No marco dos 22 anos, hotel Unique inaugura nova ala tecnológica
Projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake (1938-2021), o prédio icônico acaba de passar por reformas nos quartos, fazendo com que o hóspede se sinta no Japão
Quem chega ao hotel Unique e atravessa a porta de 7,5 metros de altura feita de fibra de carbono, uma obra de arte, entra em um universo fascinante. Por trás da fachada revestida de cobre envelhecido, o amplo lobby é banhado pela luz natural que adentra pelas imensas paredes de vidro e pelo vão de 25 metros, altura do edifício de oito pavimentos em formato de arco invertido, concebido por Ruy Ohtake (1938-2021), um dos maiores nomes da arquitetura contemporânea, que também desenhou o Unique Garden, em Mairiporã.
Nos fundos, o bar The Wall — batizado em homenagem à banda Pink Floyd — chama atenção por sua enorme prateleira de bebidas e pelas luminárias futuristas Flying Disk, do designer alemão Ingo Maurer (1932-2019). Dividem atenção com elas esculturas barrocas da Escola de Aleijadinho. Ao lado, confortáveis cadeiras de estofado vermelho criadas pelo arquiteto italiano Gaetano Pesce convidam para uma leitura na biblioteca.
O mobiliário mistura ainda peças de diferentes estilos como o sofá Boa, dos Irmãos Campana, e lustres assinados. Sem falar no grande São Jorge de madeira na entrada, enfrentando o dragão criado pelo artista contemporâneo grego Nicolas Vlavianos, em mais um diálogo entre o atual e o antigo.
É só a primeira de muitas impressões que o hóspede terá durante uma estadia no hotel. Inaugurado em 2002, o Unique trouxe inovações como uma recepção sem balcão — o hóspede faz o check-in sentado em poltronas Luiz XV diante de uma mesa de design arrojado, recepcionado com champanhe e os clássicos Dadinhos, doce de amendoim tipicamente paulistano.
“É um lugar único, a começar pela arquitetura espetacular do Ruy, tão surpreendente do lado de fora quanto do lado de dentro. O interior traz o detalhe absolutamente fascinante de ter os corredores e elevadores escuros. Depois de percorrê-los, ao entrar no quarto, a gente depara com a luz abundante entrando pelas janelas redondas”, ressalta o músico e escritor Tony Bellotto, paulistano radicado no Rio e cliente assíduo do hotel.
“A ideia é que o hóspede vá se desligando do barulho da cidade e entrando em um novo universo”, resume João Armentano, responsável pelo projeto de interiores. Mesmo na vanguarda, o Unique preferiu não se acomodar e, para se manter relevante no concorrido cenário hoteleiro da capital, passa por sua primeira grande renovação. “Assim como no primeiro projeto, a ideia é valorizar essa belíssima joia criada pelo Ruy, com foco ainda maior nas linhas puras, luzes e curvas”, explica Armentano, escalado para tocar a remodelação.
Depois de a equipe do hotel passar três anos estudando a melhor forma de se atualizar sem perder a essência, o Unique acaba de lançar uma nova ala com trinta de seus noventa quartos reformulados. A reforma mexeu nos corredores, que trouxe tons de azul ao carpete e concreto para as paredes, mas as maiores modificações foram nas habitações, que ganharam decoração mais arejada, em tons de areia e tecnologia de ponta.
Ao entrar no quarto e inserir a chave, o hóspede é imediatamente ambientado num cenário de boas-vindas através de um sistema de automação com controle integrado de som, iluminação, TV, cortina e ar-condicionado. A luz e música variam em intensidade e volume de acordo com o horário, por exemplo.
Um sensor noturno aciona luzes de conforto no piso para guiar o cliente até o banheiro durante a noite. Somam-se a isso espelhos com desembaçador e boxes com vidros inteligentes para controle de privacidade — uma película de cristal líquido permite que fiquem foscos ou transparentes.
Tamanha modernidade mesclada a detalhes como uma banheira vitoriana no meio do quarto, móveis de design brasileiro, como as icônicas poltronas Jangada, de Jean Gilon (na suíte 401), Presidencial, de Jorge Zalszupin (309 e 310), ou a Xibô, de Sergio Rodrigues (no 204). “São peças atemporais, assim como a arquitetura do Ruy”, justifica Armentano, que também selecionou para a decoração peças como quadros de Edgar Racy e esculturas de cerâmica feitas pela etnia waurá no Xingu, em Mato Grosso, por exemplo.
Divididos em seis categorias, incluindo a recém-criada Mayfair, os quartos variam de 30 a 100 metros quadrados e as diárias partem de 3 300 reais. Além de conforto e bom gosto, a hospitalidade do Unique se apoia em pilares como música (a trilha é criada pelo proprietário, Jonas Siaulys), gastronomia, arquitetura e arte, mas boa parte do sucesso está em seu capital humano, com muitos funcionários ultrapassando os dez anos de casa.
