Memória: a despedida com “jeitim” discreto de Dona Lucinha
Dama da cozinha de Minas Gerais, Maria Lúcia Clementino Nunes (1932-2019), que morreu nesta terça (9), ganha depoimento emocionado da filha Elzinha
Pouca gente entendia mais de culinária de Minas Gerais do que Maria Lúcia Clementino Nunes, a Dona Lucinha. A grande dama da culinária mineira morreu na manhã desta terça (9) aos 86 anos.
Fundadora da rede de restaurantes com seu carinhoso apelido, ela levou a cozinha de seu estado Brasil afora e até em feiras no exterior. Era considerada uma das maiores representantes das receitas mineiras de raiz.
Dona Lucinha morreu de causas naturais. Estava dormindo e partiu sem sofrimento. Tinha há alguns anos mal de Alzheimer, doença que se agravou nos últimos meses e se encontrava em estágio avançado. Ela deixa o marido, José Marcílio de Moura Nunes, de 90 anos. Teve com ele onze filho — Leandro, Leonardo, Márcia, Elzinha, Antônio, José Marcílio Filho, Alcebíades Augusto, Marta Lúcia, Ana Maria, Ana Cristina e Heloísa, que lhe deram 25 netos.
Nascida na cidade de Serro em 21 de novembro de 1932, ao norte do estado, atuou como catequista, professora, feirante, quitandeira, quituteira, diretora escolar e vereadora antes de abrir o primeiro dos estabelecimentos, em Belo Horizonte, em 1990.
Dois anos depois, trouxe seus temperos a São Paulo, onde fincou bandeira na Rua Bela Cintra, nos Jardins, e na Avenida Chibarás, em Moema, a única unidade paulistana em funcionamento, desde 2003. As receitas servidas em sistema de bufê reuniam filas, principalmente aos fins de semana, nos anos 1990.
No restaurante, os preparos encontram-se divididos entre as chamadas comidas da fazenda, caldosas, como a galinha ao molho pardo e a rabada com agrião, para ser saboreadas com angu feito à moda escrava (sem sal e um pouco mais firme que o tradicional), e a da cozinha do tropeiro, com o tutu de feijão, a vaca atolada, o lombo e o torresmo. A linguiça feita na casa com molho de rapadura é um dos sucessos locais.
Empenhada em recuperar fórmulas originais do século XVIII, seus pratos com banha de porco, pouco sal e nenhuma pimenta-do-reino são preparados em São Paulo até hoje por uma equipe comandada pela chef Elzinha Nunes, filha dela.
É de Elzinha o depoimento emocionado sobre Dona Lucinha:
“Mamãe foi uma mulher que quando ninguém acreditava na comida de Minas Gerais, ela falava que o angu era importante. E a criticavam: ‘vai servir angu para as pessoas?’ Ela dizia: ‘o angu e a comida mineira de raiz não podem ser esquecidos’. Uma mulher que levou Minas para o Brasil e para o mundo. Ela tem o respeito que tem porque, além de fazer uma comida boa, também é uma mulher que a vida inteira só fez o bem para as pessoas. Só pensou em caridade. Mais uma santa no céu. Tenho muito orgulho de ser sua filha. Enquanto vida eu tiver, vou continuar com o legado de Dona Lucinha para o Brasil e para o mundo. Dona Lucinha era nossa heroína e o ícone da cozinha mineira. Minha mãe linda”.
Outro importante legado de dona Lucinha, uma senhora muito sabida, foi sua pesquisa sobre as raízes coloniais da culinária de seu estado natal, que resultou no livro História da Arte da Cozinha Mineira. A obra, lançada em 2001 com textos históricos e receitas, foi escrita em parceria com a filha Márcia, que é historiadora.
Desde aquele momento, a matriarca dos Nunes passou a dividir as atenções do público com a pioneira na pesquisa sistemática de receitas mineiras. Era Maria Stella Libânio Christo (1918-2011), uma dona de casa e catequista que ficou conhecida pelas receitas e textos de mineiros célebres como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Rubem Braga, reunidos em Fogão de Lenha — 300 Anos de Cozinha Mineira. Além desse livro, com mais de doze edições, dona Maria Stella escreveu muito outros, entre ele Fogãozinho – Culinária Infantil em Histórias Para Crianças Aprenderem a Cozinhar Sem Usar Faca e Fogo (2002), este em co–autoria com seu filho Frei Betto. Duas mineiras de fibra.
O restaurante Dona Lucinha deve voltar a funcionar na quinta (11).
Com a colaboração de Gabrielli Menezes
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