Novas prioridades
Como a capacidade de adaptação da mãe de Isabela Nassif diante do diagnóstico de Alzheimer a levou à sua própria reinvenção
O diagnóstico de Alzheimer de minha mãe, em outubro de 2018, me trouxe, paradoxalmente, uma lucidez repentina: me mostrou que o tempo, até então vilão de minhas múltiplas atividades, poderia ser meu grande aliado.
Era ele, o tempo, que eu queria fazer voltar, para poder começar tudo de novo. Queria degustar mais uma vez cada minuto de nossa caminhada juntas, sua presença firme, marcante, suas histórias de vida e lições. Queria deitar no seu colo quentinho e beber da fonte infinita de sua sabedoria.
Foi a memória afetiva, viva, presente e intensa do calor do colo de minha mãe por toda minha infância que retornou como um presente divino nesse momento para me lembrar que na vida tudo passa a ter um gosto menos amargo quando colocamos pitadas de amor, o ingrediente mágico para adoçar qualquer situação e trazer um novo olhar de esperança ao nosso caminho.
Olhando para as alegrias vividas na minha jornada, eu me dei conta da preciosidade do tempo presente, de vivenciar o hoje com todas as suas possibilidades. Foi nesse “presente” que me apoiei para estabelecer minhas prioridades, recalcular minhas metas, dar novo sentido a cada atividade.
Eu me sinto privilegiada pelo contato e convívio diário, próximo, íntimo e verdadeiro com minha mãe. Nessa relação de cuidado mútuo, todos são beneficiados pela troca que acontece se estamos genuinamente abertos a crescer e aprender com essa transformadora experiência. As dores vão abrindo espaço para brindarmos ainda com mais gratidão cada conquista e estabelecer metas menos ousadas.
Através da construção de um novo dia a dia, percebemos o real valor dos pequenos gestos e o gosto delicioso de cada momento em que podemos rir juntos, inclusive das nossas dificuldades. Passo a passo, tornamos mais possível a superação.
+ Terceirizar nossas angústias não é um bom negócio
Nessa fonte diária de aprendizado, fruto da experiência madura, resiliência e capacidade de adaptação da minha mãe, encontrei a minha própria reinvenção. Hoje, transformei minha carreira para ter a organização necessária de tempo e equilíbrio entre minha vida pessoal e profissional.
Conversando com várias mulheres, me dei conta que não estou sozinha. Assim como eu, muitas pessoas não se prepararam para cuidar de quem um dia cuidou delas — pude constatar que somos hoje uma legião de pessoas maduras, em plena atividade profissional, lidando com o processo de envelhecimento de seus entes queridos.
Nesse cenário que se apresenta, muitos de nós vivem o dilema entre prosseguir com a vida profissional ou dedicar o tempo necessário aos cuidados com quem amamos. E sim, é possível transformar esse momento em oportunidade para ressignificar nossa visão sobre vida pessoal e profissional e viver plenamente esses dois aspectos fundamentais para a nossa realização.
Quando a motivação é fruto do propósito de fazer a diferença por meio do que se faz, tudo parece ganhar nova forma. Eu me sinto movida por uma força impulsionadora para realizar atividades que vinha ensaiando há tempos. Através delas, pude notar quanto o compartilhar de experiências apoia, ajuda, fortalece e cria uma atmosfera de energias positivas que beneficia quem estamos ajudando e enriquece a nós mesmos.
+ Arte como caminho de cura e estímulo à saúde mental
Surgiu a partir desse meu propósito de vida e do desejo genuíno de trazer um novo sentido para a trajetória de outras mulheres o meu novo caminho profissional. Na mentoria, construímos, a partir da realidade única de cada uma de nós e do despertar das potencialidades, novas possibilidades, horizontes e descobertas de caminhos que façam mais sentido e que permitam o real alinhamento das metas ao propósito de vida.
E não está aí, no amor e no propósito, a verdadeira fórmula da tal felicidade?
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br
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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de junho de 2022, edição nº 2794