Agora também temos favela tour em Paraisópolis
A ideia, adaptada do Rio de Janeiro, estreia por aqui. Estrangeiros pagam 150 reais para conhecer a comunidade
Vou fechar a corrida e o resto do caminho vocês fazem a pé”, sentenciou o taxista. Ele levava três mulheres de um hotel da região da Avenida Paulista até a Rua Ernest Renan. Resolveu encerrar o serviço ao perceber que o endereço de destino era uma das vias mais movimentadas de Paraisópolis, favela de cerca de 80 000 habitantes, localizada na região do Morumbi. Munidas de protetor solar, bolsa e disposição, as passageiras tiveram de subir 1 quilômetro da via íngreme até a sede da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, um centro de atividades culturais e sociais do pedaço. Os dois bares vizinhos a esse local estavam com pequenas filas de clientes esperando sua vez de jogar em máquinas caça-níqueis. Eram 9h30 da manhã do último sábado (7). Nada disso parecia tirar o entusiasmo das inglesas Karen Young e Gilli Hobbs e da brasileira Denise Leitão Bell, que foram à favela na condição de turistas. Elas trabalham na Building Research Establishment (BRE), empresa sediada em Watford, a 32 quilômetros de Londres, especializada em prestar consultoria a regiões carentes. “Já conheço comunidades pobres da China e da Nigéria”, revelou Karen. “Eu me sinto segura nesses lugares.” Cada uma delas desembolsou 150 reais pelo “Paraisópolis das Artes”, como é chamado o tour criado em setembro com o objetivo de mostrar a realidade e a rotina do local.
+ Em vídeo: confira tour por Paraisópolis
Passeios do tipo começaram a ser explorados na cidade do Rio de Janeiro, em lugares como a Rocinha. Os responsáveis pelo primeiro favela tour paulistano dizem que o serviço daqui é um pouco diferente, com ênfase em aspectos culturais. “Ao contrário dos cariocas, não colocamos gringo em uma van para subir morro, tirar foto e ir embora”, explicou o guia Higo Carvalho, de 22 anos, estiloso com seus óculos de sol Wayfarer Ray-Ban e tênis Adidas. “Valorizamos os artistas locais e andamos pelo bairro a pé.” O guia deu conta das visitantes estrangeiras com a ajuda de mímica e de um inglês macarrônico. “Farei um curso para melhorar essa situação”, contou. Mas se orgulhava de “hablar muy bien” espanhol. “Convivi com um amigo argentino por um ano.” O guia compensa a barreira linguística com um ótimo conhecimento das quebradas do bairro. Por questões de segurança, só faz passeios com no máximo dez pessoas.
A primeira parada ocorreu na oficina de Antônio Edinaldo da Silva, o Berbela. O mecânico virou artista depois de improvisar uma bicicleta para o seu filho. “Não tinha grana para comprar um modelo novo”, justifica. Berbela cria objetos como mesas, cadeiras, bebedouros a partir de ferro, molas e correntes. Tudo está à venda: de um pássaro em miniatura, por 60 reais, a uma bicicleta com 16 000 lâmpadas de LED, por 150 000 reais. Mas suas obras não têm tanta saída com os turistas estrangeiros. “Como são pesadas, fica difícil para a turma carregar no avião”, lamenta. Logo em frente ao comércio, há um campo de futebol. Alambrado pintado e grama aparada. Tudo nos trinques. As turistas já iam sacando a câmera quando foram alertadas de que era melhor não registrar nada por ali. Traficantes atuam nas redondezas, e, em outra visita, um deles exigiu que uma gringa apagasse as fotos de seu iPhone. Além da questão da segurança, chamou atenção das estrangeiras o descarte de lixo, muitas vezes feito em terrenos baldios ou mesmo em caçambas específicas, porém insuficientes. “Na Nigéria, a situação é pior. Aqui a sujeira está concentrada e não espalhada pelo bairro todo”, comparou a inglesa Gilli. “Se reciclassem restos de entulho ou de plástico, as pessoas daqui ganhariam dinheiro com o lixo.”
