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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: Chang Wu Chen (1954-2020), do Towa, é vítima do coronavírus

Conheça a carreira do importador e proprietário do mercado de produtos orientais, morto no dia 3 de abril

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Atualizado em 20 jan 2022, 14h24 - Publicado em 9 abr 2020, 16h27

Quem foi ao Towa ao menos uma vez deve ter reparado no seu Luís, nome ocidental como era conhecido Chang Wu Chen, nascido em Taiwan. Sempre eu que ia à mercearia asiática da Liberdade para comprar produtos como o molho de ostras chinês Lee Kum Kee, era comum vê-lo por lá. O empresário era dono, desde a década de 80, da loja fundada por seu irmão, Chang Yu Chin, em 1967. Seu Luís morreu no dia 3 de abril, em consequência de complicações respiratórias causadas pelo coronavírius. Esse importante personagem da gastronomia paulistana foi vítima da doença letal e traiçoeira, que no início se formou como uma simples gripe.

Caçula de uma família de sete filhos cujos pais nunca saíram de um vilarejo na província de Yunlin, Chang revelou-se um grande empreendedor ao migrar para o Brasil em 1981. Trazido pelo irmão mais velho Chang Yu Chin que aqui teve negócios como restaurante, pastelaria e a mercearia de produtos chineses, era o orgulho da família por ser o primeiro a ter um curso universitário. “Embora meus avós morassem em um sítio, para eles era muito importante estudar”, conta o filho Johnny, com quem conversei longamente. Chang se formou em turismo, mas nunca escondeu da família que seu sonho era ser ator, pretensão a qual o pai se opôs.

Quando o irmão mais velho Paulo, Chang Yu Chin, decidiu se aposentar no início dos anos 1980, legou a mercearia a Luís, e a outro irmão, o segundo mais velho. Conhecido como Roberto, Chang Wu Chang não permaneceu muito tempo no negócio, que logo passou às mãos de Chang Wu Chen. Foi quando o Towa, que deriva as palavras dong ya (Leste do Oriente, ou Extremo Oriente), teve seu maior desenvolvimento.

Uma das primeiras movimentações de Chang foi transferir-se em 1992 para o imóvel próprio em que estão até hoje na mesma Praça da Liberdade. “Meu pai comprou o prédio da transportadora A Lusitana”, conta Johnny. Também no período, houve a liberação das importações no Brasil e Chang começou a trazer produtos da China em 1994. Nessa época, seus expedientes ficaram muito longos. “Não havia essa facilidade de comunicação. Era tudo por fax. Ele chegava em casa e 8 da noite já entrava em contato com países do Oriente. Era dia por lá”, lembra Johnny. O empresário trazia produtos chineses e taiwaneses, mas ainda de uma forma tímida. Numa expansão de portfólio, incluiu itens vindos de países como Coreia do Sul, Tailândia, Vietnã e Estados Unidos, de onde vem o molho de pimenta sriracha da marca Huy Fong. O Japão tem grande expressão nessa carteira, embora alga nori e hashi cheguem da China, onde têm preços mais atraentes. São mais de 3.000 produtos na carteira.

Com 40 funcionários, a empresa possui quatro unidades de negócio: a loja na Liberdade, uma distribuidora, uma importadora e um e-commerce em desenvolvimento. Em vez de se dedicar apenas ao consumidor final, a partir de 1995 passou a atender restaurantes. Foi justamente um cliente, o chef Maurício Abdalla Thomaz, que adota o sobrenome tailandês Santi, quem me deu a notícia. “O senhor Chang sempre foi um grande parceiro, primordial na importação de produtos asiáticos. Sem ele a cena culinária tailandesa e vietnamita seria ainda menor”, garante Santi.

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Loja na Liberdade: reabertura prevista para 22 de abril (Divulgação/Veja SP)

Nas prateleiras do Towa, encontra-se um pouco de tudo numa viagem gastronômica pelo Oriente. Há de pratos prontos a verduras, de curries a molho em garrafa. “Nosso forte sempre foram os produtos japoneses por causa da aceitação dessa culinária na cidade. Em 2009, quando entrei, ajudei a aumentar o mix”, conta Johnny, braço-direito do pai na empresa. Da Tailândia, chegam o arroz glutinoso usado inclusive para fazer moti [bolinho de arroz pilado japonês] e sobremesas thai como o arroz-doce com manga (khao neeo mamuang), arroz de jasmim e curry nas variações verde, vermelha e amarela. Outro item muito requisitado é o nam pla, molho fermentado de peixe do qual Chang estava criando uma marca própria. “Meu pai conseguiu trazer o primeiro contêiner de lá em 1995”, lembra o primogênito da família.

De uma parceria com outros importadores, o Towa mantém nas prateleiras lámen, biscoitos e salgadinhos de lula e camarão trazidos da Coreia do Sul. O Vietnã é representado pelo harussame (macarrão de feijão-verde) e pelo papel de arroz. “Voltei de Nova York em 1995 e, enquanto tocava a obra do Carlota, montei um bufê. Comecei minha carreira em gastronomia aqui em São Paulo comprando no Towa. Usava papel de arroz para fazer o rolinho vietnamita e o rolinho de pato, que continuam no cardápio. Tinha também o tagliatelle oriental, os temperos todos. Nessa época, não havia em lugar nenhum. Só lá. É o pioneiro”, elogia Carla Pernambuco, do Carlota.

Entre os supermercados como Casa Santa Luzia e rede St Marche e os mais de 100 restaurantes atendidos pela Towa estão as casas de Renata Vanzetto. “Compro deles desde que abri o primeiro Marakuthai [marca com duas unidades paulistanas vendidas em fevereiro deste ano] em 2005, na Ilhabela. E até hoje sou cliente para o Ema, o Matilda e o MeGusta. Quando ainda estava na ilha, vinha a São Paulo todo mês porque não faturavam e nem entregavam”, recorda. “É minha loja predileta. Sempre foi.”

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Johnny lamenta porque o pai, aos 65 anos, havia puxado um pouco o freio de mão. “Ele era muito trabalhador, bem oriental, dedicado o tempo todo aos negócios. Meu pai até tentou jogar golfe, mas não curtiu. Sua diversão era mesmo o trabalho”, conta Johnny. “Ele nos lembrava que sempre que o dono precisava estar presente para tudo funcionar bem”.  Nos últimos anos, continuava a abrir a loja, mas ficava até a hora do almoço. Depois desse horário, dedicava-se aos amigos e à mulher, Lee Hsiu O. “Infelizmente, meu pai não poderá conhecer o neto que vai nascer, filho do meu irmão Johnny. Também não estará no meu casamento marcado para o fim do ano”, diz Jonathan, o outro filho de seu Luís.

Chang também adicionou as viagens no cardápio de lazer. Conheceu países da Europa, foi à África do Sul e a diferentes cidades brasileiras. A convite de amigos, embarcou para à Bahia e esteve em Feira de Santana e Salvador entre 15 e 21 de março. Na volta desse passeio, sentiu os primeiros sintomas da doença e se internou no dia 29, um domingo, por causa da tosse seca e da falta de ar. “Era um homem saudável, preocupado com alimentação, quase não usava sal e não tinha doenças pré-existentes”, enfatiza Johnny. Morreu cinco dias depois, em 3 de abril, uma sexta-feira. Desde então, o Towa permanece fechada por luto. A reabertura está prevista para o dia 22, logo após o feriado de Tiradentes. Agora, o Towa será tocado pelos irmãos Johnny e Jonathan.

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