Ranking de subprefeituras: quais são as mais e menos eficientes
Junto à avaliação, o Instituto Orbis realizou uma pesquisa sobre a percepção dos paulistanos das regionais - e 90% desconhece o responsável de sua área
A frase é verídica: “Ser subprefeito é muito melhor do que ser vereador. Não tem de fazer campanha, as pessoas abrem as portas do carro para você e ainda o chamam de doutor”. A anedota, relatada no início do século por um ex-regional da gestão de Marta Suplicy (PT) que exerceu as duas funções, é um simples exemplo da importância local que um subprefeito desperta. Ou melhor, despertava.
Hoje, de cada dez paulistanos, nove não sabem o nome do principal representante do seu distrito — são 96 pela metrópole, geridos por 32 subprefeituras. Os dados foram colhidos pelo Instituto Orbis de Pesquisa, a pedido da Vejinha, e mostram também que a maior parte das regionais, se estivesse na escola, não passaria de ano ou passaria raspando. A nota média dada pelo paulistano à sua respectiva subprefeitura é de 4,6 (veja a pesquisa ao final da reportagem).
Principais braços e ouvidos da administração municipal, as subprefeituras são o primeiro contato do munícipe com o poder público. É pelas regionais que costumam pintar as demandas que aparecem na porta da casa do paulistano, seja por um buraco nos mais de 17 000 quilômetros de vias pavimentadas, seja por algumas das mais de 620 000 árvores catalogadas que insistem em irromper nos céus no meio do caminho do ir, do vir e do olhar. Ou seria o crescimento desordenado da cidade a atrapalhar o ir e vir das folhas e copas?
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As duas queixas (buraco e árvore), aliás, são as mais feitas pela população atualmente. Com base no cumprimento ou não dessas e outras demandas de zeladoria, Vejinha elaborou um ranking de produtividade das subprefeituras.
A classificação se fundamenta nos chamados abertos, encerrados e pendentes no sistema 156, o principal canal de comunicação da prefeitura com o cidadão, para mostrar as regionais mais ou menos eficientes nos serviços prestados. O modelo leva em conta um relatório mensal produzido pela prefeitura e cruza dados específicos de temas como conservação de galerias e de logradouros, limpeza de córregos e remoção e poda de árvores.
Essas últimas informações pertencem ao Sistema de Gerenciamento de Zeladoria (SGZ), enviadas aos coordenadores de cada regional e obtidas pela reportagem. Entre janeiro e agosto deste ano, três subs figuraram oito vezes como as menos eficientes, ou seja, com mais estoques pendentes de demandas: Itaim Paulista, Itaquera e Pirituba. O trio é seguido por Campo Limpo, Ipiranga, Lapa, Penha e Santo Amaro, que figuraram nas dez posições mais baixas da tabela por sete vezes. Completam a relação Vila Mariana e Mooca, com cinco “indicações” (veja os detalhes do ranking das menos eficientes no quadro abaixo).
AS DEZ MENOS EFICIENTES
Esse último distrito, em agosto, liderou o número de pendências não resolvidas de podas e remoções de árvores. Com 927 serviços em estoque, a região ficou sem nenhuma equipe para os trabalhos por cinco meses, período em que as demandas reprimidas saltaram 36%. “Tivemos problemas com a empresa contratada, que abandonou os trabalhos a partir de março, mas há um mês outra empresa está no lugar”, afirma o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Alexandre Modonezi.
No último mês, o subprefeito José Rubens Domingues Filho foi demitido e deu lugar ao coronel reformado da PM Danilo Antão Fernandes. A troca ocorreu por problemas de gestão no Brás, área de maior comércio popular da América Latina, mas também pelos trabalhos pendentes solicitados pelos munícipes.
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Independentemente do motivo da demissão do regional da Mooca, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou em julho que o ranking pode, sim, ser fator determinante para a continuação ou não de um trabalho. “O que temos dito é que tem de ir bem. A gente não está fazendo ranking para não fazer nada. Tenho falado para ficarem de olho no ranking, porque não vamos perdoar quem não desenvolver um trabalho bacana.”
