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Como a novela ‘I Love Paraisópolis’ movimenta a favela paulistana

Moradores se mobilizam para tentar lucrar com a exposição do local no horário nobre da TV

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 5 dez 2016, 12h23 - Publicado em 13 jun 2015, 00h00

De segunda a sábado, pouco antes das 19h30, Victor Kreutz liga a TV, sintoniza a Rede Globo e se divide entre o riso e o choro ao ouvir os primeiros acordes de A Cor do Brasil, tema de abertura de I Love Paraisópolis, novela das 7, no ar desde maio. “Foi como marcar um gol de virada na minha história”, define o garoto de 21 anos, compositor da música. O sonho de virar um pop star, alimentado desde a infância, sempre esteve longe de se concretizar. Desde 2005, Victor ganha a vida trabalhando na barraca de pastel de seu pai, em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade e a quinta do Brasil. É uma rotina dura. Toda semana, ele ajuda a preparar e vender mais de 1 000 unidades do salgado, em uma jornada de dez horas, de segunda a segunda. “Não recebo salário porque moro de favor com minha família. Nunca me faltou nada.”

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Em outubro, o rapaz com ar de galã soube que uma equipe da Globo planejava gravar uma novela por ali e fez um teste para figurante. Embora não tenha emplacado esse papel, saiu no lucro. Mostrou a um dos produtores da emissora sua canção e ela foi parar na abertura do folhetim ambientado no bairro. “Isso é bem melhor do que qualquer papel! Enfim, poderei viver de música!”, comemora. Em menos de um mês,o rapaz ganhou fã-clube com cerca de 1 000 admiradores, cobra cachê de até 2 000 reais por apresentação (faz pelo menos um show por semana) e planeja lançar logo o primeiro disco, aproveitando essa “onda de amor”.

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I Love Paraisópolis é uma das atrações mais vistas do Brasil hoje em dia. Na Grande São Paulo, tem média de 26 pontos de audiência, segundo dados do Ibope. Isso equivale a mais de 5 milhões de pessoas sintonizadas só aqui na cidade e 17,6 milhões no país. A história aposta numa fórmula batida, porém certeira: o romance de uma mocinha pobre e batalhadora com um mocinho rico, mas bem-intencionado. A atriz Bruna Marquezine, bombshell da emissora nos anos 2000, interpreta Marizete, moradora do pedaço, com muito orgulho. A favela é a outra protagonista do folhetim. O nome Paraisópolis surge na boca dos personagens pelo menos cinco vezes por capítulo, o galã-herói Benjamin (Maurício Destri), dono de uma empreiteira, trabalha na urbanização do local e a cidade cenográfica, no Projac, reproduzindo com detalhes as vielas do bairro paulistano, é a maior já feita nos cinquenta anos da Globo. “É inusitado como essa comunidade, que sobrevive por si só dentro da metrópole, ao mesmo tempo coexiste tão bem com o resto da cidade, especialmente com os vizinhos do Morumbi”, diz Mario Teixeira, um dos autores, ao lado de Alcides Nogueira.Os diretores da emissora se inspiraram na campanha “I love New York” para batizar a obra. “Os habitantes têm muito orgulho da maneira como trabalham, do lugar onde moram”, completa Teixeira.

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O preconceito contra as pessoas da área não é obra de ficção. Em folhetos dos estabelecimentos do lugar, como o do Pastel Delivery, na Rua Itapanhaú, só consta o telefone. “As pessoas cancelavam os pedidos ao saber nosso endereço. Já ouvi que aqui só tinha ratos”, explica Daniel dos Santos, dono da empresa, que faz entregas do Butantã à Vila Andrade. O ex-motoboy de 29 anos abriu o primeiro ponto em 2012. Expandiu sua rede e hoje possui três lojas, todas na favela. No total, fatura mais de 90 000 reais por mês. Ele nem pensa em sair de lá. “Nasci aqui, trabalho aqui e vou continuar morando aqui, não importa se ficar rico. Com a novela, as vendas seguem no mesmo patamar, mas passei a falar que estamos em Paraisópolis. Agora ouço dos clientes: ‘Nossa, que legal!’”, conta.

