Dono do Bar do Juarez foi lavador de pratos e chapeiro: conheça a trajetória do empresário
Joarez Alves, que morou por 20 anos no Capão Redondo, anuncia duas novas unidades da rede na capital
Possíveis clientes não paravam de chegar à nova unidade do Bar do Juarez, na Mooca, que vai funcionar no espaço que pertenceu a um bufê infantil, fechado durante a pandemia. Esta será a primeira casa na Zona Leste da rede, surgida em 1999 e que não ganha uma filial desde 2008. Atualmente, são quatro endereços na cidade: Moema, Itaim Bibi, Brooklin e Pinheiros.
Naquele sábado ensolarado, no último dia 4, o lugar nem sequer havia sido inaugurado. Só estava aberto para uma sessão de fotos, e, mesmo assim, apareciam pessoas. A estreia oficial do ponto da Rua Canuto Saraiva, 772, está prometida só para o dia 17.
A família do dono, Joarez Hernesto Alves, de 60 anos, se mostrava preocupada em dizer não à animada vizinhança. “Aquele casal falou que não volta mais!”, “vai ficar chato…” e “vamos colocar uma faixa para isolar?” foram algumas das frases palpitadas. Além do patriarca, estavam lá a esposa, Teté, os dois filhos, Junior e Lucas, e as respectivas namoradas deles, Isabela e Rafaela.
O fundador da rede era só empolgação. “Vai bombar!”, bradou ele, que vestia uma camisa polo azul já gasta por baixo do jaleco do bar, que a mulher insistia que tirasse. Uma ponta de frustração mesmo só vai ter quem espera um Bar do Juarez renovado. O dono, um ex-lavador de pratos que só cursou até a metade da 5ª série do ensino fundamental, é esperto que só.
Descobriu na prática como agradar a boêmios paulistanos e turistas. Por isso, dificilmente se desgruda da fórmula de sucesso alcançada, que replicou em todos os endereços e levará também à Zona Norte. A casa de Santana, que só deve abrir no primeiro semestre de 2022, está em reforma na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, no ponto que foi de uma churrascaria e que terá até espaço kids.
Como é essa fórmula juarezística? Dois ícones da grife botequeira são obrigatórios: o chope circulando em bandejas (75 000 copos por mês) e o réchaud para preparar a picanha à mesa (1,5 tonelada de carne por semana). No ambiente, não faltam varandonas, ladrilhos azuis e brancos nas paredes nem o balcão de acepipes. E os estabelecimentos são sempre em imóveis de esquina, com contratos de aluguel de, no mínimo, cinco anos.
Projeto arquitetônico? Tem de ser do jeito do dono. “A unidade do Brooklin, eu mesmo que coloquei no papel e o arquiteto só assinou!”, jura. O primogênito Joarez Alves Junior, 31 anos, até desistiu de contatar o requisitado Otavio de Sanctis, responsável por desenhar restaurantes badalados como o Moma — Modern Mamma Osteria, no Itaim Bibi e em Pinheiros. “Meu pai é reticente”, diz Junior. Por esse motivo, o rapaz acabou chamando o escritório da noiva para fazer o layout. Tudo em família.
O ambiente da unidade da Mooca foi moldado ao gosto do fundador. Mas Junior, que está começando a tomar as rédeas dos negócios da família, e o irmão, Lucas, 28 anos, responsável pelo setor financeiro, conseguiram que o pai fizesse algumas concessões. Joarez permitiu, por exemplo, iluminação de LED debaixo do balcão, prateleiras de bebida feitas de metal em vez de madeira e portas dobráveis e mais leves para as varandas. Acreditem: são pequenas rebeldias.
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O patriarca ainda disse sim a mais marcas de chope nas torneiras além da tradicional Brahma (todas da Ambev): Colorado, Stella Artois, Patagonia e Goose Island, cujos barris serão gelados com um inédito sistema de refrigeração central. Revolução mesmo, porém, é o prometido fim da defumação do público. Um sistema de exaustão ao custo de 70 000 reais foi instalado no salão novo para pôr fim à fumaceira que emana da picanha. Novos tempos.
