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Novas baladas LGBTQIA+ aquecem retomada da noite paulistana

De galpão na Mooca a casas na Rua Augusta, bares e clubes recém-abertos agitam um dos setores mais atingidos pela crise sanitária

Por Humberto Abdo, Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h01 - Publicado em 13 Maio 2022, 06h00
Imagem mostra Dj em mesa de som em cima de palco com multidão ao fundo. Luzes brancas e roxas iluminam o ambiente
Na Mooca: Komplexo Tempo ocupa galpão industrial. (Ligia Skowronski/Veja SP)
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Sempre pulsante, a vida noturna paulistana começa a recuperar o fôlego graças a um pequeno grupo de sobreviventes da pandemia que voltou a investir (e a acreditar) em espaços fixos. Cada vez mais plurais, são quase sempre voltados à comunidade LGBTQIA+ — embora alguns deles tentem fugir desse rótulo para, digamos, não limitar as possibilidades nessa tão esperada retomada e assim receber todo tipo de frequentadores.

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Ser abrangente e “para todos” parece ser o caminho escolhido pela maioria a partir de agora, mas mesmo sem saírem do armário como exclusivamente gays ou lésbicas, as novas boates têm atraído esse público específico e quase coincidem com a chegada da Parada do Orgulho LGBT, em 19 de junho.

Todo esse fervo aquece e ocupa as aberturas de locais como o complexo de eventos na Mooca tocado pelo empresário Klaus Pian, um dos fundadores da extinta The Week, símbolo das megaboates gays fechado em 2021. Com noites que vão do sertanejo à eletrônica, a empreitada recém-inaugurada em um edifício industrial é apenas a primeira parte do projeto, pois em breve um segundo galpão deverá abrigar um clube gay.

“Será uma nova The Week”, crava Pian. “Não sei se acredito mais nesse formato, mas sinto que precisamos continuar abrindo lugares permanentes para gerar opções onde as pessoas possam se divertir.” Apesar do baque sofrido por esse setor, com o fechamento de casas como Cantho, Sputnik e Desmanche, vários nomes do entretenimento continuam esperançosos, entre eles André Almada, ex-The Week, e Cacá Ribeiro, sócio das baladas Jerome, Lions e Yacht, que planeja abrir novo endereço, neste caso só em 2023 — Almada faz mistério, mas está correndo com as reformas de um novo espaço na Barra Funda, previsto para o primeiro semestre deste ano.

Pouco tempo atrás, os empresários da noite já decretavam a “morte” do movimento no Baixo Augusta, mas a região também deve ganhar sobrevida após duas inaugurações até o fim deste mês. Essa renovação não compete com o sucesso das festas itinerantes, muito fortes na cidade. “Mas ainda existe aquele pessoal que prefere criar contato com o barman e os promoters de uma balada fixa”, acrescenta Fabio Lima, dono do Bofetada, do Aloka (clássico assumido por ele em 2020) e, em breve, de uma casa temática com direito a disco voador na fachada. Conheça, a seguir, os principais endereços abertos ou prestes a ser inaugurados e veja quem está deixando a noite da cidade ainda mais quente.

Complexo atemporal

Após quase vinte anos de experiência com a The Week, na Lapa, Klaus Pian mira novos ritmos e grupos (em um bairro muito menos acostumado com o som alto da balada). Um galpão de 4 000 metros quadrados na Mooca foi o endereço escolhido para o Komplexo Tempo, primeira parte do projeto criado com o sócio Moisés Gibi.

Imagem mostra dois homens sentados em um banco de madeira no centro de um espaço grande, iluminado por luzes coloridas.
Klaus e Gibi (a partir da esq.) comandam galpão com festas à beira dos trilhos. (Ligia Skowronski/Veja SP)
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“Fiquei dois anos parado e tive vontade de retornar quando percebi muita gente fazendo coisas clandestinas e de mau gosto”, alfineta Klaus. A ideia, segundo ele, veio em sonho: nele, um amigo que morreu vítima de Covid-19 dizia que a Mooca seria o lugar certo para a empreitada.

