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Funcionários da Câmara recebem três vezes mais que prefeito

Entre os superassalariados está um garçom que ganha 14 000 reais da Casa

Por Mariana Zylberkan e Adriana Farias
Atualizado em 3 fev 2017, 22h00 - Publicado em 3 fev 2017, 22h00
Foto: Alexandre Battibugli) (/)
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Décadas de concessão de gratificações, abonos e adicionais variados transformaram a Câmara dos Vereadores de São Paulo em uma fábrica de holerites recheados. A farra de benefícios — ainda que previstos em lei, diga-se — faz a casa gastar mais da metade do orçamento anual, de 600 milhões de reais, com o salário de 2 020 funcionários.

Pelos corredores do Palácio Anchieta, não é incomum esbarrar em servidores que usufruem rendimentos até vinte vezes maiores que os praticados no mercado. Mais absurdo, 192 deles, ativos ou mesmo aposentados, recebem valores mensais superiores ao teto de 24 100 reais do funcionalismo municipal, estipulado com base na remuneração do prefeito.

Somente para manter essa seleta comitiva, cerca de 80 milhões de reais saem todo ano dos cofres da capital. Ou seja, 10% dos empregados do Palácio Anchieta abocanham quase um quarto da folha de pagamentos.

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O motorista José Paulo recebe 13 100 reais da Câmara Municipal (Foto: Alexandre Battibugli) ()

De tempos em tempos, surgem tentativas para acabar com a distorção. Todas inevitavelmente naufragam na burocracia ou em disputas judiciais. O assunto voltou à baila nas últimas semanas. Eleito em 1º de janeiro para o cargo de presidente do Parlamento municipal, o vereador Milton Leite (DEM) assinou na primeira semana de mandato um ato com o objetivo de limitar todos os salários ao teto.

Para isso, intimou os beneficiários dos vencimentos mais altos a justificar a bolada extra até o fim deste mês. A ideia é que, após o Carnaval, ninguém receba acima do máximo permitido pela Constituição. Se a regra for realmente aplicada, a administração poderá economizar até 25 milhões de reais por ano.

Entre os dez maiores salários, nada menos que seis são pagos a procuradores legislativos, profissionais submetidos ao teto do Judiciário, um pouco maior, de 30 470 reais. Ainda assim, todos embolsam quantias bem superiores a isso. Trata-se justamente dos funcionários responsáveis por analisar hipotéticas mudanças no regimento interno. Como emitir um parecer favorável à criação de um novo tipo de gratificação. É evidente que isso ajuda a explicar a perpetuação do quadro.

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O operador de máquinas copiadoras Celio Aparecido Padilha, que recebe 13 000 reais por mês (Foto: Leo Martins) ()

O líder da lista é o atual secretáriogeral parlamentar, Breno Gandelman, cujo rendimento bruto é de 62 100 reais ao mês. “Comando uma equipe de 200 pessoas e ocupo o cargo mais alto da Câmara, sem contar os vereadores”, explica ele, há 24 anos na casa. “Nosso Legislativo oferece uma estrutura estável para trabalhar, o salário faz parte disso e espelha o desempenho que obtive na carreira.”

Seu adjunto — e vizinho de sala no prédio do Viaduto Jacareí, no centro —, Raimundo Batista ocupa a segunda posição do ranking de maiores salários, com 62 000 reais mensais. O terceiro colocado da lista é o consultor técnico João Bezerra de Menezes, atual secretário de contabilidade, que recebe 59 200 reais.

No ano passado, ele recorreu à Justiça e obteve uma liminar para evitar um corte de 30% em seu salário, numa das ações da mesa diretora cujo intuito era domar os contracheques disparatados. “Correr atrás de advogado para recompor os rendimentos é normal na vida de um funcionário público”, conta ele, que bate ponto por ali desde os anos 80.

