Ansiedade, uma condição do viver humano
Será que estivemos, em algum momento, imunes à ansiedade? Doutora em psicologia e psicanalista, Blenda Oliveira, responde
Estamos no olho do furacão do que alguns chamam de a era da ansiedade. Será que estivemos, em algum momento, imunes à ansiedade? Seria possível descartar medos, incertezas e contratempos da trajetória humana sobre a Terra?
O projeto de nos tornarmos cada vez mais humanos, civilizados e dotados de certo domínio sobre os acasos, circunstâncias e vicissitudes nos dotou da característica de autoafirmação e de autocontrole para realizarmos o que chamamos de potencial humano. Inevitavelmente, todo esse percurso está e estará marcado pela presença de inúmeras condições que não permitiram (e talvez jamais permitam) que tudo siga de forma linear, sem inúmeras falhas e erros.
A ansiedade nunca deu trégua ao ser humano. Somos todos ansiosos de um jeito ou de outro, mais ou menos. A experiência da ansiedade é, ao mesmo tempo, concreta e abstrata, numa medida que varia na frequência e na intensidade em diferentes ciclos da vida. Sua presença se deve ao número de situações de incerteza, medo e imprevisibilidade, nas quais o nosso viver, do mais mundano ao mais monástico, está mergulhado.
Nos tempos atuais, nunca se buscou tanto a questão do sentido, do propósito e do significado para a vida que vivemos. Nessa mesma linha, a demanda pelo que se denomina espiritualidade, qualidade de vida e diminuição de estresse tem trazido enorme interesse nas mais diversas discussões e pesquisas acadêmicas e médicas. Estamos todos de alguma forma à procura de uma vida melhor. Se possível (o que não é), livres de medos, sofrimentos e ansiedade.
O incômodo, a sobrecarga, as exigências emocionais envolvidas no manejo das coisas simples e práticas da vida, como trabalhar, pagar contas, criar filhos, cuidar da saúde física e mental, são gatilhos permanentes de algum tipo de intensidade da ansiedade. Por tudo isso, a ansiedade precisa ser ouvida e decodificada. É importante criar as condições necessárias para aprender a ler nossos estados psicológicos e emocionais, assim como regular os limites na relação com as demandas cotidianas; caso contrário, estaremos reféns de certo “analfabetismo emocional”.
Vale dizer que não faço apologia da ansiedade. De forma alguma! Níveis altos de ansiedade, próprios dos transtornos advindos dela, são de enorme sofrimento e precisam de rápida ajuda médica e psicológica.
+ Será que a idade é um fator importante para a felicidade?
Todavia, nem toda ansiedade é um transtorno. Somos seres gregários e solitários, apreendemos a realidade de acordo com o que trazemos do nosso background familiar, educacional e cultural; assim, estamos fadados a lidar com as mais diversas emoções. No mundo contemporâneo, a vida está absolutamente sujeita a inúmeros imprevistos, incertezas e rápidas mudanças. Cabe a cada um de nós buscar construir, em nós e no nosso entorno, lugares, relações e condições que tragam propósito e significado para nossa existência diária.
Resta-nos aprender e compreender que a incerteza e a pretensão de controle do futuro são experiências disparadoras da ansiedade, que é, afinal, uma espécie de habitat natural da vida humana, como nos lembra Bauman em seu livro A Arte da Vida.
Quer saibamos ou não, nossa vida é obra de arte no estilo de cada um de nós. Para vivermos, conforme a arte da vida nos requisita, igual a qualquer artista, enfrentaremos grandes desafios, metas nem sempre à altura da capacidade disponível e das exigências quase sempre perturbadoras. Tolerando a angústia gerada por toda essa engrenagem, nos mantemos vivos à cata de sentidos mesmo que cambiantes.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br
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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de agosto de 2022, edição nº 2802