No entanto, os dados que servem para a prefeitura avaliar internamente como estão os trabalhos dos subs não levam em conta as idiossincrasias locais. Uma região bastante arborizada e que possui grande estoque de pendências de poda, por exemplo, compete igualmente com uma área menos arborizada. Outro exemplo: trabalhos mais longos, como limpezas de córregos e piscinões, só são baixados quando terminam. Por essas e outras, o prefeito estuda a criação de novas métricas.
Enquanto isso não ocorre, os onze primeiros da lista atual no quesito produtividade podem ficar sossegados nos seus gabinetes. A primeira colocação é dividida entre cinco subprefeituras que figuraram oito vezes entre as mais eficientes, entre janeiro e agosto. São elas: Cidade Tiradentes, Jabaquara, Jaçanã, Parelheiros e Perus.
São Miguel e Sapopemba dividem a segunda posição, com sete aparições no topo, seguidas por Vila Prudente e Ermelino Matarazzo (seis) e São Mateus e Guaianases (quatro). A despeito do ranking das subprefeituras mais e menos capacitadas em desempenhar a função, no geral, a prefeitura afirma que tem diminuído o tempo médio para a solução das demandas e, consequentemente, o volume médio do estoque.
Em janeiro de 2017, a cidade possuía 210 572 solicitações de zeladorias não atendidas. Em julho de 2021, o número baixou para 12 380, uma diminuição de 94%, apesar de nem sempre essa ser a percepção por quem passa pelas vias centrais e periféricas da metrópole. De qualquer forma, um dos motivos para a melhora na resolução das solicitações, segundo o secretário Modonezi, foi a criação do Sistema de Gerenciamento de Zeladoria, em maio de 2019, que digitalizou os diferentes processos de trabalho.
Hoje, o tempo médio para um tapa- buraco, por exemplo, é de cinco dias após o recebimento da demanda, contra 121 dias há quatro anos. O manejo de árvores em área pública, que levava 507 dias, está, em média, em 78. Limpeza de praças e canteiros centrais (de 160 para dezoito dias), manutenção de guias e sarjetas (292 dias para 31) e reforma de galerias de águas pluviais (243 para 27 dias) também estão na lista.
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No caso dos buracos nas ruas, o maior problema dos bairros segundo a pesquisa do Instituto Orbis, a demanda pelo serviço no 156 saltou de 17 700 entre abril e junho do ano passado, para 32 700 no mesmo período de 2021, um crescimento de 90,5%. Só em agosto, a demanda foi de 12 307. Para dar conta do recado, o secretário Modonezi diz que conseguiu otimizar as etapas do processo de reforma contratando 34 motoboys.
“Eles vão atrás dos buracos, após o recebimento da demanda, e fazem a pré-vistoria”, afirma o responsável pela pasta. A vistoria, na verdade, são fotos que comprovam ou não a necessidade de reparo. O trabalho ganha celeridade, pois antes era necessária uma fiscalização in loco de um agente municipal, que precisava ir de carro aos pontos.
Outra questão que agilizou os procedimentos de tapa-buraco veio após um acordo com o Tribunal de Contas do Município. Anteriormente, cada serviço realizado precisava ser inspecionado pessoalmente. Com a criação de um sistema integrado com as empresas e a prefeitura, as análises são feitas por fotos, respeitando alguns quesitos, como marcações de medidas e altura do asfalto, que podem ser conferidas de forma digital.
Outra novidade, ainda em estudo, é a colocação de câmeras e sensores em carros de aplicativos, em parceria com universidades, para verificar a trepidação do veículo e, consequentemente, a qualidade do asfalto, seja novo ou antigo. As tecnologias e os números classificados como positivos serão postos à prova a partir deste mês, período em que as chuvas começam a aparecer e a causar transtornos aos paulistanos.