Esse aspecto do negócio ganhou dimensão ainda maior na gestão de Wellington Melo, que começou como ajudante de garçom na inauguração do hotel, galgou degraus na área de alimentos e bebidas, se especializou e hoje é o diretor-geral. “Adotamos uma gestão mais horizontalizada, dando voz ao time da linha de frente, que na presente reforma palpitou, por exemplo, em aspectos importantes como posicionamento de tomadas e tamanho das mesas nas acomodações”, exemplifica. “E criamos um departamento de desenvolvimento humano, que oferece a oportunidade de colaboradores crescerem na carreira através de programas de formação de lideranças”, continua.
Os resultados são sentidos pelos hóspedes. “Você chega e te tratam pelo nome. O serviço sempre acerta, há uma relação de muito afeto com todo o time”, corrobora Marcos Pereira, proprietário da editora Sextante, que calcula já ter passado duzentas noites no Unique desde 2008, quase sempre no quarto Paulista, seu preferido. A última foi há duas semanas, durante uma passagem pela capital para celebrar o aniversário da sua mãe.
Hostess sênior do Skye, no rooftop, Fátima Ventura carrega uma legião de fãs. Diariamente, das 7h às 15h20, ela recebe todos que adentram o salão para o café da manhã ou o almoço com um largo sorriso no rosto. Fátima olha no seu olho, pergunta seu nome e, em poucos minutos, te cativa. No ramo há 25 anos, chegou ao Unique há quinze, convidada pelo chef Emmanuel Bassoleil, com quem trabalhou no extinto Bar Azucar e Azur.
“Como anfitriã, entendo que o cliente quer ter a liberdade de escolha e não ser moldado. Eles sinalizam e eu faço sugestões. Ofereço o que eles desejam”, conta ela, sempre calorosa. “Buscamos a proximidade com o hóspede. As pessoas vivenciam o hotel como um marco arquitetônico, mas sempre saem elogiando a equipe. Isso acontece porque valorizamos a individualidade. Temos padrões de serviço, mas incentivamos que os colaboradores tragam sua personalidade. Não usamos crachá, deixamos que elas se apresentem e troquem com o hóspede. O sorriso é sempre verdadeiro”, afirma a head de operações Fabiola Carezzato, que entrou como estagiária e hoje lidera 110 pessoas.
O nível de detalhe do serviço oferecido chega ao conhecimento sobre o lado da cama que hóspede dorme, para colocar o chinelo, a temperatura do ar preferida ou o tamanho do travesseiro. Ao longo dos anos, o Unique já recebeu celebridades de perfis tão diversos como príncipe Harry e Britney Spears, de Mark Zuckerberg a Xuxa ou a banda Aerosmith. Seja para se hospedar, seja para se divertir no Skye, misto de bar e restaurante que recebe clientes externos num dos terraços mais badalados da cidade, seja como convidado de um dos muitos eventos — mais de 200 por ano — que organizam.
E pensar que o empresário Vitor Siaulys, pai de Jonas, cogitou erguer no terreno no número 4700 da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, no Jardim Paulista, um shopping center. Felizmente, Siaulys mudou de ideia e legou a São Paulo uma de suas mais icônicas obras arquitetônicas. “O Unique é, talvez, a mais relevante obra de sua carreira em termos de reconhecimento internacional, isso num momento em que ele já tinha construído cerca de 300 obras”, afirma o arquiteto Rodrigo Ohtake, filho de Ruy.
Segundo ele, o arquiteto soube muito bem dosar ousadia e elementos urbanísticos no projeto. O arco invertido, por exemplo, foi pensado para que mais apartamentos tivessem vista para o Ibirapuera. Ele ressalta também a plasticidade no uso do concreto, como a parede inclinada que mais parece um lençol esvoaçante na fachada. “Apesar de seus 22 anos, a construção se mantém muito contemporânea.”
Com mais de 150 obras só na capital, a exemplo do Instituto Tomie Ohtake, que leva o nome de sua mãe, a grande artista plástica, Ruy Ohtake é uma referência urbanística para os paulistanos que usufruem de seu trabalho e para toda uma geração de arquitetos que veio depois dele. “Tive a oportunidade de conhecê-lo com mais profundidade em uma viagem que fizemos juntos a Basel, na Suíça, e me apaixonei definitivamente, não só pela carreira, mas pela pessoa. Sem dúvida uma das mais elegantes e humildes que conheci. Entre seus muitos legados eu destaco o experimentalismo formal, geométrico, dentro de um modernismo que poderia ser muito chato. Suas cores e formas são reflexo de um modernismo autenticamente brasileiro”, diz o arquiteto Guto Requena, que cita o Centro Cultural Jacareí, o Condomínio Residencial em Heliópolis e a Embaixada do Brasil em Tóquio como ícones dessas características.
À frente do escritório Ohtake, Rodrigo pretende continuar o legado do pai, com quem trabalhou por dez anos. “Seguir toda a filosofia ohtakiana de nos manter atualizados, olhando para o futuro, sem perder de vista a principal função da arquitetura: promover espaços para a melhor convivência das pessoas.”
Publicado em VEJA São Paulo de 3 de maio de 2024, edição nº 2891