Gigante da música: The Town promete ser o maior festival de São Paulo

Prestes a a abrir os portões após reformas milionárias no Autódromo de Interlagos, evento com shows internacionais espera receber 500 000 visitantes

Por Tomás Novaes
Atualizado em 10 set 2023, 14h13 - Publicado em 18 ago 2023, 00h01
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O idealizador Roberto Medina, em frente ao palco Skyline: homenagem a prédios icônicos. (Alexandre Moreira/Veja SP)
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“Os últimos dias têm me lembrado a preparação do primeiro Rock in Rio (em 1985)”, diz Roberto Medina, 75. Da janela do seu escritório no Autódromo de Interlagos, o empresário vigia as obras que avançam logo abaixo, entre as curvas e retas da icônica pista de corrida.

Idealizador do maior festival de música do Brasil, o carioca visionário está a duas semanas de abrir os portões de uma nova e superlativa empreitada: o The Town.

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O Palco Skyline: inspirado em prédios como o Copan e o Unique. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Com previsão de receber 100 000 pessoas por dia, movimentar 1,7 bilhão de reais na cidade (segundo estudo da FGV) e gerar mais de 19 000 empregos, o evento que acontece em 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro promete ser um marco para Medina e para a metrópole. “Não é só o maior festival de São Paulo, mas o segundo maior do mundo”, ele defende — embora existam encontros no exterior com públicos maiores.

O nome Cidade da Música — dado ao complexo em construção — faz sentido quando se veem as obras: milhares de funcionários com capacetes, guindastes que vão ao topo de palcos de 41 metros de altura e incontáveis carros de apoio a ir e vir pela pista — parece mesmo que uma cidade surge do zero.

“Prefeitos e governadores sempre me convidaram para fazer o Rock in Rio em São Paulo. Não me animava, por dois motivos: primeiro, os cariocas me matariam; depois, não tinha estrutura. Em 2019, o Bruno Covas (1980-2021) me procurou (para propor um megafestival na cidade). Condicionei minha vinda à realização de mudanças na infraestrutura do autódromo”, conta Medina.

Quatro anos depois, enquanto acompanha os preparativos, o empresário parece entusiasmado, mas nunca completamente satisfeito. “Se você ficar feliz demais com o que entrega, está a um passo da aposentadoria”, diz.

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Medina e o palco Skyline: 41 metros de altura. (Alexandre Moreira/Veja SP)

Descendente de família judaica de origem marroquina, Medina herdou a ambição do pai, Abraham (1916-1995), que nos anos 1950 e 60 comandou a rede de eletrodomésticos Rei da Voz e criou o programa de televisão Noite de Gala. Com a ditadura militar, a atração acabou e, em 1967, Roberto, aos 20 anos, largou a faculdade de direito para atuar na agência de publicidade Artplan, da qual se tornaria dono em cinco anos.

Como publicitário, promoveu campanhas com nomes internacionais da música e trouxe Frank Sinatra (1915-1998) para um show memorável no Maracanã, em 1980, cinco anos antes de seu maior projeto.

“Foram grandes aventuras do Roberto. Ele abriu as portas do Brasil para o circuito de mega-shows internacionais, como já acontecia na Argentina”, relembra Ivan Lins, estrela do Rock in Rio em 1985 e escalado para o The Town — Barão Vermelho e Ney Matogrosso completam o seleto grupo dos que terão participado de ambas as edições.

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(Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Quem esteve em eventos em Interlagos vai encontrar o lugar diferente. A mudança mais radical é na própria topografia do terreno. A prefeitura nivelou uma área que causava transtornos no fluxo das multidões, o que adicionou 30 000 metros quadrados de espaço para circulação, quase todo com grama sintética.

Novos 50 quilômetros de tubos de água e esgoto permitem outra novidade: sem banheiros químicos, o festival terá oito áreas de sanitários (serão 680 cabines) conectadas à rede de saneamento da cidade. Melhorias na iluminação, poda de árvores e novas torres de delay (que espalham o som dos palcos) completam o pacote feito pelo município.

“É um investimento de 190 milhões de reais, que vai servir para a realização de diversos eventos no autódromo”, disse o prefeito Ricardo Nunes (MDB), em coletiva de imprensa no dia 10. Novas reformas estão previstas para as próximas edições do The Town, que deve ocorrer a cada dois anos, intercalado com o Rock in Rio.

