O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também comanda o Cozinha do Lorençato, um programa de entrevistas e receitas no YouTube. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Bom e barato em Roma: comer como rei e pagar como plebeu
Restaurantes da capital italiana em versão econômica
Por Arnaldo Lorençato
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Atualizado em 29 jun 2022, 22h41 - Publicado em 1 dez 2013, 19h15
Estive em Roma duas vezes em menos de um ano. A última delas no fim de setembro, quando fui dar uma palestra sobre a influência italiana na culinária brasileira a convite da Embaixada do Brasil. Foi uma experiência extraordinária no Auditorium Parco della Musica, centro de artes e cultura com projeto de Renzo Piano. Havia um público local interessado em saber sobre as relações Brasil-Itália de forno e fogão pagando ingresso em uma noite de domingo.
Na semaninha que passei por lá, pude me dedicar mais intensamente à busca de refeições que chamam atenção por sua extraordinária qualidade e criatividade. A capital italiana vive um momento especial na gastronomia. Há quinze restaurantes estrelados pelo Guia Michelin que a projetam internacionalmente e a tornam rota obrigatória de todo bom garfo. Não faltam lugares a serem descobertos.
Entre os endereços que visitei pagando a conta para escrever uma matéria para a edição de dezembro de VEJA LUXO, estão o consagrado três estrelas La Pergola, na cobertura do hotel Rome Cavalieri – Waldorf Astoria Hotels & Resorts e com menu do alemão Heinz Beck. Sim, o imperador da cozinha italiana é alemão, casado com uma siciliana. Outros exemplos são o Il Pagliaccio, comandado pelo chef franco-italiano Anthony Genovese, e o All’Oro, sob as ordens do talentoso Riccardo Di Giacinto, um nome a se guardar. Essas casas têm duas estrelas e uma estrela, respectivamente. Esses, porém, são endereços para aqueles que podem e consideram valer a pena dispender uma boa soma de euros em locais consagrados.
Felizmente, Roma segue repleta de restaurantes bons e baratos. São trattorias de uma qualidade invejável cuja conta está longe de ferir a carteira – aliás, numa comparação, custam menos cifrões que algumas cantinas paulistanas. Fiz um pequeno roteiro com cinco lugares localizados além das fronteiras do circuito histórico-turístico. São casas basicamente frequentadas por moradores da cidade. Gente de câmera em punho, bermudão e mochila nas costas é raridade nesses endereços. Para chegar aos três primeiros, agradeço as dicas passadas pelo decorador romano Devid DeAngelis e pelo chef Di Giacinto. Afinal, em Roma, coma como os romanos.
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A seleção:
Hostaria Da Settimio Via di Val Tellina, 81 (Gianicolense), Monteverde
Da Settimio: osteria no distrito de Monteverde, depois do Trastevere
Primeira casa por mim visitada nessa viagem à Cidade Eterna, é uma “vera” osteria de administração familiar. Não há cardápio. Por isso, a própria dona, Carla Cremonese, se encarraga de ir às mesas e explicar o que foi preparado pelo chef Antonio Barbieri. Com charme, ela detalha cada uma das receitas. O tonarelli cacio e pepe ficará na sua memória para sempre. Nesse estilo de restaurante, é o número 1 de Roma.Pena que seja feito apenas para duas pessoas, o que limita o número de escolhas do menu. É incrível como uma massa temperada apenas com queijo pecorino e pimenta-do-reino possa ser tão boa. Dá vontade de repetir.
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Tonarelli cacio e pepe: delícia temperada apenas com queijo pecorino romano e pimenta
Só não fiz isso porque antes provei o duo de fritos: uma deliciosa flor de abóbora com aliche e o suppli al telefono, o bolinho de arroz cheio de queijo ao estilo romano. Também pedi o feijão-branco com sálvia e molho de tomate acompanhado de lascas de massa de pizza quentinhas. Bem, guardei lugar para o tiramisu, sobremesa oficial em todos os restaurantes econômicos em que estive. Dica fundamental para se dar bem no Da Settimio: faça reserva. A casa lota. E não estranhe. As mesas são coladas umas às outras. Portanto, você dividirá o momento com quem se sentar a seu lado. Outra coisa, não adianta insistir, há apenas um copo para a água e para o vinho. Você pode até pedir para o garçom, mas com gentileza ele responderá que é assim que se faz em Roma. De longe, este foi o lugar que fiquei mais tentado a voltar. Com uma vantagem, a conta para dois com um Chianti Classico saiu por 44 euros. Para chegar, tome o tram # 8 no ponto inicial da Piazza Venezia e desça na parada Gianicolense-Ravizza. Caminhe em seguida um par de quadras e encontrará o restaurante.