Depois do mecânico Berbela, a caravana seguiu para o complexo de prédios que fazem parte do projeto de urbanização de Paraisópolis. Trata-se de uma parceria entre os governos federal, estadual e municipal, que já investiram mais de 460 milhões de reais na região. “Estão prontos 1 000 apartamentos e outros 1 300 devem ser entregues até 2016”, promete José Floriano de Azevedo Marques Neto, secretário municipal de Habitação. As obras chamaram a atenção dos visitantes por outro motivo. “Eu me surpreendi com as grades que separam os edifícios do restante do bairro”, analisou Denise Leitão Bell, que é urbanista e está radicada na Inglaterra desde 2006. “É como se criassem uma elite local.” As unidades têm garagem para carro e salão de festas. Nos arredores, os postes de luz exibem cartazes que oferecem passeios à Praia Grande, no Litoral Sul, por 45 reais.
O programa de melhorias também incluiu a pavimentação de calçadas, a canalização de córregos e a construção de vias. A Avenida Hebe Camargo, já em funcionamento, tem pouco movimento de veículos. “Faltam placas para ser colocadas, mas não vou negar que alguns têm preconceito de passar com seu carro aqui pela comunidade”, justificou o guia. Ainda que o projeto de urbanização tenha transformado parte do bairro em um canteiro de obras, há muito por fazer. A presença de fiação elétrica irregular e de barracos de madeira aumenta o risco de incêndios, como o ocorrido na última terça (10). As labaredas destruíram a moradia de 300 famílias.
O principal ponto do passeio é a casa do artista plástico Estevão Conceição. Ele começou a erguer sua residência há 28 anos utilizando estruturas de ferro decoradas com tudo quanto é tipo de objeto encontrado pela frente, como pratos, xícaras, tampas de garrafa, talheres, quadros e pedras. Os objetos foram ordenados com um primoroso senso estético. “Sou comparado ao Gaudí”, diz ele, que já foi convidado pelo governo espanhol para conhecer in loco o trabalho do famoso arquiteto catalão. Sua mulher, a dona de casa Edilene, queixa-se apenas de uma coisa: “Todo o dinheiro que meu marido ganha como jardineiro de um condomínio é investido na compra de peças em feiras e bazares”. O Gaudí de Paraisópolis quer construir mais dois pavimentos em sua casa, hoje com três.
Artistas como Estevão Conceição recebem 15 reais por visitante do tour. O restante do dinheiro é dividido entre o guia Higo Carvalho e Sylvia Facciolla, do escritório Alfaiataria de Negócios, que faz as reservas e as tratativas com os turistas estrangeiros. Em dois meses, mais de 100 pessoas participaram do programa, sendo 80% delas de fora do país. Um serviço concorrente é feito pela agência Around SP. Ela organiza há três anos visitas aos artistas de lá, mas sem percorrer a favela. O passeio para uma pessoa custa 380 reais e inclui traslados.
Quem vive no local entende que esse tipo de iniciativa é uma boa forma de fazer com que as pessoas conheçam uma outra Paraisópolis. Um dos pontos que chamam atenção é a força do comércio da região, onde prosperam negócios como a agência de viagens Vai Voando, aberta há seis meses. “Já vendi 597 passagens de avião”, comemora o gerente Geraldo Adelson. A maioria dos clientes procura o serviço querendo bilhetes para ir ao Nordeste visitar a família. “Os interessados podem comprar com o nome sujo ou sem conta em banco, pois o pagamento é feito por meio de boleto bancário, em até doze parcelas”, explica Adelson. Em geral, a favela só vira notícia quando há confusão. Em uma das mais recentes, ocorrida em agosto, um grupo de pessoas fechou a Avenida Giovanni Gronchi para pedir moradias. “As visitas servem para mostrar que temos orgulho do nosso pedaço”, afirma Gilson Rodrigues, de 29 anos, presidente da associação de moradores. “Para ajudar a acabar com a imagem ruim, queremos mudar o nome do bairro para Nova Paraisópolis.”
› Paraisópolis das Artes. Os passeios ocorrem às terças, quintas e sábados. 150 reais por pessoa. Tel: (11) 3501-3275
› Around SP. Inclui visita à casa de artistas e os traslados. 380 reais (visita individual) ou 175 reais por pessoa (para grupo com quatro turistas). Tel: (11) 2361-6821