Embora sempre diga que é natural de Ibitira, distrito da pequena cidade baiana Rio do Antônio, com cerca de 15 000 habitantes, Joarez nasceu em São Paulo. Mais precisamente em Oriente, na região de Marília. Como o pai, que tomava conta de fazendas, era nômade, a família rodou por diferentes estados. O empresário e o irmão, Jorge, morto em 2001, só se tornaram “filhos da Bahia” porque foram registrados tardiamente no estado. Na época, Joarez tinha 7 anos.
Após uma passagem pela capital paulista, o dono do Bar do Juarez se fixou de vez, aos 16 anos, com o clã todo no Capão Redondo, na periferia da Zona Sul, bairro que foi seu lar por vinte anos. Ainda adolescente, lavou pratos em uma lanchonete no centro antes de ser promovido a balconista. Em seguida, foi chapeiro e garçom na Big Sandwich, no Brooklin, onde trabalhou até 1980.
De lá, foi ser atendente no Jucalemão, no mesmo bairro, restaurante em que serviu muitas porções de eisbein e kassler. Permaneceu até 1986, ano em que virou patrão, ao ser convidado para ser sócio de uma lanchonete que pouco tempo depois se transformou no alemão Bier & Bier, em Pinheiros, que chegou a ter uma unidade no Campo Belo.
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O Joarez botequeiro só aflorou no fim de 1998, quando abriu o Gênios Botequim, na Avenida Jurema, em Moema. Quem ficava à frente do negócio era o então amigo Aires Corte Gonçalves, conhecido como Machado. Na época, estavam na moda os tais dos botecos chiques, lugares que se diziam inspirados em endereços boêmios dos anos 40 — expectativa —, mas eram decalques do Original — realidade —, bar que bombava desde agosto de 1996 na Rua Graúna. “Se você pegar fotografia deles (do Gênios), era um dos clones perfeitos do Original”, diz Edgard Bueno da Costa, sócio da, digamos, fonte de inspiração.
O Gênios acabou não vingando e Joarez decidiu comprar a parte do sócio. “Em 1999, contratei uma pessoa de marketing, e o Gênios virou Bar do Juarez”, lembra, sobre a época em que adotou seu nome “de guerra”, com U em vez de O. “Lancei um clube do uísque, o rodízio de chope e a picanha no réchaud”, orgulha-se.
O bar decolou. Mas bombar, bombar mesmo, só na Copa de 2002. “Fiz uma promoção em que, a cada gol da seleção, eu dava uma rodada de chope de graça. Teve muita mídia espontânea”, comemora. Depois disso, vieram os frutos: as unidades do Itaim Bibi, em 2003, e as do Brooklin e de Pinheiros, ambas em 2008. Ele explica por que ficou tanto tempo sem expansão. “Fiquei muito desgostoso quando abri a última unidade. Os vizinhos não queriam ter um bar lá em Pinheiros e enfrentamos processos”, desabafa.
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Durante a pandemia, nenhum dos Bares do Juarez chegou a encerrar as atividades, apesar das notícias falsas que rolaram pelos grupos de WhatsApp no começo do ano, tal qual aconteceu com o Bar Brahma, no ano passado. Ainda assim, uma série de prejuízos foi contabilizada.
“Tenho 180 funcionários, não mandei ninguém embora e estou segurando a onda, metendo a mão no cofre”, afirma. “Estava acomodado, meio com minha vida financeira definida antes da pandemia. Mas ficamos quatro meses fechados, e o prejuízo foi imenso”, diz o empresário, que vive em uma casa confortável em um bairro nobre da Zona Oeste desde 1996.
A crise sanitária colocou em risco um patrimônio amealhado não só com o sucesso da rede de bares, mas também com a empresa que tocou no início dos 90 que comprava tíquetes-refeição e os trocava por um depósito em dinheiro, com um desconto no valor impresso no cupom. “Todo mundo aceitava tíquete, até prostituta e taxista”, afirma, ao justificar o serviço que despertou controvérsias. “Não havia regulamentação”, diz, para por um ponto-final no assunto.
