Bares e restaurantes que contam histórias sobre a cidade
Instalados em prédios ou regiões históricas, Grand Metrópole, Dona Onça e Terraço Italia são alguns dos lugares onde se pode aprender mais sobre a trajetória de São Paulo
Os pratos premiados, chefs renomados e as filas por uma mesa não são os únicos atrativos de alguns bares e restaurantes abrigados em prédios e endereços que são marcos da cidade. Quem senta, por exemplo, em uma das mesas do Terraço Itália fica impressionado com a vista que tem ali do alto. Ali ao lado, na calçada do Bar da Dona Onça, no Copan, se tem uma das visões da grandiosidade do edifício projetado por Oscar Niemeyer e Carlos Alberto Cerqueira. Saiba mais sobre a história destes endereços e seus personagens.
Edificio Copan e o Bar da Dona Onça
A chef Janaína Rueda queria abrir seu restaurante no centro de São Paulo e não tirava da cabeça a decisão. Moradora do Brás e frequentadora da região, ela ocupou o ponto meio escondido no térreo do Copan, na Avenida Ipiranga, há quase seis anos. “No início, eu não tinha feito qualquer relação com o edifício. A loja ficou muito tempo para ser locada e a gente – eu e meu sócio – tínhamos o capital para arrematar”, lembra. A chef não ficou livre das críticas por decidir abrir no centro e não nos badalados Itaim ou Jardins.
Um dos principais cartões-postais de São Paulo, o Copan abriga 82 lojas e 1 160 apartamentos, que vão de 26 metros quadrados até 216 metros quadrados. Por lá passam diariamente 22 000 pessoas e 5 000 moradores. Entre eles, a própria Janaína, que comprou uma unidade ali. “O amor pelo Copan cresceu. Virou minha paixão. Tem diversidade: é ministro, ex-presidente, travestis e prostitutas, convivendo. É isso que eu luto [para ter] no meu restaurante”, diz.
O bar virou uma das atrações do prédio e a área de espera, em uma rua sem saída, ficou lotada. “Compramos mais uma parte e aumentamos o número de mesas”, diz. No entanto, o lado de fora é o lugar mais agradável. Para quem quer aproveitar o visual do Copan, a mesa de oito lugares com almofadas de onça, na calçada é espaço ideal. “Os curiosos ficam abismados com a arquitetura e a tranquilidade da rua”, explica.
Edíficio Itália e o Terraço Itália
Com a pretensão de ser o prédio mais alto da cidade, com 150 metros, o Edifício Itália foi finalizado em 1966 e virou até tema de música. Totalmente comercial, desde sua inauguração abriga um dos mais conhecidos restaurante de São Paulo, o Terraço Itália. Os três salões do espaço permitem a visão panorâmica de São Paulo – e, não raro, recebem a presença de grandes nomes da política, empresariado e das artes.
Não por acaso, também se tornou um dos lugares mais românticos para pedidos de casamento. É o que atesta o maître Osmar Jesus da Silva, há 39 anos no restaurante. “Em um domingo qualquer, pelo menos três rapazes me avisam que vão pedir a mão das namoradas e querem minha ajuda”, afirma. E ele faz o meio-campo. “Eu mesmo arrumo as alianças no prato com flores e espero o momento certo para entregar”, conta Silva, que diz já ter presenciado em torno de 10 000 pedidos.
“Logo quando eu comecei, vi o de um casal de clientes meus. Também vi o casamento e as crianças chegando”, conta. Anos mais tarde, um dos filhos, já adulto, fez um dos pedidos que o emocionou. “Ele queria que eu arrumasse a mesma mesa na qual o pai dele pediu a mãe em casamento, porque ele ia pedir a namorada também”, lembra. A mesa foi montada e Osmar assistiu a tudo, registrando com o celular.