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Enquanto a secretaria comemora números, as subprefeituras colecionam cada vez mais reduções de verbas no Orçamento. Em 2015, as três regionais com mais demandas reprimidas atualmente possuíam verbas muito maiores para tocar seus projetos. Itaim Paulista (38,2 milhões de reais em 2021), Itaquera (45,2 milhões) e Pirituba (44,7 milhões) tinham em 2015 o dobro de valor em caixa. Um dos motivos para a supressão de recursos foi a redução de atribuições regionais, como gestão de contratos de asfaltos, que passaram a ser tocados pela Secretaria das Subprefeituras.
A mudança foi na contramão do que pregava a então prefeita Marta Suplicy, que assinou o decreto de criação das subprefeituras em 2002. Anteriormente chamadas de administrações regionais, as “filiais” da prefeitura ganharam autonomia, orçamento próprio e poder de decisão e de execução de obras, inexistentes no modelo anterior.
Porém, ao longo das gestões, cada prefeito da vez alterava de forma significativa o modo de atuação dos setores regionais, incluindo o perfil dos subprefeitos. No início da gestão de José Serra (PSDB), em 2005, os subprefeitos, em sua maioria, eram ex-prefeitos tucanos de cidades médias. O argumento era de que eles entendiam bem a gestão pública, mas a medida esbarrou em questões básicas de conhecimento de territórios.
No governo seguinte, de Gilberto Kassab (PSD), entraram os coronéis reformados da Polícia Militar, para dar um “choque de ordem” nas regionais. Nos dois casos as promessas foram de que não haveria mais indicação de vereadores para os cargos de subprefeitos. As medidas não prosperaram na gestão de Fernando Haddad. O petista, aliás, propôs a criação de eleições diretas para o cargo de subprefeitos, o que também não foi adiante.
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No governo de João Doria, as subprefeituras viraram prefeituras regionais, sob o argumento de que o termo “sub” remete a algo menor. “Quando você fala subprefeito, subprefeitura, você também traduz isso em sub povo, sub bairros e sub orçamentos. Nós não queremos isso”, afirmou em 2016 o então candidato e hoje governador de São Paulo.
Antes do primeiro turno de 2016, Doria chegou a falar que a cidade era um “lixo vivo”. A mudança no nome não prosperou por muito tempo. Em agosto de 2018, já sob comando de Bruno Covas, as antigas subprefeituras retornaram ao organograma municipal. O motivo é que o decreto de Doria foi classificado como irregular, por se tratar de uma alteração na Lei Orgânica. Nesse caso, qualquer mudança precisava ser feita via Projeto de Lei.
Com tanta alteração, o propósito inicial de descentralização não é mais cumprido, tirando autonomia dos regionais também em questões sociais, por exemplo. “Hoje tem problema sério de população de rua. Não é mais só no centro ou na Santa Cecília, é na cidade toda. Na Rua Vergueiro, o canteiro central perto da Estação Ana Rosa do metrô virou uma favela. Será que o subprefeito não teria de ter do lado dele uma conexão com saúde, educação e assistência social? O problema é territorial”, questiona o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas.
Por essas e outras que os subprefeitos, que perderam relevância e atribuição nos últimos anos, são os primeiros a ser cobrados e os últimos a ser lembrados. “Uma maioria que não sabe quem é o subprefeito é menos gritante que pouco mais da metade dos entrevistados sequer compreender as funções de uma subprefeitura”, afirma o presidente do Instituto Orbis de Pesquisa, Fausto Camunha.
“Será que o subprefeito não teria de ter do lado dele uma conexão com saúde, educação e assistência social?”
Marco Antonio Teixeira
O que não mudou desde os anos 70 foi a indicação e a atuação maciça dos vereadores nas regionais. Dos subprefeitos aos chefes de gabinete, passando por agentes e fiscais, a influência de parlamentares é uma das caixas-pretas da cidade.
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Publicado em VEJA São Paulo de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758