SPTuris encontra projeto histórico de Flávio Império do Carnaval de 1984
Descoberta veio em meio à mudança do acervo e ainda traz um poema do autor; decoração foi montada na Avenida Tiradentes, sede da folia na época
Era um documento exótico em meio às papeladas da burocracia municipal: uma planta arquitetônica que, além dos desenhos e detalhes técnicos, trazia um poema do arquiteto. O autor era o artista plástico, cenógrafo e arquiteto paulistano Flávio Império (1935-1985), figura reverenciada por gente da importância de Maria Bethânia, Zé Celso Martinez Corrêa e Paulo Mendes da Rocha. No projeto, ele apresentava a decoração do Carnaval de 1984, montado na Avenida Tiradentes, que serviu de sede para a festa até a abertura do Sambódromo do Anhembi, em 1991.
A planta surgiu em uma recente mudança do acervo histórico do Carnaval. Ele ficava na antiga sede da SPTuris (empresa de turismo da prefeitura), no Anhembi, em reforma desde a concessão à gestão privada, em 2021. Os versos são uma explicação do projeto: “O que mais determinou a solução escolhida, foi / a magreza da verba, / a pressa da encomenda / e, claro, o brilho exigido / por todo e qualquer sambista”.
A “magreza da verba” era típica dos desfiles do período. “A própria Paulistur não sabe quanto vai custar a festa. O presidente interino Edson Dezen (no lugar de João Doria Junior, em férias novaiorquinas) (diz que) pode chegar a 700 milhões de cruzeiros (11 milhões de reais atuais), 200 milhões a menos que no ano passado”, dizia uma reportagem da Folha de S.Paulo. A “solução escolhida” foi aproveitar a estrutura da arquibancada para inserir pórticos com lâmpadas coloridas na avenida — brancas, amarelas e vermelhas. O arquiteto teve uma semana, daí “a pressa da encomenda”.
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“Era o jeito do Flávio, transformar o dia a dia em poesia. Se você perguntasse como anda um projeto, ele diria que ‘as abóbodas pululam no espaço’”, conta o pintor e arquiteto Claudio Tozzi, 79, que o convidou para o trabalho. “Ficou muito bonito. O Carnaval de São Paulo não era rico, mas ele fazia milagres no teatro e fez na avenida”, diz o cineasta Cao Hamburguer, 61, sobrinho de Flávio e integrante da Pérola Negra no desfile de 1984.
Nascido no Bixiga, Flávio formou-se na FAU-USP, onde seria professor. “Devo muito do arquiteto que sou a ele”, disse Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) em depoimento à Ocupação Flávio Império, feita no Itaú Cultural em 2011. Além da arquitetura, consagrou-se como cenógrafo de shows e teatro.
Criou cenários e figurinos simples e arrebatadores para peças como Morte e Vida Severina (1960), Um Bonde Chamado Desejo (1962) e Roda Viva (1968). “Passei a ter uma visão de teatro completamente diferente após trabalhar com ele”, disse Zé Celso (1937-2023), no mesmo vídeo. “É um luxo para uma cantora ter sete cenografias e figurinos do Flávio. Daqui a 100 anos, ele será uma referência importantíssima”, afirmou Bethânia.
Vítima precoce da aids, aos 49 anos, hoje ele dá nome a um teatro no bairro de Cangaíba, na Zona Leste.
Publicado em VEJA São Paulo de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878