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Flor de abóbora: empanada e recheada de aliche mais mussarela
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Tiramisu: no cardápio de quase todo restaurante romano
Pequeno salão: concorrido todas as noites
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Dica essencial: não apareça sem reserva, porque a casa lota
O barato de Roma: jantar com vinho para dois por 44 euros
Tanto pe’ magna’ Via Giustino de Jacobis, 9/15, Rione Garbatella, Metrô Garbatella
Tanto pe’ magna’: atração no belo bairro de Garbatella
Vá cedo, sem pressa. E de metrô. Salte na estação Garbatella e conheça o emaranhado de ruas sinuosas que compõe o charmoso bairro erguido entre os anos 1920 e 1930 cujo traçado tem como inspiração as cidades jardins inglesas, a mesma concepção adotada pela Companhia City em São Paulo para criar bairros paulistanos como Pacaembu, Jardim América e City Lapa. Só que o estilo dos prédios de moradia popular com três ou quatro andares é conhecido como barrochetto romano. Não será difícil encontrar o Tanto pe’ magna’, um local simples e com só duas salinhas. Confesso que não fiz reserva para o almoço e me dei bem.
Pappardelle ao molho de tomate: de tempos em tempos no cardápio
O cardápio muda todos os dias e é anotado em um pequeno quadro-negro que fica sobre cada mesa. Provei duas massas, o linguine à romana e o pappardelle ao molho de tomate. Em seguida, pedi o aromático coelho ao alecrim. Curioso aqui é que o copo de água só é o mesmo quando se escolhe o tinto da casa. Como pedi para desarrolhar um Morellino di Scansano, tive direito a uma taça “especial”. Confira na foto. A conta deu 63 euros com duas massas, dois pratos de carne e duas guarnições. Apenas uma massa ou uma carne são suficientes. Com a redução do pedido, os gastos para dois sairiam por 50 euros.
Na mesa: pratos anotados em uma lousa
Ambiente apertadinho: duas salas para as refeições
Coelho à caçadora: aroma de alecrim
Copo para água e taça de vidro pesadona para tinto: privilégio de quem pede os melhores vinhos da casa
Da Cesare al Casaletto Via del Casaletto, 45 (Casaletto), Monteverde
Da Cesare al Casaletto: antiga trattoria de bairro com novo chef desde 2009
Era para ser apenas uma antiga trattoria de bairro aberta nos anos 1960, com salão espaçoso e próxima a uma grande avenida, a Circonvallazione Gianicolense. Esse cenário começou a mudar em 2009, quando o chef e sommelier Leonardo Vignoli e sua mulher, Maria Pia, compraram a casa. Embora o cozinheiro tenha passado por vários restaurantes importantes da França e da Itália, ele resolveu fincar o pé na tradição. Vignoli não se arriscou em modernizar o cardápio, manteve-se preparando clássicos de uma maneira contemporânea: com mais leveza e intensidade de sabor. Servidos em cone de papel, ele faz uma seleção de fritos sequinhos. A gula nos impele a comer tudo. Segure a onda e, se for em dois, peça o totani (nome dado às lulinhas bebês) e os filezinhos de aliche. Em seguida, o maltagliati de frutos do mar ou o igualmente ótimo espaguete ao vôngole.
Espaguete ao vôngole: massa que fica na memória do paladar
Dizem que a dobradinha, o involtine de carne, o nhoque frito ao cacio e pepe também são muito bons. Ficam para outra vez. Em dias de calor, como no almoço da minha visita, escolha um lugar sobre o bonito pergolado coberto por parreiras. E tenha um pouco de paciência, já que o serviço é meio demorado. Os gastos, sem bebida alcóolica, ficam em torno de 30 euros por pessoa. Aqui vale investir no vinho. Pedi o Manincor Pinot Bianco Eichhorn 2012, a 24 euros. Para quem quer conhecer um pouco mais dos vinhos da região do Lazio, Vignoli recomendou o Cirsium di Olevano Romano Cesanese 2008, produzido pelo jovem Damiano Ciolli na vinícola fundada por seu pai, Costantino, a 40 quilômetros de Roma. Para ir ao Da Cesare al Casaletto, embarque no tram #8 na Piazza Venezia e aprecie toda a paisagem do Trastevere e depois de Monteverde. A parada é no ponto final, do qual se avista o restaurante.
