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“A gente só quer ter a nossa região representada”, diz Gaby Amarantos

Indicada ao Grammy Latino 2023, a multiartista paraense celebra o tecnobrega como um canal de afirmação da cultura nortista

Por Tomás Novaes
13 out 2023, 02h00
GABY-AMARANTOS-ENTREVISTA
Cantora, atriz e apresentadora paraense: a multiartista Gaby Amarantos. (Rodolfo Magalhães/Divulgação)
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“As pessoas me veem como cantora, apresentadora e atriz e pensam que têm grandes investidores por trás da minha carreira. Eu sou uma artista independente”, afirma Gaby Amarantos, 45.

Com mais de duas décadas de carreira, a paraense recebeu, no último mês, sua terceira indicação ao Grammy Latino, pelo disco TecnoShow (2022).

O álbum resgata os maiores êxitos do tecnobrega — gênero de Belém que mescla a música brega com batidas eletrônicas, muitas vezes em versões aportuguesadas de hits internacionais —, alçados ao sucesso pela banda de mesmo nome, liderada pela vocalista entre 2002 e 2010.

Em carreira-solo desde então, seu maior compromisso é difundir a música pop da Amazônia: de atriz em novela a apresentadora de televisão, Amarantos reivindica a sua cultura em todos os espaços.

A próxima conquista acontece neste sábado (14), quando estreia no palco da Sala São Paulo, ao lado da baiana Xênia França, acompanhadas pela Brasil Jazz Sinfônica. “Hoje ainda moro em Belém, mas tenho uma base aqui em São Paulo. É um ato político estar aqui e fazer a minha arte do Norte”, diz.

Qual a importância de lançar os sucessos da sua banda nas plataformas digitais, com o disco TecnoShow (2022)?

É um momento muito importante para o tecnobrega ser finalmente reconhecido como mais um estilo de música da periferia brasileira. Temos o funk muito forte nesse lugar, além do pagode, o rap e o trap, mas o tecnobrega também faz parte dessa família. É música preta produzida na Amazônia. E ter isso nas plataformas é legalizar esse movimento de mais de 25 anos, mas só agora com as músicas autorizadas pelos autores internacionais.

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Com esse trabalho, você recebeu sua terceira indicação ao Grammy Latino — as duas primeiras foram em 2012, com o seu disco de estreia, Treme. É especial ter esse reconhecimento mais uma vez, onze anos depois?

Já posso pedir música no Fantástico, né? (risos) A gente lançou TecnoShow muito despretensiosamente, porque a intenção era legalizar o tecnobrega e comemorar os dez anos de carreira nacional. Fui pega de surpresa com a indicação, fiquei muito feliz. Isso traz para a música e a sociedade brasileira uma discussão: se não tem Norte, não é Brasil. Não dá mais para ter festival, premiação e cerimônia sem música brasileira do Pará. Estamos vindo forte com esse pop da Amazônia, que é precursor. Hoje vemos tantas artistas maravilhosas, mas, se a gente for pensar no meu primeiro álbum, essa cena pop nem existia no Brasil. Sinto que tive que pavimentar e capinar a minha estrada e agora estou desfilando por ela.

“Se não tem Norte, não é Brasil. Não dá mais para ter festival, premiação e cerimônia sem música brasileira do Pará”

Seu disco foi indicado na categoria de melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa. Isso define bem o tecnobrega?

É importante entender a música da Amazônia como raiz do Brasil, mas ela também é futurista, pop, moderna, ampla e diversa. Nós, brasileiros, temos muito para conhecer e aprender sobre essa cultura. Essa indicação é um grande divisor de águas, porque, em 2025, teremos a COP-30 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas) em Belém. O mundo precisa conhecer esse outro Brasil, que não é novo, mas que está no momento de brilhar no seu esplendor máximo.

Você comentou sobre a COP-30 e, neste momento, a Região Amazônica está passando por uma seca grave. Difundir a música popular do Norte é uma maneira de chamar a atenção para as questões ambientais?

Quando a gente fala da Amazônia aqui no Sudeste, parece que ela está lá longe, distante. A floresta está aqui, quando respiramos, quando tomamos uma cachaça de jambu, quando consumimos uma comida do Pará ou ouvimos a minha música. Esta seca absurda é proveniente do desmatamento, de tudo isso que vamos discutir na COP. Diversos estados na Região Norte e pessoas com que convivo foram afetados. E não é só na Amazônia. Por que passamos dias de extremo calor aqui em São Paulo, duas semanas atrás? Por que a gente vive essas ondas, sem conseguir prever o tempo? Não temos mais controle sobre a natureza, estamos totalmente desconectados. Então eu trago a proposta de as pessoas se conectarem com a floresta através da música.

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No último dia 22, você denunciou nas redes que a rádio Novabrasil FM, aqui em São Paulo, teria se recusado a tocar uma música do seu último disco após uma entrevista. Como aconteceu isso?

Fui convidada a participar de um programa gravado e, por conta disso, fiz também uma entrevista ao vivo. No intervalo entre os dois, o produtor (da rádio) entrou na sala e falou assim: “Nós gostaríamos que você sugerisse uma faixa do seu repertório” e me impôs uma música. Então eu disse que gostaria que tocassem uma do meu álbum novo, que está nomeado ao Grammy. Ele falou: “É, a gente sabe, mas achamos que o nosso público é mais elevado, diferenciado, talvez a música Tic Tac do Meu Coração (regravação de clássico de Carmen Miranda) tenha mais a ver”. Fiquei constrangida na hora, mas a gente passa por esses preconceitos e às vezes nem realiza no momento, né? Quando cheguei em casa, fui perceber o que tinha acontecido, então fiz o vídeo. Aí a minha música começou a tocar na programação, não só dessa, mas de outras rádios.

Que discussões você gostaria de suscitar a partir desse episódio?

A gente só quer ter a nossa região representada, sabe? É muito chato ser a pessoa que fica o tempo inteiro gritando, pedindo para as pessoas abrirem esse espaço. Já era para estarmos mais avançados, é um racismo muito regional, de invisibilidade do Norte. Resolvi, a partir desse episódio, não deixar mais isso acontecer. Não vai mais passar batido. Vou seguir expondo e provocando reflexões, não dá mais para invisibilizar a nossa cultura. Não vamos nos calar, e vamos ocupar todos os espaços.

O que podemos esperar do seu show na Sala São Paulo, neste sábado (14), como parte do projeto Encontros Históricos?

É a minha primeira vez cantando na Sala São Paulo, e a primeira vez com essa orquestra. Chorei no ensaio, quando eles começaram a tocar o arranjo de Não Vou Te Deixar com violinos e cordas. Ouvi tantas vezes que não era para cantar tecnobrega, que estava desperdiçando o meu talento, a minha carreira, e olha onde chegamos.

Publicado em VEJA São Paulo de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863

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