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Grafite na Favela do Haiti: projeto social. (The Town/Divulgação)

“Haverá um túnel para melhorar o acesso ao autódromo e uma área vip permanente”, afirma Medina. O festival impacta ainda um projeto da ONG Gerando Falcões na Favela do Haiti, na Vila Prudente, onde ajuda na reforma de casas e da praça central, na instalação de grafites, na formação de lideranças e no saneamento básico, impactando 290 famílias.

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O transporte também terá novidades. Bloqueios da CET impedirão o acesso ao evento via carro. Por isso, toda a rede de metrô e trens da CPTM vai funcionar por 24 horas (exclusivamente para o desembarque de quem volta do festival, saindo da Estação Autódromo, da Linha 9-Esmeralda, a oito minutos a pé dos portões de entrada).

“Além da frota normal, teremos trens extras para essa demanda”, diz Marcio Hannas, presidente da CCR Mobilidade. Os trens adicionais farão as viagens com menos paradas, em modalidades chamadas de expresso e semiexpresso (com preços de ida e volta a partir de 40 e 15 reais, respectivamente).

A saída de Interlagos via transporte público causou tumulto e filas na edição deste ano do Lollapalooza, por isso o novo sistema. “Como no horário de saída já terminou nossa operação regular, todos os trens estarão posicionados na estação. Eles serão liberados a cada três minutos”, explica Marcio. O formato não será exclusivo para o The Town. “A ideia é que, daqui para a frente, ele seja replicado em todo grande evento no Autódromo”, diz.

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Desde 2012, com a primeira edição do Lollapalooza, São Paulo tem recebido pelo menos um grande festival de música por ano. O fenômeno retoma uma tradição surgida entre os anos 80 e 2000, época em que marcas patrocinavam eventos similares como o Hollywood Rock, o Ruffles Reggae, o Free Jazz e o Skol Beats.

Imagem mostra infográfico com recordes de público em festivais de São Paulo
(Veja SP/Veja SP)
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“Os festivais eram pontuais, esporádicos. Mesmo no Rio de Janeiro, o Rock in Rio aconteceu e faliu, depois aconteceu e faliu novamente, até entrar na janela de oportunidades mais atual”, diz o jornalista Lúcio Ribeiro, 58, membro da equipe artística da T4F, à frente do festival Primavera Sound, marcado para os dias 2 e 3 de dezembro em Interlagos.

Para o especialista, é possível fazer um paralelo entre o cenário paulistano e o americano. “Com o rock dos anos 2000, de bandas como The Strokes, surgiu uma nova geração de público, um novo entendimento sobre consumir música e uma nova relação das marcas com os eventos. Nos Estados Unidos, o segmento começou a crescer e o Coachella (que ocorre anualmente na Califórnia) se tornou o festival mais lucrativo do mundo — o que ajudou o formato a se firmar como bom negócio”, ele diz.

“Atualmente, os festivais são uma grande oportunidade de marketing. As marcas querem esse público, que alimenta demais as redes sociais. Essa dinâmica transforma os eventos em grandes agregadores de pessoas. Mesmo se você errar totalmente no line-up do Lollapalooza, por exemplo, poderá até não ter 100 000 pessoas, mas terá ao menos 70 000”, afirma o curador.

“É um grande business. Não são aqueles cinco malucos em uma fazenda que resolveram trazer o Jimi Hendrix para tocar para 200 pessoas e apareceram 30 000 (no Woodstock, em 1969). Não é mais isso”, diz.

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A carioca Ludmilla, durante show no Rock in Rio 2022: uma das atrações do The Town. (Marcelo Paixão/Divulgação)
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Em um mercado já quase saturado, o The Town foi concebido para ser um “parque temático da música”. “Montamos até um espetáculo musical (o The Town — O Musical). Precisava disso para vender as entradas? Não. Mas é necessário para criar um ‘outro mundo’. Você tira um brinquedo da Disney, põe do outro lado da rua e ele é só um brinquedo. Dentro do parque, é mágica. É isso que tento fazer”, diz Medina.

Somada às atrações de diversão (como uma tirolesa, uma montanha-russa e um megadrop) e gastronomia (no Market Square, com arquitetura que remete ao Mercado Municipal, haverá comidinhas assinadas por Alex Atala que homenageiam bairros da cidade), a música em si terá o diferencial de apresentar uma estrela internacional que não costuma vir ao Brasil, o showman americano Bruno Mars — o cachê mais caro da carreira de Medina.

