Erick Jacquin se reinventa na TV como estrela do “MasterChef “
Chef conquistou fãs e desafetos na cidade com sua culinária francesa de primeira linha e o temperamento explosivo
O ano passado terminou como um prato de sabor amargo, daqueles que amarram a boca, para o chef Erick Jacquin. Em novembro, ele se viu obrigado a tomar a dura decisão de fechar as portas de seu restaurante francês La Brasserie depois de uma sucessão de problemas. O fim do negócio causou surpresa no mercado, já que durante muitos anos o endereço, com justiça, figurou no olimpo gastronômico da capital (ganhou seis vezes o prêmio de melhor de sua categoria na edição especial “Comer & Beber” de VEJA SÃO PAULO e seu comandante conquistou por duas vezes o título de chef do ano). No final, a casa acumulava dívidas em torno de 1 milhão de reais, e o aluguel do ponto no Itaim estava atrasado.
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Certo dia, o mestre francês foi às lágrimas quando um cliente deixou o lugar após ser informado de que seu pedido não poderia ser preparado por falta de ingredientes. Depois da derrocada, Jacquin passou a ser visto quase toda noite consolando-se com taças e mais taças de vinho sentado sozinho à mesa do Tartar&Co, bistrô em Pinheiros em que possui participação no faturamento. Não bastasse a imagem de gestor fora do ponto, criou e alimentou a fama de ter temperamento explosivo e difícil. Aparece citado em mais de quarenta processos trabalhistas. A maioria deles é por atraso de salários, mas há casos em que é acusado de xingar os funcionários, entre outros desatinos.
O que resta a um chef falido e queimado na praça? Fazer daquele limão azedo uma limonada perfeita. Jacquin agora ganha fãs encarnando na TV um papel que lhe cabe perfeitamente: o de carrasco da cozinha. Sua vida mudou depois que apareceu como um dos três escolhidos para ser jurados do MasterChef Brasil, reality show de origem inglesa que estreou na Band há três semanas. O programa é apresentado por Ana Paula Padrão e conta também com Henrique Fogaça, do restaurante Sal Gastronomia, e Paola Carosella, do Arturito, dois profissionais respeitados na gastronomia paulistana. Mas nenhum deles se destaca tanto quanto o impagável Jacquin.
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Nas gravações, o francês deixa de lado o dólmã, aquele uniforme branco dos chefs usado na cozinha, e traja ternos bem cortados. Na hora de avaliar os pratos dos participantes amadores, o francês faz caras, bocas e biquinhos ao disparar comentários cortantes. “Vou dar duas dicas para quando sair daqui: comprar uma revista de gastronomia e beber cachaça para buscar inspiração. Seu prato está horrível”, disse a um concorrente. “Parece que você pegou sobra da geladeira e botou nesse prato”, acabou com outro. “Esse bife parece um bicho que vai andar”, espinafrou um terceiro. O reality semanal é exibido às terças, às 22h45, e terminará em 23 de dezembro — o episódio final será ao vivo. A audiência, na casa de 4 pontos, é boa para o horário e os padrões da Band, mas a repercussão da atração tem sido maior fora da telinha. No dia da estreia (2 de setembro), por exemplo, o programa ficou em primeiro lugar nos trending topics do Twitter no Brasil. A atração também tem sido assunto dentro das cozinhas estreladas da capital. O renomado chef Salvatore Loi, dono do Loi Ristorantino, gosta da performance do colega diante das câmeras. “Do trio de jurados, é o mais direto, mais severo e mais profissional”, elogia.
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Com as aparições na Band, Jacquin tem conseguido recuperar a autoestima, cambaleante com o fim de seu restaurante. “Quero fazer palestras e aumentar minha agenda de jantares para clientes e empresas”, conta. “Ter outro restaurante como o La Brasserie, neste momento, não está nos planos.” Além da participação no Tartar&Co, para o qual criou o cardápio e faz o treinamento da brigada de 34 funcionários, presta consultoria ao La Cocotte, nos Jardins, e ao La Brasserie de la Mer, em Natal. No caso dos jantares particulares (cobra cerca de 500 reais por cabeça), tem clientes como o empresário Roberto Baumgart, sócio da Vedacit e do Shopping Center Norte. Juntas, essas atividades lhe rendem cerca de 20 000 reais por mês, segundo estimativas do mercado. O chef não confirma a informação. “Ganho menos que isso”, limita-se a dizer.
Um de seus muitos talentos reconhecidos é a capacidade de formar mão de obra, ainda que de forma pouco ortodoxa. “Aprendi tanto a fazer molho de tomate quanto a criar pratos com caviar Petrossian”, conta Wagner Resende, seu funcionário por dez anos, que hoje está no comando do Chef Rouge. “Mas já levei panela no peito e, em outra vez, fui queimado no braço com molho quente.” Duas frases típicas ditas pelo chef aos seus subordinados são “Essa comida está uma merde”, com seu carregado sotaque francês, e “Você nunca vai ser um chef”. Mas o vocabulário da tortura é mais extenso. “Ele xingava todo mundo de burro e vagabundo”, conta Alecsandro Miranda da Silva, ex-confeiteiro do Brasserie. Ele entrou com uma ação contra a casa para receber férias, 13º salário e depósitos do FGTS.
