Conheça a Formosa Hi-Fi, bar de vinis com alta definição sonora no centro
Em galeria sob o Viaduto do Chá e com grande investimento em acústica, a casa é o novo projeto dos empresários Facundo Guerra, Alê Youssef e Ale Natacci

Escondida dos olhos do público, mas em um dos endereços mais famosos de São Paulo — os baixos do Viaduto do Chá —, está prestes a ser inaugurada a Formosa Hi-Fi. O projeto de bar mais ambicioso do ano mescla gastronomia, coquetelaria e música em um lugar onde a trilha sonora não é pano de fundo, mas protagonista. No caso, tocada de vinis em um sistema de alta definição. A casa atenderá no espaço subterrâneo conhecido como Galeria Formosa, passagem que interliga o antigo prédio da Light (hoje Shopping Light) com o Theatro Municipal e a Praça Ramos de Azevedo.
Na afinação do projeto, estão três empresários da noite, que juntaram as forças (o investimento não foi divulgado e contou ainda com o patrocínio de uma cervejaria e de um banco). O trio é formado por Facundo Guerra, criador da boate Vegas (2005-2012), do Bar dos Arcos e de outras casas; o ex-secretário municipal de Cultura Alê Youssef, fundador da casa de shows Studio SP (2005-2013, com uma sobrevida entre 2021 e 2023); e Ale Natacci, cofundador com Youssef do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta (leia os perfis neste link).

“Quero mostrar para um estrangeiro ou para um brasileiro de outro estado que a Formosa Hi-Fi é puro São Paulo”, diz Facundo. O estabelecimento será aberto para o público só em 31 de julho, com funcionamento de terça a domingo. Mas já pôde ser conhecido por amigos e membros do Clube de Sócios, que pagam mensalidade e têm direito a regalias.
Grandioso, o espaço de 500 metros quadrados, que estava ocioso, é acessado pela escadaria em frente ao Shopping Light, em um corredor abaixo da terra que também dá de frente para o extinto Mappin, futura unidade do Sesc. Essa primeira área funciona ao mesmo tempo como recinto de exposições e de espera.

O salão principal, para 160 pessoas sentadas, quase todo de mármore, apresenta um forro preenchido por 420 luminárias de metal com LEDs. Causam um belo impacto visual que encontrou referências no lobby do Whitney Museum, em Nova York, e no Palácio de Mármore, velho salão de festas em Santo André.
Com diferentes níveis, a Galeria Formosa, no lado oposto à Galeria Prestes Maia, é, assim como a vizinha, tombada pelas três esferas de patrimônio (Conpresp, Condephaat e Iphan). Foi inaugurada em 1938 com o então novo Viaduto do Chá. Operou no salão inferior, até 1999, o Restaurante da Liga das Senhoras Católicas, onde hoje está o Centro de Referência do Idoso (Creci). Em um patamar acima, fica o Centro de Referência da Dança, no local que sediou, entre 1943 e 2013, a Escola Municipal de Bailado. O museu do Theatro Municipal e até a Recebedoria Central para coleta de impostos municipais tiveram sede ali.

Em 1975, Elis Regina ensaiou seu mais importante espetáculo, Falso Brilhante, na Galeria Formosa. “Ela precisava de um lugar que não fosse um estúdio para o espetáculo mais teatral da sua carreira. Então conseguiu, junto à prefeitura, as salas embaixo do viaduto — ao chegar, arregaçou as mangas e varreu o espaço, que estava totalmente às traças”, relata o jornalista Julio Maria, biógrafo da cantora.
Na Formosa Hi-Fi, o público vai se dividir entre um balcão de madeira de 17,5 metros de comprimento em zigue-zague, inspirado no bar Balcão, nos Jardins, e sofás. “O desafio do projeto é potencializar as qualidades que já estão no espaço e não tentar subverter, mas sim fazer um diálogo com ele”, acredita o arquiteto Silvio Oksman, da Metrópole Arquitetos, escritório especializado em preservação de patrimônio, responsável pelo bar.

A trilha sonora é o ponto crucial e tocada diretamente de discos. Uma bancada original do local, de 19 metros de extensão, tem dois bares nas extremidades. O espaço central será ocupado pelo DJ da noite ou o “seletor musical”, convidado que tomará conta do som. Quem for tocar poderá levar os próprios álbuns ou usar o acervo local, atrás do balcão, em uma prateleira que pode receber até 6 000 vinis. Os exemplares expostos atestam a diversidade buscada na programação: de Lorde a John Coltrane, de Secos e Molhados a Talking Heads, de Lana Del Rey a Fela Kuti.
A casa vem espessar o caldo de bares dedicados à música — boa parte tocada também em LPs — que a cidade ganhou nos últimos anos. São o que muitos chamam de listening bars, ainda que nem todos os estabelecimentos se autodenominem como tal: o já veterano Caracol, de 2018, seguido por Domo, Matiz, Elevado Conselheiro, Água e Biscoito, Starlane… “Os listening bars são as novas boates”, acredita Facundo, que conta ter visitado mais de 100 bares do gênero por Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.

