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Pesquisadores da USP cultivam vírus da varíola dos macacos para testes

Objetivo também é o de realizar pesquisas e distribuir amostrar para outros laboratórios para entender como se dá a evolução viral

Por Agência FAPESP
Atualizado em 27 jul 2022, 16h00 - Publicado em 16 jun 2022, 11h27
Médico coleta amostra de vírus da varíola dos macacos de tubo de ensaio escrito monkeypox
Varíola dos macacos (© Dado Ruvic/Divulgação)
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Depois de concluir o primeiro sequenciamento genômico do vírus monkeypox (MPXV) no Brasil, cientistas da Universidade de São Paulo (USP) estão se dedicando a cultivar em linhagens celulares o agente causador da varíola dos macacos. O objetivo é distribuir amostras para laboratórios públicos e privados de todo o país, que poderão ser usadas tanto em testes diagnósticos como em pesquisas voltadas a entender a evolução viral e a desenvolver novos tratamentos e vacinas.

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O trabalho vem sendo conduzido no Laboratório de Virologia (LIM52) do Instituto de Medicina Tropical (IMT-USP), sob o comando da virologista Lucy dos Santos Vilas Boas.

“Recebemos a amostra clínica do primeiro paciente diagnosticado no país e a inoculamos em uma cultura de células vero [linhagem oriunda de rim de macaco e usada como modelo para pesquisas com vírus]. Após 24 horas, já era possível observar alterações morfológicas nas células que são típicas do monkeypox. A confirmação foi feita por RT-PCR”, conta Vilas Boas à Agência FAPESP.

O teste de RT-PCR específico para o MPXV foi desenvolvido no Hospital Israelita Albert Einstein pela equipe do médico João Renato Rebello Pinho, que também é pesquisador no IMT-USP. O método é o mesmo usado no diagnóstico da COVID-19 e de inúmeras outras doenças, mas cada patógeno requer reagentes específicos para que o material genético presente na amostra clínica possa ser amplificado e detectado em laboratório.

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“Até aquele dia [10/06] nenhum centro do país tinha o kit de RT-PCR para esse vírus montado. Nós já havíamos estudado a sequência [de nucleotídeos complementar à do DNA viral, que é necessária para a amplificação do material genético durante o teste] e pedido para uma empresa nacional sintetizar. O que estava faltando era o controle positivo, que veio com o primeiro caso confirmado no país. É ele que garante que o teste está funcionando”, explica Pinho. “Assim como aconteceu no caso da COVID-19, está havendo uma grande colaboração entre instituições públicas e privadas, o que é fundamental.”

Após a confirmação de que o vírus que se multiplicava nas células vero era de fato o causador da varíola dos macacos, os passos seguintes foram extraí-lo do meio de cultura e inativá-lo para ser enviado com segurança a outros centros, explica Vilas Boas.

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“As células infectadas morrem e liberam partículas virais no sobrenadante – o líquido rico em nutrientes no qual a cultura é mantida. Nós coletamos esse líquido e acrescentamos um reagente que inativa o vírus. Agora estamos enviando amostras desse material para laboratórios particulares e públicos que nos solicitaram. Nesses outros centros, o DNA viral poderá ser extraído e usado como controle positivo em testes de RT-PCR, expandindo a capacidade de testagem no país”, relata a virologista.

José Eduardo Levi, pesquisador do IMT-USP e da rede de laboratórios Dasa, explica que, de modo geral, são usadas nos testes de RT-PCR placas com 96 pequenos poços, nos quais podem ser colocadas amostras clínicas de até 94 indivíduos com suspeita da doença. Os outros dois poços são destinados aos controles positivo e negativo, necessários para a validação dos resultados.

“Como controle negativo podemos usar apenas água ou o sobrenadante coletado das culturas de células sem nenhum vírus. O mais difícil quando temos de lidar com um patógeno novo é conseguir o controle positivo. Sem ele não podemos ter certeza de que o teste de RT-PCR está de fato funcionando”, diz Levi.