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Bruno Mars: o americano fará dois shows no festival, nos dias 3 e 10. (John Esparza/Divulgação)

Fortalecem o line-up nomes de peso que passaram pelo país nos últimos anos, como Maroon 5, Foo Fighters e Demi Lovato, além de artistas nacionais como Ludmilla, Iza, Luísa Sonza e Jão.

No maior palco, o Skyline, o show Primário, com MC Hariel, MC Ryan SP e MC Cabelinho, será uma das apresentações inéditas. “O nome faz alusão ao réu primário, mas para distanciar a nossa realidade do crime. Primário também seria o primeiro contato dos jovens da periferia com a música, por isso dois representantes do funk e um do trap. O palco será uma grande vitrine para as pessoas que não nos conhecem, para fora da nossa bolha”, diz Hariel.

“O show coloca a gente em outro patamar. O funk é muito discriminado. Agora que as pessoas começam a entender a importância do gênero”, completa MC Ryan.

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MC Hariel em Interlagos: atração do palco principal. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A música eletrônica terá espaço com a presença de festas que agitam a noite paulistana, como Mamba Negra, ODD, Gop Tun, Carlos Capslock e Batekoo, além de sets especiais dos grafiteiros Os Gêmeos e de Tropkillaz no palco New Dance Order. Enfim, sons para (quase) todos os gostos.

Durante a preparação, duas denúncias agitaram as redes sociais, divulgadas pelo Padre Júlio Lancellotti e pelo sociólogo Paulo Escobar. Diziam respeito a um suposto acidente fatal na montagem dos palcos, acusação negada pelo festival, e a um alegado caso de trabalho em condições precárias fora de Interlagos, mas que seria ligado a atividades do evento.

Vejinha conversou com um homem que relata ter recebido 60 reais por diárias de oito a doze horas de trabalho, sem equipamento de segurança, em um galpão em Taboão da Serra onde haveria peças com o nome do festival.

Em nota (leia na íntegra após o texto), o The Town nega que a ocorrência esteja ligada à cadeia de produção do evento e afirma que está “em contato com o Padre Júlio e Escobar, de forma a investigar quaisquer potenciais irregularidades junto a empresas que possam usar a marca”.

Sobre as denúncias, Medina critica a forma como foram divulgadas. “O padre é irresponsável, falou sobre um negócio que ele apenas ‘ouviu dizer’”, reclama o empresário.

The Town. Autódromo de Interlagos, Portão G. Avenida Jacinto Júlio, 27, Cidade Dutra. Sáb. (2), dom. (3), qui. (7), sáb. (9) e dom. (10), 14h/2h. R$ 815,00 (dias 3, 9 e 10 estão esgotados). thetown.com.br.

Leia a nota do The Town na íntegra:

A organização do The Town afirma veementemente que os episódios relatados por moradores de rua e compartilhados pelo Padre Júlio Lancellotti e Paulo Escobar, apesar de valiosos, não refletem a realidade do trabalho na montagem do evento e tampouco ocorreram dentro do Autódromo de Interlagos.

O evento repudia qualquer forma de trabalho que não siga as regras de respeito ao trabalhador, seja em relação ao modelo de contração, segurança, valores e alimentação oferecida. O órgão fiscalizador do Ministério do Trabalho acompanha desde os primeiros dias a montagem do evento, certificando de que todas as precauções acima estão sendo tomadas.

A produção do Festival está em contato com o Padre Júlio e Escobar, de forma a investigar quaisquer potenciais irregularidades junto a empresas que possam estar usando o nome do evento, ou subcontratadas, que estejam realizando modelos usurpadores junto a trabalhadores carentes em galpões nas regiões de Taboão da Serra, São Bernardo, Capuava, Glicério e Santana.

Acreditamos que essa parceria poderá ser determinante para esclarecer esse cenário que, de acordo com relatos, se estende há muitos anos. Desde ontem, quando a organização do evento teve conhecimento dos relatos, já foi possível identificar um dos galpões em eventual situação irregular e notificar o Ministério do Trabalho para tomar as devidas providenciais legais.

Esperamos colaborar ainda mais nos próximos dias. O The Town está chegando na cidade de São Paulo e quer imprimir desde já um padrão de trabalho e profissionalismo que marca sua trajetória de mais de 30 anos nesse segmento, com a produção do Rock in Rio no Rio, Lisboa, Madri e Las Vegas.

Publicado em VEJA São Paulo de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855

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