Ana Paula Padrão faz sucesso no ‘MasterChef’ após deixar telejornais
Apresentadora vai embolsar 1,8 milhão de reais na Band até o fim do ano e está fechando contrato para a terceira temporada do reality gastronômico
Todas as noites, antes de se deitar na cobertura dúplex onde vive, nos Jardins, Ana Paula Padrão toma seis gotas de Rivotril. “Só assim consigo desligar a cabeça e dormir”, justifica. No fim de 2013, ao acordar de mais uma noite de sono induzido, acabou ingerindo novamente o tranquilizante, no lugar de um remédio para sinusite. Só percebeu o equívoco quando era tarde e seguiu “em marcha lenta” para o compromisso do dia: um café com o argentino Diego Guebel, diretor artístico da Band, em uma padaria do Itaim.
“Eu estava extremamente zen, fora do meu estado normal, achando tudo lindo”, recorda ela, que havia deixado o Jornal da Record oito meses antes sob a promessa de nunca mais apresentar um noticiário. Foi assim, um tanto insólito, o primeiro de uma série de contatos formais com a emissora do Morumbi, na qual a jornalista que coleciona aventuras em países perigosos como o Afeganistão assumiu um dos maiores riscos de sua carreira: tornar- se apresentadora de um reality show gastronômico, o MasterChef, que virou o principal sucesso do canal em anos.
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Criado na TV inglesa, nos anos 90, o programa ganhou fôlego ao ser relançado, na mecânica atual, na década seguinte, e desde então tem versões bemsucedidas em todo o mundo, da China à Albânia. Consiste em uma competição de amadores com sonho de se tornar chef — os principais prêmios para o vencedor são 150 000 reais, um Fiorino com bagageiro refrigerado e uma bolsa de estudos na escola Le Cordon Bleu, em Paris.
Os três jurados são nomes consumados nas panelas paulistanas, que fazem, cada um a seu modo, o papel de carrasco: o francês Erick Jacquin (Tartar&Co), que leva o público às gargalhadas com tiradas sarcásticas, a argentina Paola Carosella (Arturito), a mais didática do trio, e Henrique Fogaça (Sal Gastronomia), o bad boy de coração mole. As provas vão de fazer uma simples torta de maçã a matar caranguejos antes de prepará- los. O sucesso é tanto que motivou uma série de competições semelhantes na TV brasileira, de confeiteiros a food trucks, nenhuma com êxito comparável.
Na segunda temporada, que estreou em maio e vai ao ar até setembro, a audiência tem sido ainda maior (6,5 pontos de média na Grande São Paulo nos primeiros doze episódios, 70% a mais que na anterior). Uma das maiores mudanças foi o aumento de participação de Ana Paula. Além de ditar as regras de cada prova, ela intensificou as entrevistas com participantes, ressaltando os perfis e conflitos entre eles.
Há uma década fora da Globo, com passagens de menor repercussão pelo jornalismo das redes de Silvio Santos e Edir Macedo, voltou a experimentar esporadicamente o primeiro lugar do Ibope — exibido às terças, por volta das 22h30, ficou na liderança durante meia hora no último dia 4. No Twitter, a competição culinária é o programa da TV aberta mais comentado do país, com 300 000 citações por edição. “Ganhei um público infantil e pararam de pedir para eu voltar a usar o cabelo chanel dos tempos de Jornal da Globo”, diverte-se. “Hoje, o que eu ouço é: ‘Dá para ver como você fica aflita de verdade nas provas’.”
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A tal “sofrência” nas expressões faciais, diante das trapalhadas dos participantes no fogão, torna-se matéria-prima para montagens nas redes sociais. O mesmo acontece com o visual repaginado: cabelos longos encaracolados (que ela mantém lisos e encurtados fora das gravações) e figurinos extravagantes. Recentemente, apareceu no ar com um look que “combinava” jaqueta preta de franjas com calça verde-musgo. “São peças pensadas para dar o que falar”, jura a apresentadora, de 49 anos, que se diverte com a repercussão e chega a compartilhar algumas piadas em suas próprias redes. “Só não suporto ofensa pessoal, chamarem de ‘lixo’. Isso dói”, reclama. Há duas semanas, após a provocação de um internauta (“você devia ser a eliminada”), não engoliu o desaforo: “Vira chef e me elimina!”.