Depois de poucas reformas, a área agora inclui um longo terraço servido de sofás e poltronas ao lado de árvores frutíferas e trilhos de trem construídos no início do século XX. Um mezanino feito com vagões antigos circunda toda a pista e mantém a estética “inacabada” da arquitetura, assinada por Nelson Presbiteri.

Desde a abertura, em abril, o espaço já tem recebido “um pouco de tudo”, de eletrônica a brasilidades, e ainda vai organizar uma churrascada com o chef Alex Atala e até alguns dos desfiles da próxima SPFW. Sem ser protagonista, o público LGBTQIA+ é destaque em apenas algumas das festas por lá, mas em novembro um segundo galpão idêntico, bem ao lado da nova casa, será transformado em balada gay.

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“A ideia é ser uma nova The Week, mas abrir um clube com proposta específica hoje em dia é algo bastante temeroso”, pondera. Outra promessa empolgante é a possibilidade de conectar os dois locais para eventos maiores, como festivais de música. “E em breve vamos chamar o pessoal das antigas, ex-funcionários das baladas que comandei no passado, para ficarem sentados por aqui contando histórias aos frequentadores.” Avenida Henry Ford, 511, Mooca. @komplexotempo

Casarão com batidas eletrônicas

Pertinho da Rua Frei Caneca, conhecida por ser frequentada pelo público LGBT — sobretudo o G —, o Auê ocupa um casarão antigo desde dezembro. Nesse bar de agito, é possível jantar, bebericar e dançar num terraço aberto.

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Imagem mostra pessoas em espaço aberto iluminado por luzes rosas
Turma do agito: onde se faz o esquenta. (Matheus Garcia/Divulgação)

DJs costumam tocar brasilidades e ritmos eletrônicos de quinta a domingo para o público predominantemente gay na faixa dos 30 anos. “Muita gente vem curtir o fim de tarde ou fazer o esquenta”, diz o sócio Dione Freitas. “Boa parte passa aqui e depois vai para festas alternativas, como Mamba Negra, ODD, Capslock e Gop Tun.” Rua Barbosa Rodrigues, 46, Consolação. @aue.sp

Cultura drag queen

A Casa Fluida chama atenção pela fachada banhada de neon lilás. Está instalada nos três pavimentos de um casarão antigo na forma de um mix de bar e centro cultural. Desde setembro, a casa do artista visual Fernando Spaziani e do professor Matheus Nahas recebe exposições de arte temporárias e, num palquinho, do térreo, performances de drag queens.

Imagem mostra pessoas sentadas em mesas ao lado de parede com graffiti enorme mostrando um rosto pintado de roxo.
Todas as letras: arte e performance em bar com ares de centro cultural. (Crédito/Divulgação)

“É aquele tipo de lugar a que você vai e encontra alguém conhecido”, diz Spaziani, que lamenta o número cada vez menor de bares onde a comunidade se encontra. Não só o público, que mescla homens e mulheres na faixa dos 30 e poucos, como também a brigada são diversos, com gente cis e trans. A galera costuma ir lá fazer esquenta ou comemorar aniversários enquanto beberica drinques como o uísque sour. Rua Bela Cintra, 569, Consolação. @casafluida

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Após Vegas e Desmanche, o espaço sideral

“Sou nascido e criado na Augusta”, brinca Fabio Lima, dono dos clubes Aloka e Bofetada, dois dos destinos gays mais conhecidos da região. No lugar do Espaço Desmanche (o mesmo endereço ocupado nos anos 2000 pelo icônico Vegas Club), ele agora investe no Andromeda Club, previsto para abrir em 20 de maio com o palco ampliado, um terraço e, no subsolo, uma hamburgueria BlackJack.

A casa temática terá referências de discos voadores (como o OVNI fincado no topo da fachada) e alienígenas. “Os funcionários vão trabalhar caracterizados e queremos receber todos os públicos, especialmente influenciadores e youtubers”, conta.

Além da atmosfera instagramável, estratégia criada ao lado do sócio Felipe Didonih (que agencia figuras como a Pequena Lo), os gêneros musicais da casa vão transitar entre noites de funk, pop, música eletrônica e brasilidades aos domingos. “E faremos um projeto específico para o público LGBT.”

