60 anos, que aconteceria na sua casa, no dia seguinte.

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“Eu estou em pânico, porque eu resolvi fazer isso?”, brinca, antes de dizer que está animado para rever os amigos que não via há tempos. “Costumo dizer que sou festeiro, contanto é ambivalente que sou socialmente muito retraído”, resume.

O paulistano de cabelos ruivos e encaracolados completou seis décadas de vida no último dia 12, inaugurando um ano que será agitado. Além do novo álbum, participará do aguardado reencontro dos Titãs, a partir de abril, além de seguir em turnê com a cantora Pitty e seus projetos-solo — como o encerramento da turnê Nando Hits, dias 11 e 12 de fevereiro, no Tokio Marine Hall.

A verdade é que a agenda ocupada, seja na vida profissional ou pessoal, mostra que Nando está valorizando mais a importância do encontro. “No fim das contas, depois da pandemia, a relação com a vida tem outra conotação”, diz. Leia a conversa a seguir.

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O que significa para você ter 60 anos?

Aquela coisa de terceira idade e idoso são conceitos muito defasados, presos em uma concepção do século XX, de expectativa de vida. Eu acho que deveria haver terceira e a quarta idade, porque é estúpido: agora eu tenho preferência em fila por lei e não posso sentar em saída de emergência. É insano, eu estou roubando o lugar de um sujeito de 80 anos que de fato deveria ter privilégio sobre mim. Tenho 60 anos e me sinto muito mais ativo do que quando estava com 50, por razão da forma como passei a viver, minha disposição, minha mudança de hábitos. Quando eu era pequeno, achava que 60 anos era coisa de velho, mas eu não me sinto nem um pouco velho. E a relação que tenho com o meu trabalho — tenho o privilégio de trabalhar com o que eu amo — é extremamente gratificante e revigorante.

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Como paulistano e morador da capital paulista nas últimas seis décadas, qual sua relação com São Paulo?

Eu amo São Paulo, eu nasci aqui. Mas o que eu percebi é que, com a pandemia, houve um aumento terrível de pessoas em situação de rua. E São Paulo é muito cruel. Por ser essa metrópole hiperpovoada, as questões sociais e de urbanização ficam muito evidentes. Acho que ela expõe o cru do que é a realida- de do Brasil. Tem um cubículo, do qual eu faço parte, que mora em bairros ricos, enquanto tem um monte de gente desassisti- da. Do ponto de vista pessoal, fico um pouco cansado da vida na cidade. Eu viajo muito, então, quando fico aqui, fico muito em casa. Tenho vontade de sair de São Paulo, curiosamente. Eu tenho 60 anos, é desanimador ver as décadas passarem e as coisas não mudarem. Eu moro perto do Rio Pinheiros. Aquilo é nojento, é um esgoto a céu aberto. A verdade é isso: nada muda, só piora. Nada melhora. E, para nosso azar, a gente elegeu um governador bolsonarista.

“Eu tenho 60 anos e me sinto muito mais ativo do que quando estava com 50, por razão da forma como passei a viver, minha disposição, minha mudança de hábitos”

Esta semana marca o aniversário de São Paulo, de cuja comemoração você vai participar. Qual a conexão entre suas composições e a sua cidade?

Não tem nada a ver com não gostar de São Paulo, mas eu não tenho esse negócio de “ah, minha cidade natal”. Estou de saco cheio desse papo de patriotismo, desses apegos. Eu não gosto desses carimbos. Quero ser brasileiro diluído em tudo, influenciado por tudo, sem essa marca.

Nos últimos anos, você se tornou um artista muito ativo nas redes sociais, especialmente no YouTube. É uma nova etapa na sua carreira?

Isso veio naturalmente e gradualmente há muitos anos, desde que passei a ser um artista independente e mudei completamente a relação com meu próprio trabalho, do ponto de vista das coisas que preciso gerenciar e me envolver. Com a era digital, essa última década de mudança intensa, meu envolvimento com redes sociais foi um aprendizado prático — de olhar para uma câmera e falar sobre um tema relacionado à minha carreira. É uma ferramenta de trabalho, mas, sinceramente, eu não sei mexer nesse negócio. Meu ofício é ser compositor, músico, eu não sou youtuber, influencer, nem sei o que significa isso. Até porque eu vejo que quem vê e comenta o meu conteúdo é quem curte a minha música.

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Em 2012, você participou de um show de reencontro dos Titãs aqui em São Paulo. Na época, o Branco Mello disse em entrevista à Vejinha que era muito difícil reunir todos no palco por causa das agendas de cada um. O que permitiu que isso acontecesse neste ano?

O que mudou de lá para cá tem muito a ver com a pandemia e com a passagem do tempo. Foi justamente durante a pandemia que li uma entrevista do Sérgio Britto dizendo que fariam uma comemoração dos quarenta anos da banda e que os ex-Titãs estavam convidados. Eu comentei isso com os meus filhos e eles ficaram muito entusiasmados — dois deles, os mais velhos, viveram aquilo, e três deles viveram muito pouco. O Ismael nem era nascido quando eu saí do grupo. O resgate daqueles anos tão significativos pessoal e profissionalmente, a própria doença do Branco, a morte do Marcelo, essa coisa fugaz que é a vida, tudo isso faz todo sentido. Comemorar, encontrar, tocar coisas que não toco há anos, voltar a tocar contrabaixo. Então a gente reservou espaços na agenda. Nossos encontros foram incríveis, é muito emocionante. Eu estou muito feliz de fazer essa turnê.

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Seu próximo disco será o primeiro de inéditas em sete anos. Como começou o projeto dele?

Embora eu tivesse o plano de gravar, esse disco surgiu de maneira inesperada. Eu iria gravar três músicas e acabei gravando 25. Quando eu entro para gravar um disco, em geral estou sempre inseguro ou incerto se tenho músicas suficientes, ou se elas são boas o bastante. Há uma ideia que sou um compositor prolífico com um baú de dezenas de canções guardadas, mas não é nada verdade. Esse disco tem músicas muito recentes, feitas dois meses atrás, outras que nem terminei a letra, e outras antigas. Tem duas regravações e algumas coisas que encontrei no meu celular, rascunhos que aproveitei e concluí como canções. Mas ele tem uma unidade que todo disco tem que ter, é um panorama diverso, complementar, com um grau de coesão.

Publicado em VEJA São Paulo de 1 de fevereiro de 2023, edição nº 2826

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