Nos bastidores da Band, está em alta, em tratativas finais para a terceira temporada do show, ainda não anunciada pelo canal. Antes, dentro de menos de dois meses, ela e o trio de jurados começam a gravar o MasterChef Júnior, com calouros das panelas de 8 a 13 anos, ainda sem data prevista para a estreia. Em parte das versões internacionais, o programa se vale só dos cozinheiros no comando, sem a figura de âncora. “Na adaptação brasileira, com cerca de duas horas de duração, ter alguém para dar ritmo à competição é fundamental”, avalia o diretor, Patricio Diaz.
Ele, os três chefs e a jornalista se tornaram amigos fora do ar e se falam em um grupo de WhatsApp. “Eu a chamo de patroa, porque me deu muitas dicas de TV no começo, sobre como falar para a câmera”, diz Jacquin. Recentemente, Ana Paula voltou doente de gravações em Manaus e, sob suspeita de ter adquirido um vírus silvestre (era, na verdade, uma infecção respiratória decorrente de queda de imunidade), passou dois dias internada no Hospital Israelita Albert Einstein. Quando retornou ao estúdio, Paola mandava buscar comida em seu restaurante, Arturito, para que ela se alimentasse no estúdio. A apresentadora só fica de fora (por opção própria) da informação sobre o nome do vencedor da competição, que já está definido (com registro em cartório) e será anunciado no episódio derradeiro, em 15 de setembro.
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Contratada da Band, recebe salário fixo (que não comenta) estimado em 100 000 reais, independentemente de estar ou não no ar, e 300 000 reais extras por temporada da atração — ao longo de 2015, terá embolsado algo em torno de 1,8 milhão de reais (na Globo, o contracheque estava na casa dos 90 000 mensais; no SBT, alcançou perto do triplo desse valor). Há algumas semanas, passou a incrementar os ganhos com ações de merchandising. Estima-se que tenha faturado 8 000 reais em cada uma das duas ações-relâmpago que fez: para uma marca de temperos e outra de facas. “Eu quis testar se o público me estranharia na publicidade, mas foi bastante natural.” Isso não quer dizer que abandonará o jornalismo. “Bancada eu acho muito chato, não farei de novo, mas continuo entusiasmada com reportagens.”
Nascida em Brasília, primogênita de três filhos em uma família de classe média (pai advogado e mãe dona de casa), leva uma vida confortável, mas sem esbanjar além da conta. Não tem no armário, por exemplo, nenhum salto Louboutin, item da sola vermelha onipresente nos guarda-roupas de famosas. “Não pago 5 000 reais num calçado.” Nas viagens a passeio, troca a primeira classe pela executiva. Em missões profissionais, opta pela econômica, para não se separar do restante da equipe, apesar do problema grave de coluna que torna o voo mais desconfortável: uma artrose severa, semelhante à que fez seu pai usar cadeira de rodas. Passa longe, porém, do estilo pão-duro. “Não gosto de morar mal, de morar pequeno, em 50, 60 metros quadrados. Como eu posso, estou buscando um apartamento de 250”, conta.
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Ela se refere ao imóvel que procura na região dos Jardins, pois precisará se desfazer da cobertura de 700 metros quadrados, com espaço para pequenas árvores, duas cozinhas e muitos objetos de decoração trazidos de países árabes. Morava ali até o ano passado com o economista Walter Mundell, seu parceiro por doze anos. Em uma negociação discreta, não confirmada por nenhuma das partes, o imóvel foi arrematado pela atriz Claudia Raia. Segundo analistas do ramo, um local nessas dimensões vale ao menos 10 milhões de reais.
