Vila Madalena começa a atrair restaurantes gourmets
Bairro famoso pelos botecos e pelo clima descontraído agora é a casa do AK Vila e do Marcelino Pan y Vino
Tomar uma cerveja de garrafa servida no isopor numa mesa de ferro, acompanhada de uma porção de pastéis ou de linguiça calabresa ao alcance da mão. Durante muito tempo, coisas desse tipo representavam o nirvana gastronômico dos frequentadores da Vila Madalena, bairro famoso por seu clima boêmio e informal. Algumas das atrações de seu simpático circuito de bares e restaurantes até poderiam ser tombadas, como os salgados típicos argentinos do Empanadas ou a feijoada da Lana, verdadeiros patrimônios culturais do pedaço e representação de um estilo de vida. Aos poucos, porém, essa turma vem ganhando a companhia de casas com cardápios e propostas bem mais ambiciosos.
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O interessante é que esse processo ocorre sem provocar nenhum estranhamento, num movimento que, sem os devidos cuidados de adaptação, poderia soar tão extravagante quanto uma tentativa da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) de executar “Maluco Beleza”, de Raul Seixas.
Um exemplo dessa nova era é o sucesso do AK Vila, que se mudou para lá em março, depois de três anos de atividades em Higienópolis, onde se chamava AK Delicatessen. Ficaram para trás alguns requintes, como toalhas de pano e taças de cristal, e o menu perdeu o antigo sotaque judaico para ganhar receitas sem fronteiras, como a lula à provençal na chapa.
“Sem essas mudanças, não daríamos certo por aqui”, afirma a chef e sócia Andrea Kaufmann. O circuito gourmet da região tem hoje pelo menos oito estabelecimentos, a maioria deles recém-chegados à vizinhança. Fazem parte da lista endereços como o árabe Saj e a cantina Pasquale, vencedora em sua categoria da última edição do especial “Comer & Beber” de VEJA SÃO PAULO. Esse empreendimento funcionou por dez anos em dois pontos em Pinheiros e se mudou para a Vila Madalena em maio.
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Uma das pioneiras nesse processo de transformação culinária, a chef Daniela França Pinto ousou ao inaugurar, há oito anos, o francês Lola Bistrot na Rua Purpurina. “As pessoas me chamavam de louca por tentar algo mais sofisticado”, conta. O negócio acabou dando certo e ela se animou a multiplicar os investimentos na área, inaugurando em janeiro o charmoso Marcelino Pan y Vino, que funciona a poucos metros da outra casa, na Rua Girassol.
Na paralela Harmonia, surgiu o ousado Rothko, que ganhou a clientela com sugestões como língua bovina coberta por tomates e enrolado de couve recheado de barriga de porco. Até os mais veteranos na vizinhança resolveram aproveitar a onda. Há cinco anos no bairro, o Banana Verde, especializado em culinária natural, passou a abrir para o jantar e a caprichar nas sugestões: risoto de arroz-vermelho e tortelli de camembert são algumas das opções.
Quem frequenta o bairro ou vive ali há mais de uma década sabe que nem sempre o cenário foi assim. Casas mais refinadas costumavam ter muitos problemas para se adaptar. Um dos casos de fracasso foi o do imponente Madelleine, aberto em janeiro de 2002 na Rua Girassol. O ambiente pomposo, aliado ao cardápio cheio de requintes, afastou a clientela, e o endereço acabou fechando depois de apenas dois anos de atividade.
“O gasto médio era o equivalente a 150 reais hoje, e o público do lugar não estava acostumado”, explica Bel Coelho, ex-chef da casa. Agora o cenário é bem diferente. “A Vila Madalena se tornou um foco de entretenimento há cerca de quinze anos”, diz Tadeu Masano, proprietário do restaurante Amadeus, nos Jardins, e diretor da empresa Geografia de Mercado, especializada na análise de viabilidade de pontos comerciais na cidade. “Hoje, os habitués mais antigos já ganharam um pouco mais de idade e de recheio na carteira.”