A Formosa, porém, chega se colocando num patamar acima, o dos bares hi-fi, com uma qualidade acústica que pretende ser impecável. “Estamos dando para o vinil um tratamento de casa de shows, onde o disco é o grande artista”, garante Facundo — tanto que será cobrado do público um couvert artístico de 20 reais. “Esse tipo de bar é aquele em que você pega a tecnologia de uma sala de orquestra e transplanta para um espaço de audição de vinil”, enfatiza.
“A acústica foi colocada no topo das decisões que guiaram o projeto”, explica o arquiteto Julio Gaspar, sócio com José Augusto Nepomuceno do Acústica & Sônica, escritório que também assinou espaços como o novo Teatro Cultura Artística e a Sala São Paulo.

Para obter essa precisão sonora, torna-se imperativo o uso dos vinis, ao invés de mídias que comprimem o áudio. “Não adianta ter 3 milhões de reais em caixas de som e colocar um MP3 na ponta. Todos os elos da cadeia precisam ser analógicos. O Spotify é o arqui-inimigo da Formosa — não vamos ter nem pen drive”, afirma Facundo. Da marca francesa L-Acoustics, presente em festivais como o Tomorrowland, na Bélgica, e o anfiteatro The Hollywood Bowl, em Los Angeles, são dispostas vinte caixas, que permitem um som uniforme em todos os cantos.
O espaço tem ainda ripas de madeira forrando as paredes para auxiliar na acústica. “Você consegue conversar ao mesmo tempo que tem uma escuta refinada e uma sensação de escuta crítica que não agride seu ouvido”, promete Julio.

Todo esse processo, porém, não pretende deixar de lado a coquetelaria e a cozinha. O menu busca, de certa forma, recuperar uma ideia aventada na gestão do modernista Mário de Andrade no Departamento de Cultura da cidade, entre 1935 e 1937: montar um restaurante de culinária brasileira no Viaduto do Chá recém-reinaugurado.
O público provará receitas em que o Brasil encontra o mundo, como a cumbuca de boeuf bourguignon com pirão de leite e o pastel de angu recheado de queijo brie. Para bebericar, há chope e uma carta de drinques da bartender Michelly Rossi (Bar dos Arcos), clássicos e autorais, parte deles sem álcool. Uma das opções é o de vodca com infusão de chá oolong, vinho branco e cordial de cambuci, extraído da torneira.

O plano da Formosa Hi-Fi nasceu há quase uma década. Facundo queria criar a área de audição dentro de um bar-balada numa concessionária da Avenida Rebouças, mas o imóvel foi vendido. Em paralelo, o empresário vinha cobiçando a galeria, desejo facilitado após o local ser concedido ao consórcio Viva o Vale, formado por WTorre Entretenimento e Urbancom, junto do Vale do Anhangabaú, em 2021.
Acontece que a dupla Alê Youssef e Ale Natacci também tinha interesse em montar por lá uma nova versão da Casa do Baixo Augusta, centro cultural do bloco que operou no centro, entre 2017 e o início da pandemia. Conhecidos de longa data, os três resolveram se juntar para o projeto.

Na tarde do último dia 30, o som do bar foi testado pela primeira vez, na presença da reportagem de VEJA SÃO PAULO. Até esse instante, Facundo não saía de perto do aparelho de som. “Esperei quase dez anos para ouvir isso. Por isso estou tão excitado”, confessou. A voz de Elis Regina preencheu o salão com os versos do clássico Como Nossos Pais, gravado no disco Falso Brilhante (1976). Os sócios celebraram.
Coincidentemente, a Formosa Hi-Fi é inaugurada vinte anos após o surgimento do Vegas, casa de Facundo que abriu caminhos para transformar o Baixo Augusta em epicentro boêmio nos anos 2000, e do Studio SP, fundado por Youssef em 2005 na Vila Madalena e transferido em 2008 para a Augusta. “A gente se sentia desbravando o centro com esse tipo de empreendimento”, diz Youssef. “Precisamos de mais iniciativas como a Formosa, de ocupação do espaço público com preservação do patrimônio.”

Assim como os endereços anteriores, a ideia é que esse projeto desencadeie movimentos culturais nos arredores, inclusive por eles mesmos, como a ocupação da Praça Ramos de Azevedo, em frente à Fonte dos Desejos, para onde o bar se abre. “É mais um lugar para incentivar as pessoas a frequentarem a região”, acredita Natacci. Ao fim da faixa, ouviu-se Youssef declarar: “Agora, com a bênção da dona Elis, podemos começar os trabalhos!”. Veremos qual a história que será gravada nesse novo espaço paulistano dos discos. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 11 de julho de 2025, edição nº 2952