Jayme Monjardim anuncia saída da Globo após 40 anos na emissora
Diretor de novelas como O Clone e América abrirá sua própria produtora e prepara musical de Maysa
Aos 68 anos, Jayme Monjardim quer se reinventar. Após dirigir dezenas de novelas e minisséries emblemáticas como Roque Santeiro, O Clone e A Casa das Sete Mulheres, ele encerra sua trajetória de quarenta anos na Rede Globo.
“A decisão foi de ambas as partes”, anuncia com exclusividade à Vejinha.
A partir de 1º de agosto, com o fim do contrato, ele dará início a novos capítulos com uma boa leva de novelas, séries e filmes prestes a serem produzidos. “A ideia é abrir uma produtora com fundo de investimentos e trabalhar esses projetos, seja para televisão, seja para streamings e cinema. O importante é continuar criando.”
Em um prédio no bairro do Limão, a produtora batizada de Putz vai abraçar todas as ideias do diretor, como um seriado sobre o rei Pelé, um filme sobre Maria Bonita e outro sobre o médico e surfista Guido Schäffer. E as novelas continuam.
“A novela é um sucesso quando o público se identifica e vibra com os personagens.”
“Era um grande sonho fazer Romaria, uma história que percorre todo o Brasil”, adianta.
Com parte das gravações prevista para acontecer em Cabaceiras, na Paraíba, a sinopse gira em torno de uma família desfeita por brigas e o reencontro dos irmãos muitos anos depois. “O brasileiro está cansado de tanto assassinato, traição e vilões. A novela é um sucesso quando o público se identifica e vibra com os personagens.”
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Jayme também vai debutar no teatro com a direção de um musical sobre sua mãe, a cantora Maysa (1936-1977). A atriz e cantora Claudia Netto, que o convenceu a assumir o espetáculo, será a intérprete da protagonista.
“É curioso porque meu primeiro documentário foi sobre Maysa, depois o primeiro longa, que acabou virando especial, e agora a peça. Parece que ela segue sempre me ajudando a caminhar”, diz.
A peça deve estrear no Rio de Janeiro no início do próximo ano, antes de vir para São Paulo. Tem mais: no fim de 2025, um museu dedicado à cantora será aberto em Maricá, cidade no litoral fluminense, próxima à capital, onde a artista morou nos seus últimos anos de vida.
Vendida à prefeitura da cidade, a casa que pertenceu a Maysa será revitalizada para abrigar parte de seu acervo, com fotos, pinturas, cartas e até letras escritas em guardanapos. O local terá a chancela do curador e designer Gringo Cardia, responsável por transformar em museu a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, no Rio Vermelho, em Salvador, e por conceber o Museu da Cruz Vermelha, na Suíça.
A pesquisa de Gringo também rendeu um livro, Maysa em Maricá: a Paixão É Aqui, que, por ora, não será comercializado.
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O apreço pelo passado transparece no refúgio de Jayme, sua fazenda em Amparo, interior de São Paulo, onde recebeu a reportagem de Vejinha. No escritório onde se recolhe para trabalhar e escrever, ele guarda todas as revistas que citam seus trabalhos, além de prêmios e objetos herdados da família Matarazzo.
Sua capela é adornada com uma cruz e dois anjos esculpidos em madeira, os mesmos usados no cenário do longa O Tempo e o Vento (2013).
E um galpão recém-construído no terreno reúne fotos de bastidores de novelas, itens garimpados em leilões on-line (como uma antiga câmera Kodak dos anos 20) e dois quadros com as pinturas dos avós.
“Por mais que eu tenha uma família gigante, ela não existe mais, só a minha prima. Minha maior carência é essa referência familiar, que só vive na minha memória.”
Uma dessas histórias também virou roteiro, com possibilidade de ser transformado em filme: a trajetória de seu bisavô, que migrou da Itália para o Brasil aos 19 anos sem nenhum dos seus pertences, já que toda a bagagem que carregava em um baú caiu no mar.
“Como sou muito contido, falo por meio das minhas histórias”
Seguindo a veia empreendedora dos Matarazzo, uma das empreitadas mais ambiciosas de Jayme fica em Palmeirândia, no Maranhão. É lá que ele conduz com sua amiga e sócia, Cornélia Rodrigues, o Palma Monjardim, uma área de 1 500 hectares onde famílias locais fabricam alimentos com ingredientes como o babaçu, planta usada em sachês feitos para crianças em situação de desnutrição.
Até o fim do ano, está nos planos da dupla distribuir produtos da região em supermercados do Grupo Pão de Açúcar e futuramente transformar o terreno em uma “floresta de alimentos”, com universidade, anfiteatro e espaços culturais.
No fim deste mês, os 45 anos de trajetória televisiva serão celebrados em São Paulo, com uma festa para mais de 300 convidados.
“Sou o cara mais calmo do mundo, capaz de dirigir 2 000 pessoas numa mesma cena, falando baixinho sem gritar. Como sou muito contido, falo por meio das minhas histórias”, reflete. “Agora é o momento de buscar novos horizontes.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 19 de julho de 2024, edição nº 2902