O doce do centro

Por Matthew Shirts
Atualizado em 20 jan 2022, 09h19 - Publicado em 26 set 2015, 00h00
Crônica - Matthew Shirts - O doce do centro
Crônica - Matthew Shirts - O doce do centro (Veja São Paulo/)
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Fernando II (1816-1865) é conhecido em Portugal como o “rei artista”. Interessou-se mais pela estética do que pela política, evitando esse último assunto sempre que possível, de acordo com seu verbete na Wikipedia. Numa época em que a mão de obra monárquica começou a rarear, foram-lhe oferecidos o trono da Grécia e também o da Espanha. Recusou os dois.

Após a morte da rainha dona Maria II, sua primeira mulher, a quem coube o trabalho mais pesado de governar Portugal, casou-se com a famosa atriz de teatro Elise Hensler, plebeia e mãe solteira, em mais uma manifestação do seu amor pelas artes. Deixou para ela o Palácio Nacional da Pena, em Sintra, nada menos, gerando certo escândalo, ao que parece, uma vez que o histórico edifício, expoente máximo da arquitetura romântica do século XIX no país, era considerado um monumento nacional.

Interessei-me pela figura do rei artista ao conhecer, na semana retrasada, a Casa Mathilde, movimentada doceria no centro de nossa querida cidade de São Paulo. Já ouvira falar. Mas não havia ido ainda. Se não a conhece, sugiro que vá.

Fica na Praça Antônio Prado, em frente ao Edifício Martinelli, a um quarteirão da Estação São Bento de metrô, no conjunto modernista de interior art déco onde funcionou o primeiro restaurante Fasano. É bonito o lugar.

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A loja reabriu em 2013, após uma ausência de trinta anos no Brasil, trazida de volta por um herdeiro da marca. No mezanino dá para comer um doce, tomar um café e assistir à movimentação da praça pelos vidros grandes. Tirei várias fotos. É um programa bacana, sobretudo durante a semana, quando o agito ali é intenso. Fernando II parava na doceria original, fundada em 1850 com o nome de Queijadas Finas da Mathilde, sempre que se deslocava de Lisboa para Sintra. Entendo que era uma espécie de posto Graal ou Lago Azul da época.

A filial brasileira mantém um pouco essa característica, ao insistir no sistema de comandas, típico dos restaurantes das rodoviárias, aquelas distribuídas na porta e recolhidas na saída. O monarca gostava tanto das queijadas que “concedeu a esta fábrica um carimbo metálico, com 5 centímetros de largura, com o qual deviam ser marcadas as queijadas fornecidas à Casa Real”. Junto com esse carimbo, o estabelecimento recebeu um impresso no qual se pode ler o seguinte: “Sua Majestade El-Rei D. Fernando II, por preferir as queijadas desta marca, houve por bem oferecer este marcador para que os fornecimentos a Sua Casa Real fossem devidamente marcados”.

Há um charme nessas frases, que recolhi do cardápio, característico de Portugal. Além da redundância lusitana, percebe-se o apreço pelo poder central, uma literalidade só dos portugueses, e se vislumbra, ainda, a origem do afeto pelo carimbo. Mas, seja isso como for, não há nada melhor do que essas queijadas. Ouvi falar de quem prefere o pastel de nata. É bom também. Experimentei os folhados de palmito e de espinafre para não dizer que não falei dos salgados. Foram aprovados, todos.

Para mim, no entanto, tal como para Fernando II, o rei artista, nada se compara à queijada da Mathilde. Voltei lá três vezes na semana passada só para comer o doce. Será que engorda?

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