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A Pastel Delivery vai integrar um novo roteiro cultural da União dos Moradores e do Comércio: o guia gastronômico local, com mais de dez indicações. O passeio deverá ser lançado nos próximos meses. Em meio às vielas e construções de tijolo aparente, a maioria erguida pelos próprios habitantes, há achados surpreendentes de culinária. Exemplo disso é a Pizzaria WM, o “restaurante genérico” de Vilamar Rodrigues, na Rua Herbert Spencer, 25B. Durante oito anos, ele atuou na cozinha da 1900 Pizzeria. Em 2013, decidiu se tornar sócio do point na sua vizinhança e levou para lá sua expertise. No sabor, seus panini não fazem feio se comparados aos oferecidos nos Jardins e custam 5 reais. A sobremesa giro, espécie derosquinha recheada com sorvete, sai por 6reais. No “original”, vale 22,80 reais.

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A nova excursão deverá complementaro tour Paraisópolis das Artes, lançado em 2013. No roteiro, o visitante disposto a desembolsar 150 reais conhece artistas do local. A demanda pelo passeio quadruplicou no último mês. Antônio Ednaldo da Silva, o Berbela, ganhou projeção nacional ao ter suas obras mostradas na abertura da atração de TV. Antes, raramente fechava uma venda. Hoje, saem em média dez peças por semana (em torno de 200 reais cada uma). “O pessoal gosta do coração, o símbolo da novela”, diz. Além desse, há sete projetos culturais na área, e todos acabaram sendo beneficiados pela exposição no horário nobre. “Até 2014, fazíamos seis apresentações por ano. Só no último mês, foram dez”, diz Mônica Tarragó, idealizadora de uma escola de balé que atende 300 crianças carentes.

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Com os holofotes apontados para o vale do Morumbi, a União dos Moradores pretende acelerar as melhorias. Em parceria com a iniciativa privada, a partir de julho, a Rua Ernest Renan, onde ficamas Casas Bahia, deverá receber uma reforma nas calçadas e transformar-se em um ponto de varejo de toda a região, com direito a parklets e food trucks. Foi lançada ainda a campanha “Eu amo Paraisópolis”(em português mesmo), em que artistas pedem urbanização e monotrilho. Até o governador Geraldo Alckmin posou segurando o folheto com o slogan — e ainda garantiu a chegada do metrô por lá. Só não sabe quando. Existe um espaço reservado para a estação, mas quatro processos judiciais que questionam o traçado emperram o início das obras.

Em Paraisópolis há apenas duas ruas completamente urbanizadas (com calçamento, luz, água e esgoto): a Independência,onde ficam sete condomínios residenciais entregues no início de 2013 em parceria da prefeitura com a Companhiade Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), e a Hebe Camargo. Desse ponto até a Avenida Giovanni Gronchi (em uma área de 1 milhão de metros quadrados), há um emaranhado de ruas onde moram mais de 100 000 pessoas. Existe asfalto na maioria dos locais, mas os automóveis de todos os padrões circulam nos dois sentidos em um espaço de aproximadamente 3 metros de largura. Eles dividem esse território com pedestres, crianças em skate, senhoras papeando na porta de casa, cachorros, gatos, carroceiros, outros veículos estacionados, ciclistas e ambulantes de todo tipo. Sinalização? Algumas placas e só —assim como são raros os estabelecimentos com o aval da vigilância sanitária ou construções com a certidão de conclusão das obras (Habite-se).

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Quando chove, dezenas de famílias perdem tudo com as cheias do córrego local. A prefeitura afirma que investiu 73 milhões de reais em urbanização nos últimos anos. Mas os problemas persistem. A anarquia também rege a numeração das ruas, e os visitantes só se localizam com pontos de referência: perto dobanco Santander, das Casas Bahia, dorestaurante do Severino… “Gosto daqui,mas é difícil dirigir e receber freguesesde fora”, conta Marizete Silva, dona da maior doceria do pedaço, a Docelicakes. Aberta há três anos, ela faz entregas nos Jardins e no Itaim. “Se prosperar mais, penso em me mudar para a Vila Sônia”, conta a comerciante, mencionando um dos bairros vizinhos.