Com planos para uma casa de festas eletrônicas em julho, em breve ele começa a reformar outro endereço, no número 430, onde ficava a 1007 Augusta. Rua Augusta, 765, Consolação. @andromedaclube

São Paulo 09 maio 2022Fabio Lima do AndromedaFoto Alexandre Battibugli VSP
Casa que já abrigou Vegas Club e Espaço Desmanche será reduto de influenciadores. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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De mercearia para balada

Quando os bares de Santa Cecília fecham, o pessoal mais animado não volta para casa. Muitos, principalmente aqueles na faixa dos 20 e poucos, aparecem no Bar da Bete, que está de mudança, e também no Mercadinho do Lasanha, este mais recente, aberto em junho de 2021.

Começou como mercearia e, pouco a pouco, ganhou contornos de baladinha underground. Restam poucos resquícios do passado varejista, como geladeiras de cerveja e um caixa. “O pessoal que ia ao Caracol tomou conta do espaço”, conta o proprietário, o ex-garçom Marcelo Mota, o Lasanha, sobre o bar vizinho.

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“Os clientes começaram a querer fazer festa aqui. A primeira foi a Festa Ruim”, diz o empresário sobre a noitada, que recebe meninos e meninas. “Há quem diga que aqui virou um celeiro de DJs”, jura Lasanha. A programação é sempre uma surpresa. A galera composta de diferentes letras da sigla LGBTQIA+ baila de um techno obscuro a Britney Spears.

Baratinha, a entrada costuma custar no máximo 20 reais e muita gente prefere ficar na calçada. A casa abre de quarta a domingo, a partir das 20h, sem hora para fechar. “O povo aqui é inimigo do fim.” Rua Jaguaribe, 70, Vila Buarque. @mercadinho.lasanha

Ladeira para a dança

Na onda de lugares novos da Barra Funda, cada vez mais descolada e habitada pelo público jovem, o Irregular tem sido um dos responsáveis por movimentar o bairro.

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Com o DJ Click entre os sócios, foi inaugurado dias antes do início da pandemia, mas já recuperou o ritmo após a reabertura e fica em um terreno literalmente irregular, com a entrada em uma longa descida que antecede as duas pistas de dança — estas, no caso, são em terreno plano.

O público gay frequenta em peso festas como a Desviados, de funk, pop e R&B; a Drag Divas, com performances de drag queens; e a TS Party, dedicada aos sucessos da americana Taylor Swift. Rua Barra Funda, 630, Barra Funda. @irregularsp

Várias vidas em uma noite

Aberto por apenas dois anos no Arouche, o Sputnik Bar não sobreviveu à crise sanitária, mas o ânimo de um dos donos, Sérgio Oliveira, continuou intacto. Com o empresário Daniel Prado e o DJ André Placido, ele migrou para o espaço do antigo Beco 203, que agora abre as portas como Kat Klub.

Imagem mostra trêes homens, dois em pé e um sentado, ao em espaço com parede com traços brancos e pretos ao fundo e um sofá vermelho de camurça.
Sete vidas: trio baladeiro com Daniel, Sérgio e André (a partir da esq.). (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Prevista para inaugurar em 27 de maio, a balada será dedicada ao público LGBTQIA+ — com festas de pop e funk, o “arroz com feijão” de todas as casas da Augusta — e algumas noites de punk e hip-hop, às segundas e quintas-feiras. “Fizemos pequenas alterações para transformar a cara da pista, como mudar o lado do palco, agora maior, e incluir um camarote”, conta Sérgio.

Com grafites de May Balbino, toda a decoração será inspirada em gatos. “Um lugar para liberar nossos instintos selvagens e curtir sete vidas numa noite.” Rua Augusta, 609, Consolação. @katklub.sp

Fervo importado do Rio

Sucesso no Rio há mais de duas décadas, o Galeria Café chegou aqui em janeiro de 2021, em um momento não muito favorável da pandemia. O espaço de dois pisos decorados com neons e obras de arte à venda começou mais como bar-restaurante e foi “pegar” mesmo só em novembro, quando passou a funcionar oficialmente como balada.

