Memória: Chang Wu Chen (1954-2020), do Towa, é vítima do coronavírus
Conheça a carreira do importador e proprietário do mercado de produtos orientais, morto no dia 3 de abril
Quem foi ao Towa ao menos uma vez deve ter reparado no seu Luís, nome ocidental como era conhecido Chang Wu Chen, nascido em Taiwan. Sempre eu que ia à mercearia asiática da Liberdade para comprar produtos como o molho de ostras chinês Lee Kum Kee, era comum vê-lo por lá. O empresário era dono, desde a década de 80, da loja fundada por seu irmão, Chang Yu Chin, em 1967. Seu Luís morreu no dia 3 de abril, em consequência de complicações respiratórias causadas pelo coronavírius. Esse importante personagem da gastronomia paulistana foi vítima da doença letal e traiçoeira, que no início se formou como uma simples gripe.
Caçula de uma família de sete filhos cujos pais nunca saíram de um vilarejo na província de Yunlin, Chang revelou-se um grande empreendedor ao migrar para o Brasil em 1981. Trazido pelo irmão mais velho Chang Yu Chin que aqui teve negócios como restaurante, pastelaria e a mercearia de produtos chineses, era o orgulho da família por ser o primeiro a ter um curso universitário. “Embora meus avós morassem em um sítio, para eles era muito importante estudar”, conta o filho Johnny, com quem conversei longamente. Chang se formou em turismo, mas nunca escondeu da família que seu sonho era ser ator, pretensão a qual o pai se opôs.
Quando o irmão mais velho Paulo, Chang Yu Chin, decidiu se aposentar no início dos anos 1980, legou a mercearia a Luís, e a outro irmão, o segundo mais velho. Conhecido como Roberto, Chang Wu Chang não permaneceu muito tempo no negócio, que logo passou às mãos de Chang Wu Chen. Foi quando o Towa, que deriva as palavras dong ya (Leste do Oriente, ou Extremo Oriente), teve seu maior desenvolvimento.
Uma das primeiras movimentações de Chang foi transferir-se em 1992 para o imóvel próprio em que estão até hoje na mesma Praça da Liberdade. “Meu pai comprou o prédio da transportadora A Lusitana”, conta Johnny. Também no período, houve a liberação das importações no Brasil e Chang começou a trazer produtos da China em 1994. Nessa época, seus expedientes ficaram muito longos. “Não havia essa facilidade de comunicação. Era tudo por fax. Ele chegava em casa e 8 da noite já entrava em contato com países do Oriente. Era dia por lá”, lembra Johnny. O empresário trazia produtos chineses e taiwaneses, mas ainda de uma forma tímida. Numa expansão de portfólio, incluiu itens vindos de países como Coreia do Sul, Tailândia, Vietnã e Estados Unidos, de onde vem o molho de pimenta sriracha da marca Huy Fong. O Japão tem grande expressão nessa carteira, embora alga nori e hashi cheguem da China, onde têm preços mais atraentes. São mais de 3.000 produtos na carteira.
Com 40 funcionários, a empresa possui quatro unidades de negócio: a loja na Liberdade, uma distribuidora, uma importadora e um e-commerce em desenvolvimento. Em vez de se dedicar apenas ao consumidor final, a partir de 1995 passou a atender restaurantes. Foi justamente um cliente, o chef Maurício Abdalla Thomaz, que adota o sobrenome tailandês Santi, quem me deu a notícia. “O senhor Chang sempre foi um grande parceiro, primordial na importação de produtos asiáticos. Sem ele a cena culinária tailandesa e vietnamita seria ainda menor”, garante Santi.
Nas prateleiras do Towa, encontra-se um pouco de tudo numa viagem gastronômica pelo Oriente. Há de pratos prontos a verduras, de curries a molho em garrafa. “Nosso forte sempre foram os produtos japoneses por causa da aceitação dessa culinária na cidade. Em 2009, quando entrei, ajudei a aumentar o mix”, conta Johnny, braço-direito do pai na empresa. Da Tailândia, chegam o arroz glutinoso usado inclusive para fazer moti [bolinho de arroz pilado japonês] e sobremesas thai como o arroz-doce com manga (khao neeo mamuang), arroz de jasmim e curry nas variações verde, vermelha e amarela. Outro item muito requisitado é o nam pla, molho fermentado de peixe do qual Chang estava criando uma marca própria. “Meu pai conseguiu trazer o primeiro contêiner de lá em 1995”, lembra o primogênito da família.
De uma parceria com outros importadores, o Towa mantém nas prateleiras lámen, biscoitos e salgadinhos de lula e camarão trazidos da Coreia do Sul. O Vietnã é representado pelo harussame (macarrão de feijão-verde) e pelo papel de arroz. “Voltei de Nova York em 1995 e, enquanto tocava a obra do Carlota, montei um bufê. Comecei minha carreira em gastronomia aqui em São Paulo comprando no Towa. Usava papel de arroz para fazer o rolinho vietnamita e o rolinho de pato, que continuam no cardápio. Tinha também o tagliatelle oriental, os temperos todos. Nessa época, não havia em lugar nenhum. Só lá. É o pioneiro”, elogia Carla Pernambuco, do Carlota.
Entre os supermercados como Casa Santa Luzia e rede St Marche e os mais de 100 restaurantes atendidos pela Towa estão as casas de Renata Vanzetto. “Compro deles desde que abri o primeiro Marakuthai [marca com duas unidades paulistanas vendidas em fevereiro deste ano] em 2005, na Ilhabela. E até hoje sou cliente para o Ema, o Matilda e o MeGusta. Quando ainda estava na ilha, vinha a São Paulo todo mês porque não faturavam e nem entregavam”, recorda. “É minha loja predileta. Sempre foi.”
Johnny lamenta porque o pai, aos 65 anos, havia puxado um pouco o freio de mão. “Ele era muito trabalhador, bem oriental, dedicado o tempo todo aos negócios. Meu pai até tentou jogar golfe, mas não curtiu. Sua diversão era mesmo o trabalho”, conta Johnny. “Ele nos lembrava que sempre que o dono precisava estar presente para tudo funcionar bem”. Nos últimos anos, continuava a abrir a loja, mas ficava até a hora do almoço. Depois desse horário, dedicava-se aos amigos e à mulher, Lee Hsiu O. “Infelizmente, meu pai não poderá conhecer o neto que vai nascer, filho do meu irmão Johnny. Também não estará no meu casamento marcado para o fim do ano”, diz Jonathan, o outro filho de seu Luís.
Chang também adicionou as viagens no cardápio de lazer. Conheceu países da Europa, foi à África do Sul e a diferentes cidades brasileiras. A convite de amigos, embarcou para à Bahia e esteve em Feira de Santana e Salvador entre 15 e 21 de março. Na volta desse passeio, sentiu os primeiros sintomas da doença e se internou no dia 29, um domingo, por causa da tosse seca e da falta de ar. “Era um homem saudável, preocupado com alimentação, quase não usava sal e não tinha doenças pré-existentes”, enfatiza Johnny. Morreu cinco dias depois, em 3 de abril, uma sexta-feira. Desde então, o Towa permanece fechada por luto. A reabertura está prevista para o dia 22, logo após o feriado de Tiradentes. Agora, o Towa será tocado pelos irmãos Johnny e Jonathan.
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