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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

Convidado Em Terapia: a cultura do álcool

O consumo de álcool entre jovens é elevado. Algumas semanas atrás mais uma tragédia mobilizou o país, a morte de um universitário associada ao consumo excessivo de álcool (pelo menos 25 doses de vodca). Dra. Fernanda Libardi, psicóloga estudiosa da dependência química, traz alguma luz ao debate sobre as responsabilidades em tragédias envolvendo jovens e […]

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 26 fev 2017, 18h21 - Publicado em 14 mar 2015, 21h22
Cerveja
Cerveja (/)
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(Foto: Ricardo D'Angelo)

(Foto: Ricardo D’Angelo)

O consumo de álcool entre jovens é elevado. Algumas semanas atrás mais uma tragédia mobilizou o país, a morte de um universitário associada ao consumo excessivo de álcool (pelo menos 25 doses de vodca). Dra. Fernanda Libardi, psicóloga estudiosa da dependência química, traz alguma luz ao debate sobre as responsabilidades em tragédias envolvendo jovens e álcool.

As drogas e o tédio, por Fernanda Libardi

A divulgação da frase “melhor morrer de vodca do que de tédio” escrita pelo estudante Humberto Moura Fonseca, que morreu em decorrência da ingestão de 25 doses de vodca, têm fomentado debates calorosos na procura pelos culpados pela morte do estudante. Após essa divulgação alguns passaram até a culpar o próprio estudante por sua morte, como se ele a merecesse por escrever e se comportar dessa forma. Há também quem culpe os organizadores da festa, a UNESP e a indústria de bebidas, mas, no fim das contas, a culpa é de quem?

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Lógico que não é do estudante. Que atire a primeira pedra o jovem que nunca pensou, falou, escreveu ou seguiu à risca a frase do estudante. Na nossa cultura, para fazer parte de um grupo “descolado”, os jovens devem beber. Não foram poucas as vezes que atendi no consultório jovens angustiados que não gostavam de beber mas que, por causa disso, eram excluídos de convites de festas ou eram tidos como chatos ou “caretas”. A situação contrária é ainda mais comum. Só aumenta o número de pais que procuram terapia para os filhos que estão abusando de álcool e drogas cada vez mais cedo.

Mas como essa cultura de apologia ao uso de álcool e drogas se mantém? Em grande parte pela indústria de bebidas unida à falta de regras do governo para a propaganda de bebidas alcóolicas no país. Atualmente no Brasil, a restrição da propaganda de bebidas alcoólicas só ocorre com bebidas com teor alcóolico maior que 13GL, o que exclui cerveja e vinho. No entanto, a cerveja representa 85% das bebidas alcóolicas consumidas no país e está relacionada com o início do consumo de álcool entre os jovens.

Através das propagandas, o consumo de álcool é associado a festas populares, como o carnaval, ao futebol, a mulheres bonitas e sexualidade e a situações de confraternização de amigos. Essa associação de bebidas, muitas vezes direcionada ao público jovem, com o que há de mais característico no país influencia o consumo de álcool.

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Implementar leis que restrinjam a propaganda e o consumo e criar programas de psicoeducação pode iniciar uma mudança na cultura jovem em relação ao uso de bebidas. Um exemplo disso é o cigarro. Poucas décadas atrás pouco se sabia sobre os malefícios do cigarro, mulheres costumavam fumar durante a gravidez, por exemplo. Com programas de educação da população e leis que restringem a propaganda e o consumo em lugares fechados, a cultura de consumo do cigarro passa hoje por uma transformação. O uso do cigarro está pouco a pouco deixando de ser “bonito” e passando a ser relacionado com problemas de saúde.

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Humberto Moura Fonseca, de 23 anos: estudante que morreu após ingerir 25 doses de vodca (Foto: Reprodução/ Facebook)

Não muito diferente do que acontecia com o cigarro, os jovens hoje não conhecem os malefícios do álcool. Sim, todos ouvem falar em coma alcoólico, mas quantos jovens sabem qual a probabilidade disso acontecer? Quantos sabem que o álcool realmente pode matar? Os organizadores da festa em que o estudante morreu foram indiciados por homicídio com dolo eventual, ou seja, de acordo com o delegado responsável pelo caso, ele assumiram o risco de matar ao promoverem competições de bebidas.

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De fato, se o consumo excessivo de álcool mata e se os organizadores estavam promovendo competições onde vencia quem bebesse mais, sim eles assumiram esse risco. Mas será que eles ou qualquer um dos jovens que participou dessa competição sabiam que estavam assumindo o risco de morrer? É aí que entra o papel do governo em educar e informar.

Se a propaganda de bebidas alcóolicas passar a ser coibida, a venda de bebidas a menores criminalizada e o governo investir em programas de educação e informação, tragédias como a de Humberto e de mais centenas de jovens que morrem por ano no Brasil devido ao consumo de álcool podem ser evitadas.

Não, a vida não é um tédio sem (ou com pouco) álcool. Os jovens brasileiros só precisam descobrir isso.

Fernanda Libardi Galesi é terapeuta clínica e pesquisadora. Especializou-se em terapia comportamental pelo Núcleo Paradigma e é mestre e doutora em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo (USP). Contato: fernanda.libardi@gmail.com.

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