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Blog do Lorençato

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O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Manoel Beato: “O sommelier é um anfitrião que gosta de receber e servir o cliente”

Profissional do vinho há 35 anos, o titular da adega do Fasano faz um balanço de sua carreira. Leia a entrevista

Por Arnaldo Lorençato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 Maio 2024, 22h39 - Publicado em 30 Maio 2024, 22h38

Todas as noites é possível vê-lo no elegante salão do Fasano. Manoel Beato, 59, circula entre as vinte mesas com a desenvoltura dos mestres do atendimento e faz recomendações certeiras de rótulos para harmonizar com os pratos do menu.

O paulista da pequena Vera Cruz é avis rara entre os sommeliers no Brasil por sua longeva atuação somente em restaurantes. São quatro décadas de serviços prestados à gastronomia — ele começou como garçom ainda no interior em 1984 —, das quais 35 anos dedicados aos vinhos, sendo 32 deles na luxuosa casa italiana dos Jardins.

Em particular desde seu ingresso no endereço estrelado, deve ter degustado mais de 460 000 amostras de brancos, tintos, espumantes, rosés… Um fenômeno. Para se atualizar, faz, em média, três viagens internacionais por ano e visita cerca de 25 vinícolas.

Sob sua guarda, está uma adega com 4 000 garrafas que tem como exemplar mais caro o borgonha La Tâche, preciosidade da safra 1997 cotada a quase 100 000 reais — o mais barato é um Sartori Merlot por razoáveis 180 reais. Confira os principais trechos da conversa.

A pergunta que não quer calar: quantos vinhos provou até hoje?

Não me lembro exatamente a conta. São provas de cerca de quarenta vinhos por dia desde que entrei no Fasano, no começo de 1992. Preciso fazer essa conta (cerca de 467 000 amostras). Esse templo de gastronomia abriu as portas de Baco para mim. Antes, a média era um pouco menor.

Quando descobriu que ia trabalhar com gastronomia?

O vinho sempre foi o meu barato, mas não era o foco principal. Quando pensei em trabalhar na área, comecei como garçom em 1984, enquanto estudava letras (na Unesp de Assis). Deixei a faculdade para fazer um curso de garçom em Águas de São Pedro (SP). Pensando mais alto, ia ser gerente (do restaurante).

Quando vim para São Paulo, em 1986, não havia sommeliers gabaritados. Como foi o início de carreira no mundo do vinho?

Meu primeiro trabalho como sommelier foi em 1989 no (extinto) restaurante Le Bistingo, com o (chef) Michel Thénard. Estava no lugar certo e na hora certa. Nesse mesmo ano, um grupo fundou a Associação Brasileira de Sommeliers, a ABS, que montou o primeiro curso de formação profissional. Fiz e foi muito importante para a minha formação.

Qual o papel do sommelier?

Muita gente vê o sommelier como o especialista em vinhos, sobretudo como um degustador. Por definição, é o profissional que se ocupa do serviço de bebidas de um estabelecimento, das bebidas em geral. Sublinho a palavra serviço. O restaurante serve mais vinhos com a comida (do que outras bebidas) porque a diversidade é maior. E o que é o serviço? É a elaboração da carta, a escolha dos rótulos, a harmonização, que é a mais complexa de nossas atividades, a temperatura e a decantação, entre outras coisas. O vinho é muito importante no resultado financeiro de um estabelecimento. No Fasano, a margem é de 100% para os tops. Nos demais, varia de 2,5 a 3,5 vezes.

Como é o casamento que faz entre vinho e música?

Uma arte ilustra outra arte. O casamento vem da ideia de um programa que tive por quase cinco anos na rádio (Eldorado), que se chamava Adega Musical. Aí, veio a proposta de fazer o Adega Musical ao vivo. Eu e alguns músicos fazemos um paralelo para explicar, por exemplo, o que é complexidade, uma das características principais do vinho. Esse projeto rola agora uma vez por mês no Baretto (bar do Hotel Fasano, nos Jardins).

“Provo cerca de quarenta vinhos todos os dias desde que entrei no Fasano, em 1992”

Como se unem vinho e literatura, outra de suas paixões?

Minha paixão é um tanto que literária. Quando comecei a trabalhar lá atrás com restaurantes, lia muito. Lia os poucos artigos que tinham sobre vinhos nos jornais e revistas no Brasil. Ao mesmo tempo, a literatura trazia o vinho. Também na literatura francesa há sempre citações de vinhos. Sou louco por poesia. Fui fazer letras, sobretudo, por causa da poesia. Também escrevi poemas que serão postos em caixa de vinho com intervenção do artista plástico Rubens Matuck. Tanto a literatura quanto o vinho são matérias infinitas.

Qual o vinho mais surpreendente que degustou?

O Château Margaux 1900, que tem 100 pontos (pelo americano Robert Parker), em um jantar no Rio de Janeiro. E o mais velho? Um riesling de 1727. Bremer Ratskeller Rüdesheimer Apostelwein, ou o Vinho dos Apóstolos, é o mais velho vinho vivo do mundo. Ainda delicioso. Claro, talvez fosse melhor um século atrás, cinquenta anos atrás. A gente nunca sabe. Provei com um amigo, também no Rio.

Qual a relação entre vinho e luxo?

É parte do mundo do vinho, dos rótulos caríssimos. Mas vou diferenciar de outras áreas do mundo do luxo. Se pegar as artes plásticas, a arte brasileira, é como vinho, foi subindo, subindo… O que acontece é que cada garrafa é única. Você não pode ver um vinho em um museu como vê um quadro. Em relação às grifes da moda, se pode replicar. Vinho não. A produção é limitada. A boa notícia é que existem vinhos encan- tadores a preços mais baixos. Hoje, são muitas as regiões produtoras de vinho.

Como é acompanhar tudo?

Antes era fácil. Já tinha uma diversidade grande nos anos 90, mas começam a surgir novos produtores, novos métodos e a diversificação. Há vinhos em muitos países, até mesmo desconhecidos: Bolívia, Croácia… É muito difícil, mas, ao mesmo tempo, é ma- ravilhosa essa multiplicidade. A diferença do vinho para outras bebidas é a diversidade. Eles expressam uma característica cultural.

Onde estão os melhores sommeliers hoje?

Da minha época ou mesmo posterior, é raro encontrar alguém que ficou trabalhando em restaurante. Acredito que é uma questão financeira e muitos não gostam de trabalhar à noite. É aquela equação: se trabalho numa importadora, tenho folgas sábados, domingos e feriados, e ganho mais do que em um restaurante. Tenho vários amigos e amigas que abrem o próprio negócio, como bares de vinhos e restaurantes. É uma contradição. Quando eles ficam craques, o restaurante não pode pagar o que eles valem. Ouço isso da boca de vários restaurateurs. Eu, particularmente, sou louco por trabalhar em sala, não consigo viver de outra forma.

Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2024, edição nº 2894

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