Onde comer e beber bem em Buenos Aires
Confira um roteiro de restaurantes na capital federal, parte deles avaliados pelo guia ‘Michelin’, recém-lançado na Argentina
Destino de muitos brasileiros — e bota paulistanos que não acabam mais nesse grupo de viajantes —, Buenos Aires continua uma das capitais mais encantadoras da América Latina. É atraente não só pela arquitetura de edifícios centenários e modernos, pelas belezas naturais e pelas ruas quase sempre planas que convidam a flanar, mas pelo câmbio para lá de favorável e, principalmente, por uma gastronomia vibrante.
Vale pegar o voo de duas horas e meia só para comer por lá. Com uma leva de chefs e restaurantes que fazem a culinária portenha pulsar, a capital federal argentina contava apenas com um guia on-line para avaliar seus endereços — nada semelhante acontece em São Paulo, com VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER.
Esse espaço para avaliações acaba de ser ampliado com o lançamento da primeira edição do guia francês Michelin no fim de 2023. Estive na cerimônia de lançamento do anuário publicado apenas em versão digital com o apoio do Ministério de Turismo e Esportes e do Instituto Nacional de Promoção Turística e que contemplou duas cidades com a avaliação de 71 restaurantes: 52 deles em Buenos Aires e dezenove em Mendoza, a meca vinícola do país.
Em uma rápida ida à capital, tive a oportunidade de visitar cinco endereços incluídos na seleção: Anafe, Aramburu, Don Julio, Marti e Roux. Também fui conhecer dois outros lugares que não estão na lista, mas são obrigatórios: o Las Flores e o Cochinchina.
Único no país a receber duas das três estrelas máximas do guia gastronômico, o Aramburu, na Recoleta, brilha pela culinária autoral do chef Gonzalo Aramburu, apresentada em um menu de dezoito etapas. A equipe de cozinha com dez pessoas comandadas pela diretora criativa Tatiana Czajkowski prepara maravilhas em pequenas porções que variam constantemente.
São exemplos os cannoli, um de abóbora com ovas de truta e esferas de alga e outro de papel de beterraba com escamas de couve-flor recheado de centolla, além de pratos como o risoto de batata, quinoa e pipoca de arroz selvagem com polvo defumado, o camarão cozido em pedras quentes e a molleja de coração assada lentamente e finalizada em fogo alto com yuzu na companhia de purê de beterraba branca.
Caso à parte, a harmonização com vinhos não poderia ser mais refinada. A molleja, por exemplo, vem com o elegante Montchenot 20 Años, tinto mendocino que faz lembrar grandes exemplares de bordeaux. Depois dessa etapa, deixa-se o salão que tem as mesas voltadas para o espetáculo que acontece na cozinha envidraçada.
As sobremesas são servidas no piso superior. Inesquecível, a esfera gelada de toranja com o amargor da fruta na medida justa vem na forma de um girassol.
Fenômeno de público com filas quilométricas todos os dias, nas quais o português é uma das línguas mais ouvidas, o Don Julio, em Palermo, não é mais do que uma boa churrascaria que cuida da proveniência de suas matérias-primas e onde se come um bife de chorizo de qualidade em peça alta e malpassada.
Aliás, a espera longa, que começa para o almoço por volta das 10 horas da manhã, é amenizada com miniempanadas e taças de espumante local. O sucesso não vem exatamente da recente premiação com uma estrela que chegou junto do novíssimo selo verde de sustentabilidade outorgados pelo Michelin, mas de estar em destaque nos rankings 50 Best — mundo (19º) e América Latina (3º) — e fazer muito barulho por isso.
Da seleção de sete bibs gourmands, que equivalem ao bom e barato do COMER & BEBER, encontra-se o Anafe, do casal Mica Najmanovich e Nico Arcucci. Mesmo quando a dupla de chefs e donos não está por lá, como na minha visita, tudo funciona bem na cozinha com seis jovens profissionais.
Nesse endereço descolado com um quê de Spot no bairro de Colegiales, nem pense em pular a sardinha curada com creme azedo, beterraba em gel e em picles, dill e cebola ou o carpaccio vietnamita de bife de chorizo tipo tataki ao molho oriental nuoc cham, pepino, amendoim, coentro e um delicioso toque doce de melancia.
Entre os 42 estabelecimentos recomendados pelo anuário, mas sem distinção especial, o Roux, na Recoleta, segue uma culinária que faz lembrar a clássica francesa, embora o chef Martin Rebaudino tenha estagiado em restaurantes como o basco Arzak, de Juan Mari Arzak, um dos papas da nova cozinha espanhola.
Com talheres de prata, copos de cristal e louça de qualidade, saboreia-se um menu degustação ou opções à la carte. São pratos em linda apresentação como o polvo espanhol grelhado com pimentão e azeite mais purê de batata ao vinho aligoté, gel de maracujá e toque de linguiça picante. Ponto extra: o atendimento gentilíssimo e à moda antiga.
Ainda entre os recomendados, o Marti, também na Recoleta, vai para outro extremo, que parece uma heresia em solo argentino. Sob o comando de Germán Martitegui, serve apenas pratos vegetarianos em torno de um balcão e em algumas mesas.
O cozinheiro, conhecido por sua participação como um dos jurados mais cruéis do MasterChef Argentina, afirmou com convicção sobre seu restaurante: “Não matamos animais”. A decisão veio depois de ter servido muitas carnes por pouco mais de uma década no extinto Tegui.
Uma de suas sugestões mais saborosas atende pelo nome de shawarma, receita árabe feita no restaurante com cogumelos cultivados em uma vitrine no próprio salão. Vale lembrar que Martitegui, um enfant terrible eterno, renunciou ao 50 Best em 2021, quando ainda existia o Tegui.
O Las Flores, em Palermo, não tem esse nome por acaso. Embora a fachada seja a de uma confeitaria, logo atrás desse primeiro e significativo espaço fica o restaurante-jardim, que faz deste endereço um dos mais agradáveis de Buenos Aires.
O lugar foi concebido para fugir de alguma forma da proposta dos portenhos de consumo em alta escala de carne e farinha de trigo. A carne permaneceu, mas o trigo foi banido — explica-se, a confeiteira Chula Galvez, mulher do chef Santiago Pérez, descobriu-se intolerante ao glúten e faz doces sem esse ingrediente como a ótima torta de tangerina com castanha-de-caju, cream cheese e chocolate branco. No salão repleto de verde, Pérez acerta em pedidas como o excelente ojo de bife em tiras ao chimichurri vermelhinho de pimenta em pó com ervas.
Um dos lugares mais bombados da capital federal e número 26 no The World’s 50 Best Bars 2023, o Cochinchina é obrigatório para quem ama cartas líquidas de alta qualidade. Os disputados lugares no balcão e as poucas mesas do bar aberto em 2020 pela bartender Inés De Los Santos recebem uma leva de clientes que consome de 700 a 1 000 coquetéis a cada noite.
São misturas que surpreendem como a aires de annecy (brandy, água de pepino, néctar de flor de sabugueiro, água tônica e capuchinha) e umami martíni (blend de três gins, um infusionado e filtrado em sal de cogumelos, outro repousado em algas kombu e hijiki e o terceiro clássico, tudo mesclado com vermutes dry e branco em ervas frescas, aromatizados com azeite de limão), que a própria criadora adora, mas não está no cardápio.
Até junho, os paulistanos poderão conhecer a coquetelaria de Inés, que se prepara para inaugurar um bar nos Jardins.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875
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