A história de amor entre ela e Mundell (com direito a viagem dele a Paris só para cortejá-la) ganhou destaque quando ela decidiu trocar a Globo pelo SBT, em 2005. Os maiores desejos na época eram ganhar tempo para o marido e ter um filho. Tentou quatro fertilizações in vitro e engravidou naturalmente, mas perdeu o bebê, aos três meses de gestação. Desistiu do sonho. “Decidi que estava criando um fator de angústia na minha vida.”
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A separação veio em setembro do ano passado, após dois anos “difíceis para os dois”, em sua definição. “A convivência ficou pesada”, descreve. “Ele está num momento de desacelerar e eu queria viajar para o Vietnã, fazer cada vez mais coisas.” Ana Paula cuidou para que o rompimento não ofuscasse a repercussão do programa e fez o anúncio pelo Instagram, no início de janeiro. “Agora somos bons amigos”, ele resume. Na Páscoa, a jornalista conheceu na Praia de Maresias, no Litoral Norte, onde tem casa, o executivo Gustavo Diament, de 44 anos, que gerencia o serviço de música Spotify na América Latina. Os dois evitam aparições públicas e não falam sobre o assunto.
Do antigo relacionamento fica, segundo ela, a gratidão pelo aprendizado. “Era uma mulher completamente sozinha e desequilibrada. Eu me olho e sinto pena.” Quando estrelava o Jornal da Globo, costumava passar os fins de semana sem amigos. “Aos domingos, almoçava em restaurante na companhia dos periódicos do dia, pensando no telejornal da semana. Era só trabalho.”
A vida pessoal deixada de lado foi um dos pontos de inspiração para atuar com questões femininas. Depois de lançar o Tempo de Mulher, portal com dicas sobre temas como sexo e beleza, criou, há um ano, o projeto Escola de Você, em parceria com a repórter Natália Leite, da TV Record. Trata-se de uma série de cursos on-line de autoajuda, que ela prefere chamar de “autoconhecimento”. “Nós nos baseamos em conceitos de filosofia e sociologia e traduzimos para uma linguagem acessível.” São tópicos como “falar, agir e se vestir para crescer na carreira” e “o que leva ao sucesso ou ao fracasso no amor”.
Entre aproximadamente 62 000 “escoletes” que assistiram às aulas a distância em doze meses, muitas passaram a fazer reuniões por conta própria em todo o Brasil. A jornalista tratou de organizar a bagunça. Hoje, há encontros semanais promovidos por “embaixadoras” da Escola de Você. Em breve, algumas aulas específicas passarão a ser cobradas, mas o negócio já traz dinheiro: uma perfumaria comprou anúncio nas videoaulas e outra empresa, de produtos de limpeza, procurou o projeto para que promovesse um curso de empreendedorismo.
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Ana Paula acompanha de perto cada decisão no escritório, que ocupa um andar inteiro em um prédio comercial na Alameda Lorena. Sem sala exclusiva, acomoda sua mesa entre as de outras cinco profissionais, ao lado de uma burca amarela, trazida do Afeganistão, que se destaca no ambiente em uma espécie de manequim. Os negócios incluem a produtora Touareg, encarregada de fazer filmagens institucionais para clientes como o Magazine Luiza. “Fiquei impressionada quando ela conseguiu fazer minha tia, que fundou a empresa e detesta dar entrevista, aparecer num vídeo”, conta Luiza Helena Trajano.
“Nunca vi alguém chegar tão cedo para o jornal que só ia ao ar à noite”, diz Luiz Gonzaga Mineiro, que dirigiu o jornalismo do SBT durante sua passagem. “Mas ela não é uma pessoa fácil de lidar. Pela qualidade que deseja, brigava com quem precisasse.” Na bancada do telejornal ou na da cozinha, é uma receita que tem dado certo até agora.
Colaborou Carolina Giovanelli