Paulistanos transformam cervejas caseiras em marcas de sucesso
Rótulos nascidos em microcervejarias da cidade vêm ganhando espaço em restaurantes e mercados
Durante mais de dois anos, a casa do designer gráfico David Michelsohn se transformou em uma espécie de laboratório. Galões fermentadores, agitadores de levedura e outros apetrechos ocupavam boa parte do sobrado em Pinheiros. Foram mais de dez testes, em lotes singelos de 20 litros cada um, até obter a receita ideal de cerveja. O passatempo dos fins de semana virou profissão. Em 2013, ao lado dos irmãos Alexandre e Rafael, ele lançou comercialmente o rótulo, batizado de Júpiter. “Nossa produção mensal saltou para 12 500 litros”, estima Michelsohn. Atualmente, as onze variedades do portfólio chegam a cerca de 200 pontos de venda na cidade. O negócio rende à turma aproximadamente 150 000 reais por mês.
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Das mais de sessenta microcervejarias existentes no estado, cerca de vinte nasceram na metrópole. Uma das pioneiras da safra local foi a Urbana, conhecida entre os bebedores por seus rótulos irreverentes, como Gordelícia e Refrescadô de Safadeza. O autor das fórmulas dessas e das outras dezesseis variedades lançadas, André Cancegliero, começou tudo em 2008, no apartamento onde mora, na Vila Mascote. “Eu moía na varanda, fabricava na cozinha e usava um dos quartos como estoque”, lembra. Em 2011, abandonou a carreira de analista em um banco para se dedicar integralmente à empreitada.
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Hoje, ao lado da Júpiter, a Urbana é uma das cervejas do tipo com mais presença nas gôndolas daqui. Ambas são vendidas no restaurante D.O.M., de Alex Atala, e no shopping gastronômico Eataly. Elas e suas concorrentes podem ser encontradas também em lojas especializadas, como o Empório Alto dos Pinheiros, e em alguns mercados, a exemplo da rede St Marche.
A transformação do negócio de fundo de quintal em uma operação maior costuma ser viabilizada em um esquema de “barriga de aluguel etílica”. Como montar uma fábrica própria custa pelo menos 1,5 milhão de reais, muitas microcervejarias usam máquinas de terceiros. Assim, o custo do trabalho industrial despenca consideravelmente. Para produzir um lote de 2 500 litros, por exemplo, pagase um valor entre 30 000 reais e 50 000 reais. Na Europa e nos Estados Unidos, onde isso é bastante comum, as empresas que recorrem a esse expediente são conhecidas como “ciganas”.
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O empresário paulistano Aloisio Xerfan foi pelo caminho mais caro — e está colhendo bons frutos. À frente da Blondine, ele administra atualmente uma carta com dezesseis rótulos próprios. Começou no esquema “cigano” em 2010 e, há um ano e meio, investiu 4,5 milhões de reais para construir uma oficina supermoderna, em Itupeva, a 70 quilômetros de São Paulo (as cervejarias são proibidas por lei de operar no perímetro urbano da capital). Até 2017, planeja fazer um novo aporte, de 3,5 milhões de reais, para comprar mais tanques.
Metade da capacidade produtiva (atualmente de 300 000 litros) é dedicada à terceirização. “Esse braço representa 30% do faturamento”, calcula Xerfan. Em 2015, a previsão de receita é de 7 milhões de reais, o dobro da obtida no ano passado. Próxima da metrópole e bem equipada, a Blondine se tornou a queridinha dos “ciganos”. Marcas como Júpiter, Urbana, Dogma, Tarantino e Juan Caloto nascem ali, sob a supervisão do cervejeiro Victor Marinho, que adapta as receitas para a escala industrial.
Em comum, as marcas têm o investimento em rótulos de india pale ale, um tipo de cerveja bastante encorpado. Na última semana, em um teste às cegas realizado por VEJA SÃO PAULO com um time de quatro especialistas, a Hop Lover Imperial IPA, da Serra de Três Pontas (que passou recentemente a se chamar Dogma, depois de uma fusão com outras duas empresas), sagrou-se a campeã da categoria entre cinco paulistanas do gênero. “É cítrica, fresca e muito equilibrada”, elogiou Kathia Zanatta, sócia e professora do Instituto da Cerveja. Outros rótulos vêm ganhando destaque em competições nacionais. Exemplo disso é a Júpiter Meia-Noite, eleita em março a melhor do estilo robust porter no Festival Brasileiro da Cerveja, na cidade de Blumenau, em Santa Catarina.
Um dos principais desafios enfrentados pelas micros desse setor é a alta carga tributária. “Chega a responder por 60% do preço final”, estima Jorge Gitzler, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal. Nem com a oscilação do dólar, que faz subir os preços das importadas, as paulistanas levaram vantagem competitiva, já que a maior parte dos insumos ainda vem de fora do país. Uma garrafa de 310 mililitros costuma sair por algo entre 10 e 25 reais. Uma nova regra fixada em maio elevou ainda mais a taxação sobre esses produtos. Com isso, os valores sofreram um reajuste de 20%, em média.
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Há possibilidade de alívio nos custos em um horizonte próximo. Na última terça (1º), a Câmara dos Deputados aprovou a inclusão das microcervejarias no regime de tributação Supersimples. Se passar também no Senado, a proposta fará com que os encargos fiscais sejam reduzidos pela metade.
A maioria dos produtores diz que vai repassar isso para o bolso dos consumidores. “Baixaremos nossos preços”, promete Pedro Campos, sócio da Brasiliana, sem especificar qual seria o porcentual de redução. Surgida em julho pelas mãos dele e de outros três profissionais do mercado financeiro de São Paulo, a companhia tem dois rótulos. As fórmulas levam ingredientes típicos brasileiros, como a jabuticaba. “Estamos investindo em um negócio com muito potencial de crescimento”, acredita Campos.
O TIME DE JURADOS
› Carol Oda, sommelière da Cia.Tradicional de Comércio, grupo dono do Ici Brasserie, entre outros restaurantes› Kathia Zanatta, sócia e professora do Instituto da Cerveja› Paulo Almeida, proprietário do Empório Alto dos Pinheiros› Saulo Yassuda, crítico de bares de VEJA SÃO PAULO
* Preços cotados no Empório Alto dos Pinheiros