O maître também acompanhou lá de cima as mudanças do horizonte da cidade. Quando chegou para trabalhar no Terraço, a Zona Norte, por exemplo, não tinha prédios e a Avenida Paulista quase não tinha antenas. “Vi erguer o sambódromo e o hotel Holiday Inn. E ainda me surpreendo quando vejo guindastes subindo mais edifícios”, diz. Silva afirma com sorriso no rosto que a paisagem é o que o alimenta, especialmente a de uma mesa na janela da sala panorâmica, com vista para o Copan, Avenida Paulista e Rua da Consolação. “À noite, as luzes se acendem e é um espetáculo”, garante.
Galeria Metrópole e Grand Metrópole
A primeira e maior galeria de lojas e restaurantes dos anos 1960, a Metrópole, na Avenida São Luís, foi um dos esconderijos de artistas e intelectuais que precisavam fugir dos agentes da polícia durante a ditadura militar.
O subsolo era ocupado por artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Plínio Marcos lançou sua primeira peça e o pianista de jazz Oscar Peterson fez uma lendária jam session que durou horas na casa noturna que havia ali. Além da casa de chá Chamon, que atualmente é um restaurante por quilo, chamava atenção o Cine Metrópole, o mais moderno na época da inauguração da galeria.
Com a degradação do centro – e o fim dos cinemas no bairro – o espaço ficou vazio e quase foi alugado para uma igreja evangélica. “Eu não queria porque a intenção é fomentar a cultura na galeria”, diz Pedro Marra, síndico do prédio. Os empresários André Almada e Klaus Ebone, sócios na The Week, boate referência do circuito gay paulistano, arremataram o lugar para realizar eventos e festas. “Eles garantiram que iam manter a estrutura e restaurar o espaço, que é tombado”, explica Marra. “E ficou lindo”, completa.
Para os empresários, a história do cinema e da galeria é “fascinante”. “Ivan Lins tem uma música dedicada ao local. E pela letra tem como se imaginar a efervescência cultural ali”, conta Almada. Eles mantiveram as grandes portas do cinema, os lustres e o palco. “É devolver a história para São Paulo”, diz.
Paribar e a Praça Dom José Gaspar
O chef Luiz Campiglia também não queria abrir mão de ter seu restaurante no centro de São Paulo e encontrou em uma das portas do Edifício Thomas Edson, na Praça Dom José Gaspar, o local perfeito. “Abri o Santafé, há nove anos, mas todo mundo que passava por lá, me dizia que era o Paribar”, lembra.
De tanto ouvir as histórias de outro reduto de intelectuais e boêmios durante a ditadura, reformou e adotou o antigo nome do espaço de vez. Aos poucos, os frequentadores da época retomaram aos seus assentos. O advogado Tertuliano Nogueira Cabral Filho, o Leninho, de 74 anos, é um dos que retomaram sua mesa cativa na nova versão do bar. Estudante do Largo São Francisco, ele tinha 20 anos de idade quando começou a passar as “happy hours” ali. “Não tinha música ou shows. Eram apenas o gim tônica e os amigos”, diz.
Do outro lado da praça, a Avenida São Luís ainda fervia com a elite paulistana boêmia “A gente sentava nas mesas da calçada. Todo mundo arrumado, de terno e gravata, porque na faculdade só podíamos entrar vestidos assim”, conta. Segundo ele, o bar não era frequentado por mulheres jovens. “Era um lugar onde os advogados mais experientes levavam as secretárias mais velhas secretamente. Vamos dizer que era apenas para os mais maduros”, diz.
Hoje, Leninho voltou ao gim tônica, porém, em vez da calçada, prefere o interior do bar. “O centro foi abandonado e com isso, os mendigos invadiram a praça. Não tem como celebrar e ficar com pena do indivíduo ao mesmo tempo”, explica.
Na memória – um pouco falha, desculpa-se Leninho – ele recorda das bebedeiras com os amigos. “Era um lugar para beber. O cardápio de comida era inexistente”, diz. Nesse aspecto, diz ele, melhorou muito. “Agora temos pratos bons para acompanhar os drinques”, conta. “Mas sinto falta de ser jovem, do meu fígado. No dia seguinte, eu estava novinho, de pé e pronto para outra”, diverte-se.