A manutenção do delivery do Bar do Juarez durante a pandemia foi importante para conservar a chama da marca acesa. Pouco tempo antes, o dono investiu na troca de embalagens por versões mais modernas, da Scuadra, a mesma empresa que faz caixinhas de lugares badalados como Spot e Le Jazz Brasserie. Junior diz que precisou agendar um churrasco em casa para convencer o pai a aceitar a continuar a operação de entregas quando os endereços se encontravam fechados, lá no início da quarentena. “Insistimos que a marca tinha de ficar em evidência e ele acabou cedendo”, conta.
“Estava com minha vida financeira definida antes da pandemia. Mas o prejuízo foi imenso”
Hoje, com o fim da maioria das restrições, o movimento dos salões, pouco a pouco, vai retornando ao normal. Inclusive o da unidade do Itaim Bibi, que foi a que mais sofreu, já que muitos dos trabalhadores dos escritórios das redondezas desapareceram do pedaço. Atualmente, passam pelas quatro casas, cerca de 35 000 clientes por mês — e Joarez calcula um faturamento de 25 milhões de reais por ano.
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Para reverter as perdas da pandemia, o anfitrião conta ter feito um empréstimo de 8 milhões de reais, com seis meses de carência, para ser pago em até 48 meses. “O momento é propício para investir”, acredita. “Teve muito estabelecimento que fechou, e é óbvio que isso não é positivo — gostaria que fosse diferente —, mas meu entendimento é que quem conseguir atravessar este período difícil vai se dar muito bem. A grande sacada é remar contra a maré”, afirma. “Consegui enxergar esse nicho de mercado, que é o do retorno. O plano agora é abrir um bar por ano.”
Apesar das palavras de grandeza, Joarez é um tanto discreto, pouco visto em estabelecimentos de colegas. “Saio muito pouco. Só como nos meus bares”, jura. “Quando percebo que tem coisa que precisa ser corrigida, sou a cobaia. Chego de supetão e peço algo para provar”, diz o dono, com toda a pinta de crítico de bar. “Mas fico até três meses sem ir a alguma unidade se sei que está indo bem”, admite.
Nas visitinhas, costuma beber doses de uísque Johnnie Walker Blue Label (“mas já tomei muito Drury’s e Old Eight”, diz, sobre os rótulos baratinhos) e caipiroscas com vodca Absolut estupidamente gelada (“não sou muito da cachaça”). O empresário ficou mais recluso após passar por um trauma. O pai dele, Ernesto, já falecido, foi sequestrado em 2010 por um ex-prestador de serviços para a rede, de acordo com reportagens da época. Desde então, Joarez pouco deu entrevistas. Só nos últimos tempos tem voltado a aparecer na mídia e até a enviar vídeos seus a contatos do WhatsApp.
Há 33 anos, é casado com Teté, apelido de Etelinda Viana, que conheceu no Bier & Bier. No mesmo dia desse primeiro encontro, saiu com ela para dançar. “Eu que tive a iniciativa e o beijei”, se diverte ela. Joarez não perde um jogo de truco ou cacheta nem a chance de festejar com a família — a residência, de 400 metros quadrados, onde mora com a esposa e a mãe, anda vazia sem os filhos, que não vivem mais ali. Ele garante que não pensa em se aposentar tão cedo. Depois de abrir a dupla de filiais, quer reformar o bar pioneiro de Moema, um sonho antigo. E ensina uma frase que ouviu por aí: “A vida é igual a uma bicicleta, se você parar, você cai”. Não é conversa de boteco.
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Cartilha boêmia
O que não pode faltar no Bar do Juarez
ESQUINA
Todas as unidades, até agora, são montadas em cruzamentos
CHOPE
Cerveja? Até tem long neck. Mas o foco dos garçons é fazer você beber um amarelinho
VARANDA
Mesmo antes da pandemia, áreas abertas e arejadas eram valorizadas
FÁCIL ACESSO
Os pontos escolhidos têm (ou tinham) lugar perto para estacionar ou ficam próximos a prédios residenciais
BALCÃO DA ACEPIPES
Estão em desuso em muitos bares. Mas não no Juarez
AMBIENTE NOSTÁLGICO
Mesmo que seja um “anos 40” reinterpretado pelo fim dos anos 90
Valeu pela visita! Tem alguma novidade para me enviar? Meu e-mail é saulo.yassuda@abril.com.br
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