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A programação é variada e inclui tanto festinhas para os chamados ursos (gays gordinhos, barbudos e congêneres), eventos da galera do teatro, baladas pop para gays mais jovens e outras para o público lésbico. “Somos people-friendly, um espaço de acolhimento aberto a todos”, define a sócia Alexandra Di Calafiori. Praça Benedito Calixto, 103, Pinheiros. @galeriacafesp

Triângulo vermelho

É raro ver uma mulher nas noites de Zig — e quando isso acontece, normalmente é a segurança parada na porta. Uma das poucas baladas exclusivamente voltadas aos homens gays, a nova Zig Studio recebe homens na faixa dos 20 a 30 anos e tem o mesmo clima das duas boates irmãs, ambas funcionando no centro: a luz vermelha, a parede coberta de espelhos e o polêmico darkroom (ou quarto escuro) são elementos presentes nas três casas.

Imagem mostra pessoa pendurada em pole dance em ambiente iluminado por luz vermelha
Zig também cedeu à onda de novidades na Barra Funda. (Fred Othero/Divulgação)

“Abri esses espaços com meu namorado, o primeiro lá em 2015, bem pequeno”, relembra o proprietário Rafael Maia. Dois anos depois, veio o Zig Duplex, próximo ao Copan, um bar-balada com pista no subsolo. Na versão inaugurada em abril, na Barra Funda, o maior contraste é o pé-direito alto, a cabine de fotos instantâneas e o tamanho da pista, com capacidade para 1 000 pessoas.

“Até brincam dizendo que tem o Ziguinho, o Zig e agora o Zigão, onde queremos fazer eventos maiores.” A proposta, no entanto, ainda é a mesma: noites de música pop e festas como a Kevin (em que roupas são tudo menos obrigatórias). Avenida Pacaembu, 33, Barra Funda. @studio.zig

Casa própria na Vila Buarque

“Por dezesseis anos, organizei festas nas casas de outras pessoas, mas o fechamento de várias baladas em São Paulo me fez ver a necessidade de ter meu próprio espaço”, conta Hugo Henrique, que acaba de inaugurar a Hey Hey Club, na Vila Buarque, junto de mais dois sócios.

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Lar de várias tribos: noites terão ritmos e vertentes gays. (Crédito/Divulgação)

Com dois andares, camarote e mezanino, a ideia é abrir de sexta a domingo com alguns dos selos criados por Hugo, como a Fruit Pool Party e a Bigger Party, frequentada pelos muscle bears, a tribo de “ursos” musculosos. “Vai ter desde um samba LGBT até as típicas noites de pop, para abrigar todos os públicos.” Rua Marquês de Itu, 284, Vila Buarque. @heyhey.club

De volta à avenida

Prevista para 19 de junho, a 26ª Parada do Orgulho LGBT deve retornar presencialmente à Avenida Paulista após dois anos em lockdown. Com o tema “Vote com orgulho: por uma política que representa”, as atrações desta edição ainda não foram divulgadas, mas um dos palcos já está garantido na varanda do Blue Note, clube de jazz no topo do Conjunto Nacional.

Com mais de oito horas de programação, o Camarote Pride House terá bailarinos e performances durante todo o evento e uma seleção de DJs que se apresentam na área externa — por enquanto, o único nome confirmado é o Paradise Guerrilla, grupo brasileiro que transita entre o pop e o eletrônico.

Imagem mostra multidão em avenida carregando bandeira LGBT
Retomada do formato presencial e evento no topo do Conjunto Nacional com DJs. (Associação da Parada LGBT de São Paulo/Museu da Diversidade Sexual/Divulgação)

Comandada pelos empresários Guto Melo e André Almada, a atração foi criada em 2018 e já teve presença de drag queens como Tiffany Bradshaw, selos como Gambiarra e show de Daniela Mercury.

Em tempo: além da festa Radar, no Bom Retiro, e da TNW Pride 2022, prevista para 18 de junho, um sábado, no ginásio da Portuguesa, Almada também prepara sua nova balada. “Só posso dizer que já estamos em reformas e que será na região da Barra Funda”, adianta, em tom de quem acabou de dar spoiler.

Imagem mostramulher em palco, no centro, e dois Djs vestindo capacetes ao fundo,
No camarote: Paradise Guerrilla se apresenta durante a Parada. (Crédito/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 18 de maio de 2022, edição nº 2789

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