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Segundo o pesquisador, apesar dos avanços, a escassez de reagentes específicos para o MPXV no país ainda é um grande gargalo para que possa ser feita a testagem em massa da população, caso ela venha a ser necessária.

“Quando um laboratório dos Estados Unidos faz o pedido de reagentes, ele recebe no dia seguinte, pois há empresas especializadas na produção desses insumos. Aqui no Brasil demora pelo menos um mês, pois é preciso importar. No Dasa fizemos a encomenda no início de junho e ainda nada”, diz.

Produção em larga escala

Alguns centros equipados com a infraestrutura de biossegurança necessária estão recebendo do IMT-USP amostras do vírus ainda capaz de infectar células e de se replicar, como é o caso do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Assim como o SARS-CoV-2, o PMXV só pode ser manipulado em laboratórios com nível 3 de biossegurança (NB3).

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“Nossa função vai ser cultivar o vírus em uma escala maior e dentro de duas ou três semanas começar a distribuir alíquotas para laboratórios de todo o país. Isso será possível graças a um acordo que fizemos no início da pandemia de COVID-19 com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações [MCTI] e com os Correios. A empresa faz o transporte especializado das amostras. Retiram aqui e levam até a porta dos destinatários”, conta o professor do ICB-USP Edison Luiz Durigon.

O laboratório do ICB-USP integra a RedeVírus – criada pelo MCTI em fevereiro de 2020 para assessorar a pasta sobre estratégias na área de ciência, tecnologia e inovação necessárias na área de saúde – e foi o responsável por produzir o SARS-CoV-2 em larga escala e distribuir amostras para centros de diagnóstico e de pesquisas do país.

A equipe tem vasta experiência nesse tipo de trabalho e tem desempenhado papel fundamental em sucessivas crises sanitárias. “O trabalho começou por volta de 2003, com a criação da Rede de Diversidade Genética de Vírus [VGDN], financiada pela FAPESP. Na época cultivamos e distribuímos o SARS-CoV-1 [causador da síndrome respiratória aguda grave]. Em 2005 fizemos um trabalho com o influenza [causador da gripe] e depois, em 2015, veio o vírus zika. Recebemos a amostra do zika em dezembro do Instituto Evandro Chagas de Belém [PA] e com recursos de projetos da FAPESP cultivamos e distribuímos para diversos laboratórios. Com a chegada do novo coronavírus e o acordo com o MCTI conseguimos ampliar a escala de trabalho”, conta.

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Duringon ressalta que o trabalho só foi possível porque o laboratório já contava com os recursos materiais e humanos necessários. “Eu já tinha pessoal treinado, que foram bolsistas de doutorado e de mestrado da FAPESP. Se partíssemos do zero, levaria pelo menos um ano para começar a funcionar. É preciso haver uma estrutura montada e financiamento contínuo para que se possa dar uma resposta rápida a agravos de saúde pública, como uma pandemia.”

Agora, além de cultivar o MPXV em larga escala, o grupo de Durigon também fará o sequenciamento de algumas amostras para verificar se há diferenças em relação ao vírus inicialmente isolado no país. “O cenário que estou antevendo é que, na maioria dos casos, distribuiremos alíquotas do vírus inativado para serem usados como controle positivo em laboratórios de diagnóstico. Somente para alguns centros com laboratório NB3 enviaremos amostras do vírus viável para pesquisas”, diz o professor do ICB-USP.

Na avaliação da professora da USP Ester Sabino, que coordenou o primeiro sequenciamento genômico do MPXV no país, este é mais um exemplo de como a universidade pública pode contribuir com sua capacidade instalada em situações de crise. “O isolamento viral é importante não só para a produção de controles positivos como também para a avaliação de novos fármacos”, afirma.

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Pinho ressalta a importância de virologistas de todo o país trabalharem juntos, em rede, e também a necessidade de mais investimento em ciência.

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