Onde há conflito, podemos mediar
Gelson Liberman, mediador judicial e extrajudicial, destaca que os conflitos e desentendimentos são inevitáveis e ensina que é possível lidar com eles
Descobri a profissão de mediador de conflitos por meio dos acontecimentos da vida. O “nada é por acaso” funcionou bem comigo. Passei por um divórcio litigioso por praticamente um ano e meio. Filhos pequenos e o término de um relacionamento de praticamente dezesseis anos. Como num instinto automático, fui procurar um ótimo advogado em busca da vitória.
Naquela oportunidade, achava que o juiz daria uma sentença justa para o meu caso. A cada dia daquela separação via um distanciamento entre o que acreditava e a realidade dos fatos. Audiências e mais audiências que não chegavam a lugar nenhum e, junto com tudo isso, um turbilhão de acontecimentos que não acompanhavam o trâmite jurídico. Como passar por aquele conflito sem prejudicar os meus filhos?
Anos mais tarde acabei conhecendo uma mediadora que achou que eu levava jeito para ser mediador. O curso seria uma parte no Brasil e outra na Argentina. Uma ótima oportunidade para aprender mediação e viajar. Além disso, a data coincidia com a meia maratona de Buenos Aires (tenho a corrida como hobby). Foram duas semanas que me transformaram. A cada aula, a certeza que estava no lugar certo e na hora certa.
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A vontade de ser mediador era tão grande que após o curso já estava trabalhando. Uma das companheiras de aprendizado trabalhava no fórum em que fiz o meu divórcio e me ofereceu a sua vaga para trabalhar lá, pois estava saindo. A sensação de estar no mesmo local onde passei as minhas audiências e poder ajudar as pessoas numa outra perspectiva foi incrível. Comecei as primeiras sessões com aquele frio na barriga. Que responsabilidade, pensei. Nos primeiros encontros fiquei junto de mediadores mais experientes e aprendendo.
Aos poucos fui melhorando. Como tudo na vida, quanto mais praticava, melhor ficava. O mediador é um profissional que, quanto mais experiência tiver, melhor. Além disso, é uma profissão em que a idade avançada é muito bem-vinda.
Afinal, o que o mediador de conflitos faz? Eu sou um facilitador da conversa. Minha função principal é fazer com que os envolvidos escutem de verdade o outro em busca de uma solução. Pense numa mãe com uma laranja e dois filhos na disputa. Será que dividir a laranja é a melhor solução? Muitos falarão que sim.
Numa mediação vamos perguntar: “Para que você quer?”. Um filho diz que quer fazer um suco de laranja e o outro, um doce. Com essas respostas ficou muito fácil. O suco da laranja para o filho que quer o suco e a casca para o que quer o doce. Dessa forma teremos o ganha-ganha do conflito. Não é sensacional?
Atuo em vários tipos de conflito. No caso de um divórcio com filhos, em que os pais continuam pais mesmo com o término daquela relação, em brigas de vizinhos que continuarão convivendo, na empresa familiar em que aqueles parentes provavelmente se encontrarão em algum evento social. Daí a importância de uma ótima alternativa para resolução dessas questões. Casos pontuais como uma batida de trânsito, uma compra ou serviço prestado frustrado podem ser mediados também.
Onde há conflitos, podemos mediar.
O conflito faz parte de nós. Quando não concordamos com o outro, há desentendimento, é inevitável. Mas a maneira como o encaramos, não.
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Na mediação, o processo é confidencial. As partes são empoderadas para resolver as suas questões e não deixar o juiz decidir a sua vida. O advogado trabalha orientando as partes. É uma maneira mais rápida, econômica e que respeita o que a pessoa quer. O comprometimento dos envolvidos numa mediação é muito maior do que via sentença judicial. Discutimos o valor da pensão alimentícia, por exemplo. Quanto você pode pagar? Um acordo conversado é totalmente diferente de um imposto.
Os envolvidos precisam se sentir acolhidos para dividir suas questões pessoais. A verdadeira empatia não é se colocar na posição do outro, mas entender o outro, pois cada um é único. Mostro que tudo na vida pode ser mudado. Eu não decido nada, mas sinalizo que existe luz no fim do túnel e que juntos somos mais fortes.
Não é a solução para todos os problemas, mas, mesmo quando não chegamos ao acordo, fazemos pontes. Num mundo tão polarizado, a tentativa de uma mediação é, com certeza, a tal felicidade. Você não acha?
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br
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Publicado em VEJA São Paulo de 4 de maio de 2022, edição nº 2787