COMO INFLAR O HOLERITE
Penduricalhos podem dobrar os vencimentos

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SALÁRIO* Quinquênio Sexta parte Cargo de chefia Diploma de pós-graduação Gratificação
por trabalho em comissões
Abono de
permanência
TOTAL
20 085 reais 5 549 reais
(aumento a cada cinco anos)
4 272 reais
(bônus após vinte anos)
9 654 reais
(no mínimo um ano no posto)
8 548 reais
(mestrado
ou doutorado)
2 403 reais
(mínimo de dez no mês)
2 209 reais
(continuar na ativa com idade para se aposentar)
52 720 reais

*Simulação para um consultor técnico com trinta anos de carreira

Os campeões não recorrem aos tribunais apenas para manter o holerite intacto. Alguns obtiveram decisões judiciais favoráveis para retirar seu nome do site Transparência da Câmara, em que estão publicados os rendimentos de todos os empregados. Um deles trabalha na Secretaria de Infraestrutura como uma espécie de zelador do Palácio Anchieta, com a responsabilidade de fiscalizar podas de árvores e outras questões prediais.

Admitido como auxiliar administrativo por meio de concurso público em janeiro de 1982, ostenta hoje um salário de 56 600 reais. Em dezembro, no entanto, por causa do pagamento de retroativos, recebeu 80 300 reais.

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Antônio Soares de Souza recebe 13 900 reais para servir cafés no Palácio Anchieta (Foto: Alexandre Battibugli) ()
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Ele e outros servidores ganham bem acima dos vereadores, teoricamente seus “chefes”, agraciados com 15 000 reais. As estrelas da casa, no entanto, têm direito a outras verbas mensais, como a de 143 000 reais para contratar até dezessete assistentes e a de 22 000 reais para despesas cotidianas.

Às vésperas do Natal, uma sessão no plenário aprovou um aumento de 26% para os parlamentares, o que elevaria seus vencimentos para 19 000 reais. A medida acabou barrada por liminar, e a Câmara recorreu. O caso encontra-se na 13ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado, sem previsão de julgamento.

A lista de salários graúdos do Legislativo municipal inclui ocupantes de cargos menos especializados, como ascensoristas, garçons, motoristas e engraxates (confira algumas histórias nos quadros ao longo da reportagem). Na Câmara há 32 anos, o fiscal de garagem Benevenuto Theodoro Neto embolsa 15 400 reais. Estacionamentos privados da capital costumam oferecer 1 500 reais por um posto idêntico. Até pouco tempo atrás, ele trabalhava em dias intercalados, com turnos de doze horas de vigília por 36 de descanso.

O esquema, que vigorou em toda a sua carreira no local, foi alterado em agosto do ano passado. Agora, ele precisa cumprir expediente diário. “Era melhor antes, porque eu tinha mais tempo livre para fazer minhas caminhadas e exercícios”, lamenta.

Ainda que os salários-base de cada carreira — aqueles estipulados no edital do concurso público — estejam sempre nos limites constitucionais, a remuneração acaba sendo elevada ao longo dos anos com a incorporação de diversos penduricalhos, todos também devidamente garantidos pela legislação (veja o quadro na página 22). Não há consenso jurídico sobre se esses abonos devem ser considerados parte do salário e, portanto, estar sujeitos ao teto.

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A imagem mostra MIlton Leite, sentado inclinado para frente em uma poltrona, com cara séria
Milton Leite, Presidente da Câmara dos Vereadores de São Paulo afirma que cumprindo a lei, a distorção vai acabar (Foto: Alexandre Battibugli) (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Quem recorre à Justiça para mantê-los costuma ganhar a causa. A Câmara paulistana também está longe de ser o único órgão do setor público com essas “liberdades”. O Judiciário é a esfera que concentra mais casos de remuneração acima do teto. Em São Paulo, alguns juízes costumam embolsar 52 000 reais.

O adicional mais comum na Câmara é por tempo de serviço, como os quinquênios (aumentos regulares a cada cinco anos de vínculo empregatício) e a chamada sexta parte (bônus pago a quem completa vinte anos de carreira). Outra gratificação polpuda é aquela resultante de um cargo de chefia. Há situações em que o aumento no salário chega a ser de 150%, como no caso do secretário-geral administrativo.

O detalhe é que quem assume o comando de um setor e passa pelo menos um ano ali garante o benefício eternamente. Isso produz o fenômeno do “rodízio de chefes”, em que vários funcionários de uma área preenchem o cargo ao menos uma vez, de forma que todos embolsem a grana extra. Há incrementos também para quem conclui o ensino superior ou uma pós-graduação.