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Os arroubos de grosseria eram intercalados com momentos de ternura. “O Jacquin tem um temperamento forte, mas no fundo é uma manteiga derretida, com um grande coração”, define Donizeti Ribeiro, que trabalhou com o profissional por vinte anos e testemunhou várias explosões de fúria. Segundo Ribeiro, o francês age por impulso e se arrepende em seguida, tratando a pessoa como se nada tivesse acontecido. “Em 2007, ele me deu 5 000 reais para ajudar a pagar o tratamento de câncer no estômago da minha mãe, que infelizmente faleceu pouco tempo depois”, diz Ribeiro. “Em 2009, ganhei 4 000 reais para dar entrada no meu carro.”
Nascido em uma cidade pequena do Vale do Loire, Jacquin chegou ao Brasil, em 1994, para receber o equivalente a 5 000 dólares mais mordomiasque incluíam um apartamento em Pinheiros e outro no Guarujá, além de um carro Chrysler 29 conversível. “Ele parecia o Al Capone andando pelas ruas”, lembra Vincenzo Ondei, dono do Le Coq Hardy, sofisticado restaurante no Itaim extinto em 2008. Foi Ondei quem trouxe Jacquin para o país. Muito mais magro e com fartura de cabelos, ele já mostrava um temperamento explosivo. Sua obsessão por qualidade era tão grande que, quando não gostava de algo, arremessava o prato com a comida no lixo. “Em uma ocasião, ele foi além e jogou um de seus assistentes dentro da lixeira”, recorda Ondei. Cinco anos depois, o empresário tentou rebaixar o salário do chef porque a moeda americana havia disparado. O francês se bandeou para um concorrente que lhe ofereceu o dobro.
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Jacquin veio para o Brasil na companhia de sua mulher na época, a sommelière francesa Katia Lefriec. Aqui tiveram o único filho, Edouard, mas a união acabou em 2003. Certamente os hábitos notívagos do marido não ajudaram na relação. Jacquin é um homem assumidamente boêmio, que gosta de beber após o trabalho. Chegava em casa às 3, 4 da manhã em muitas ocasiões. Mesmo após a separação, Katia continuou morando no país, mas foi embora em 2011 na companhia do filho. Hoje, ambos vivem na França. Depois do divórcio, o chef se casou novamente. “Já fomos morar juntos dois meses depois de nos conhecermos”, conta Rosângela Menezes, de 37 anos. O relacionamento começou em 2004. Encontraram-se na festa de aniversário de um amigo em comum, o fotógrafo Luiz Tripolli. Na época, Rosângela era hostess de casas do Grupo Fasano. Depois do início do namoro, ela se mudou para o La Brasserie. Atualmente, é a maîtresse do La Cocotte, nos Jardins, que tem Jacquin como consultor.
Sem muitas encanações, como excessos gastronômicos e etílicos, Jacquin engordou bastante nos últimos anos. A escalada do peso foi gradual. Em 2001, a balança registrava 98 quilos. Em 2007, 114. “Hoje, tenho entre 122 e 124, depende do dia”, diz o chef. Os amigos próximos tentam reduzir os estragos. “Já dei tênis de corrida, vale-academia e sessões de terapia, mas ele nunca fez uso dos presentes”, enumera o chef Emmanuel Bassoleil. “Jacquin tem o coração puro e ajuda os amigos, mas faz apenas o que quer.” Ao vivo, parece menos rechonchudo do que na televisão. “Mas agora coloquei na cabeça que vou emagrecer e ficar menos fofinho”, promete Jacquin.
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Atualmente, enquanto negocia na Justiça dívidas com bancos e ações trabalhistas cujo valor total é estimado em 1,5 milhão de reais, ele mora em um apartamento alugado de 350 metros quadrados nos Jardins. Um de seus poucos bens é um Jaguar 85 que está encostado numa oficina mecânica. Apesar de continuar faturando, gasta praticamente tudo o que recebe. Adora fazer almoços e jantares para amigos. Aos poucos, a má fase parece estar passando. Em outubro, vai receber uma honraria do governo da França: a medalha da Legião da Honra, condecoração máxima do país. “Ele valoriza a nossa culinária clássica”, explica o cônsul Damien Loras. “Nunca um profissional da área estabelecido no Brasil recebeu tal honraria.” Na próxima semana, deve encerrar as gravações da primeira temporada do MasterChef. O cachê por jurado é estimado em 30 000 reais. “Tem dias em que chego às 9 horas à emissora e só saio depois das 18”, diz. A carga é um pouco puxada para um iniciante no universo do show biz, mas Jacquin não reclama. Muito pelo contrário. “Estou tão feliz que, se fosse possível, ficaria na porta da Band para pedir autógrafo para mim mesmo”, brinca.