Muitas das jovens dali se identificam com a personagem de Bruna Marquezine. “Somos batalhadoras, vaidosas e acreditamos no amor”, diz Marília Villar, ou Mari, como é chamada por lá. Há um mês, ela e três amigas abriram o charmoso I Love Potato & Panqueca, batizado com inspiração na novela.“Com ele, pretendo pagar minhas dívidas”, sonha. Nos últimos cinco anos, seu rombo no banco saltou de 4 000 para 13 000 reais. “Perdi meu emprego, vendia brigadeiros na rua para sustentar a mim e aos meus dois filhos, mas o dinheiro não dava.” Não é um pesadelo exclusivo de Mari. Um em cada três moradores de Paraisópolis está com o nome sujo, segundo um estudo do SerasaConsumidor. “Por terem um orçamento curto, esses cidadãos possuem dificuldades na hora de pagar as contas”, diz Júlio Leandro, superintendente da empresa responsável pela pesquisa.

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O problema da insegurança é outrotraço presente na vida do bairro. “Pelo menos duas vezes por semana, há baile funk com pancadaria e até morte. É gente de fora que vem para cá fazer bagunça”, reclama o músico Felipe Mota. A delegacia do Jardim Taboão, responsável pela área, registrou entre janeiro e abril um total de 578 roubos no local, um índice significativo na metrópole. Por incrível que pareça, o cenário vem melhorando, de acordo com as estatísticas oficiais. O responsável pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, conta que houve um reforço no policiamento na região desde o ano passado, e a criminalidade caiu 20%. “No segundo semestre, vamos instalar uma base comunitária no local”, promete.

Ironicamente, Paraisópolis ganhou essa denominação graças a um loteamentode luxo em 1921. O empreendimento não vingou e, décadas depois, já nos anos 50, trabalhadores da construção civil, a maioria migrantes do Nordeste, e seus familiares ocuparam o local. Eram mão de obra do Hospital Albert Einstein, de mansões e de condomínios no Morumbi. Na década de 70, havia aproximadamente 20 000 pessoas instaladas naquela periferia.Vários governos tentaram dar um fim à invasão, mas constataram ser impossível desapropriar tanta gente. Mesmo em meio às dificuldades, os moradores procuram manter o otimismo. “Meu pavor era não conseguir cuidar da minha família”, conta Nilzete Araújo, 46 anos, agente comunitária desempregada. Seus quatro filhos cresceram, trabalham e sustentam a casa. Ela mora em um apartamento de 40 metros quadrados com as caçulas Daniela, 18, e Gabriela, 22 (por sinal, duas beldades que já ostentaram a faixa do concurso Miss Paraisópolis). A renda familiar de 2 000 reais é suficiente para pagar as contas e manter o apartamento impecável (as paredes do quarto da agente, por exemplo, são pintadas de verde, em contraste com a cabeceira da cama, rosa ,decorada com espelhos e bibelôs milimetricamente colocados). A virada de Paraisópolis se reflete diretamente nelas. Solista da orquestra filarmônica da favela, Gabriela recentemente fez um teste de atriz na Globo e passou. Agora espera ser chamada para um papel e tentara sorte no Rio. “Chegou a nossa vez, estamos no paraíso!”, brinca.

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A vida como ela é

Números e curiosidades da região retratada no programa

1 milhão de metros quadrados é a área de Paraisópolis, na Subprefeitura do Campo Limpo, Zona Sul. É a segunda maior favela de São Paulo e a quinta do Brasil

49 lojas e restaurantes estão na Rua Independência, uma das poucas urbanizadas, chamada pelos moradores de Avenida Paulista. Ali há pub, sushi-bar e adega

578 roubos foram registrados entre janeiro e abril na delegacia do Jardim Taboão, que atende a Paraisópolis

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1100 reais é a renda média mensal de cada habitante de Paraisópolis. Os vizinhos da Vila Andrade ganham em torno de 3 400 reais

70% das compras do dia a dia são feitas no local. A União dos Moradores pretende lançar em 2015 uma moeda para circular por ali, que será batizada de nova paraisópolis. Deverá valer menos de 1 real e ter mais poder de aquisição

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