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Cone com anéis de lula: macios e sequinhos
Maltagliati com frutos do mar: frescor dos pescados
Manincor Pinot Bianco Eichhorn 2012: produzido no Alto Adige
Tinto do Lazio: Cirsium di Olevano Romano Cesanese 2008, elaborado a 40 quilômetros de Roma
Leonardo Vignoli: chef, sommelier e proprietário, responsável pelas ótimas receitas
Varanda charmosa: coberta por parreiras cheias de uvas
Crilè – Cucina ai Parioli Viale Maresciallo Pilsudski 44/46, Parioli
Margherita: versão individual como em toda a Itália
Atrás da Villa Borghesi localiza-se o charmoso Parioli, bairro cheio de encantos. É ali que fica, por exemplo, o Auditorium Parco della Musica, conjunto de edifícios com desenho de Renzo Piano dedicados a abrigar shows, mostras e outras atividades culturais e de lazer. Foi lá que dei minha palestra sobre a influência da italiana na gastronomia brasileira, a qual me referi no texto de abertura deste post. Uma quadra acima fica a Viale Maresciallo Pilsudski com entrada para o Parque de Villa Glori, conhecido no passado como Parque da Rimembranza e com 25 hectares de área verde. É um lugar lindo para um piquenique. Essa mesma rua Maresciallo Pilsudski vai mudando de nome e forma uma guirlanda de atraentes restaurantes. A pizzaria Crilè é ideal para não gastar muito e o ponto certo para pedir uma margherita sobre massa fina muito benfeita. A versão individual, como se faz na Itália, de mussarela de búfala custa por 8 euros. Uma pechincha! Bem, se a fome for maior, peça de entrada o sformato di melanzana, um desenformado de benrijela. Com ponto de partida na região da Piazza Del Popolo, tome o ônibus Roma-Viterbo em direção à Montebello na parada Flaminio, junto ao metrô Flaminio. Salta na parada Euclide e caminhe 300 metros para chegar ao restaurante.
Sformato di melanzane: saborosa entrada feita de berinjela
Ambasciata d’Abruzzo Via Pietro Tacchini 26, Parioli
Ambassiata d’Abruzzo: salão com cara de antigamente
Considerada bib gourmand pelo Michelin, ou seja, bom e barato na versão do guia francês, esta trattoria não chega a ser tão em conta quanto as anteriores. Mas valeu cada centavo de meu investimento, uma média de 37 euros por pessoa sem bebidas alcoólicas. No mesmo Parioli da Pizzaria Crilè, um charmoso e caro bairro residencial, a casa de jeitão old-fashioned, ou all’antica como diriam os romanos, foi aberto em 1960 e segue até hoje sob administração familiar. Logo na entrada, há uma mesa de antepastos, como aquela do Famiglia Mancini, só que não por quilo, mas por porção escolhida. Contenha-se ou os cifrões se multiplicarão na sua nota fiscal e as calorias ingeridas reverberarão na sua cintura. Aqui, a dica é pedir massa mais prato de carne. Minhas sugestões são o bucatini à amatriciana, a lasanha clássica, o gigantesco porquinho de leite e o saltimbocca alla romana, todos campeões.
Bucatini à amatriciana: uma das massas mais pedidas do cardápio
Em vez de tiramisu, vá de zuppa inglese cuja apresentação antiquada é para lá de divertida. A média de gastos é de 40 euros. Boa carta de vinhos, com Morellino di Scansano Rocca delle Maciè por 18 euros. Tendo como ponto de partida a Piazza del Popolo, tome o ônibus Roma-Viterbo em direção à Montebello na parada Flaminio, junto ao metrô Flaminio. Desça na Piazza Euclide e caminhe 550 metros em direção ao restaurante.
Entrada do restaurante: menu de receitas tradicionais e serviço gentil por garçons veteranos
Saltimbocca alla romana: bifinho de vitela coberto por presunto cru
Porquinho de leite: pernil gigante e com osso na companhia de batata
Zuppa inglese: variação de pavê com creme pâtissier coberto por chantili e fios de calda de chocolate
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