Desde o ano passado, o motorista José Paulo da Silva ganha 1 800 reais a mais, perfazendo um salário de 13 100 reais, por ter finalizado uma faculdade de história. Finalmente, muitos servidores abrem mão da aposentadoria e continuam na ativa. Para corrigir isso, catorze funcionários com mais de 75 anos foram exonerados em 26 de janeiro e outros dezesseis devem ser desligados em breve.

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Procurador legislativo com 25 anos de casa recebe 62 100 reais de salário bruto (Foto: Reprodução/Facebook) ()

Não é a primeira investida da Câmara contra os supersalários. Em 2011, o então presidente da casa, José Police Neto (PSD), publicou ato para exterminar todos os vencimentos acima do teto, o que resultou em economia de 20 milhões de reais naquele ano. A medida foi revogada em 2013 por José Américo (PT). Em junho do ano passado, seu colega de partido Antonio Donato, ao assumir a chefia da Casa, determinou mais uma vez o corte de 229 salários que então excediam o teto.

Um mandado de segurança obtido em dezembro por 192 servidores anulou a decisão, sob a alegação de que não foi oferecida oportunidade de defesa. Outros órgãos também se juntaram à cruzada da Câmara. Desde novembro, o Tribunal de Contas do Município investiga os funcionários com cargo de chefia, mas sem ensino superior.

No mesmo mês, o Ministério Público abriu um inquérito para apurar a existência de rendimentos que sejam “incondizentes com a função exercida”, segundo o texto do promotor Valter Santin. Agora, Milton Leite tentará moralizar de vez a situação. “A partir de março, vamos cumprir a lei e acabar com essa distorção”, promete.

 

CHEQUE GORDO NO PAGAMENTO

Historiador na garagem
Com 13 100 reais de salário bruto, o motorista José Paulo da Silva, de 62 anos, é o líder de sua categoria na Câmara. E, com certeza, também um dos mais bem remunerados da capital por essa função — a média do setor gira em torno de 1 400 reais. Boa parte de seus vencimentos é obtida com adicionais por tempo de serviço — está há 36 anos na casa.

Trabalha em dias alternados das 7 às 17 horas. Na maior parte das vezes, a rotina consiste em levar e buscar documentos. Seu holerite ganhou um incremento de 1 800 reais em 2016, quando concluiu uma graduação em história. “Vim do Nordeste para trabalhar na cidade. Acho uma realização muito grande chegar à faculdade.”

Nem Alex Atala ganha tanto
A média salarial de um garçom em São Paulo é de 1 200 reais. Ainda que o profissional trabalhe em um ícone da gastronomia paulistana, como o D.O.M., de Alex Atala, seu contracheque não passará de 4 500 reais. Há trinta anos no ramo, Antônio Soares de Souza recebe 13 900 reais por mês para servir cafezinho nos corredores do Palácio Anchieta. “Tenho formação técnica em gastronomia e, às vezes, preparo almoços e jantares para os vereadores”, justifica.

O xerox mais caro da cidade
Aos 53 anos de idade e com trinta de carreira, o operador de máquina copiadora Celio Aparecido Padilha recebe 13 000 reais por mês. Com a digitalização de boa parte dos documentos, o cargo correria risco de extinção. Assim, ele diversificou suas tarefas. “Ajudo na elaboração de folhas de ponto e transfiro dados de vereadores para a internet.”

Contracheque campeão
Atual secretário-geral parlamentar, o mais alto cargo da Câmara, afora o de vereador, o procurador legislativo Breno Gandelman recebe também o maior salário bruto da casa, de 62 100 reais. “Tenho 25 anos de carreira e oriento mais de 200 funcionários na produção das leis, a atividadefim do Parlamento”, diz, para justificar a bolada mensal.

Sobe o salário
O ascensorista Aristides Saturnino de Paula arrecada 10 800 reais por mês, após 39 anos somando benefícios. Profissionais do tipo trabalham nos elevadores privativos de vereadores e nos de carga.

 

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