Projeções de Leonardo da Vinci inauguram o MIS Experience
Vídeos e fotos de obras do artista serão exibidos em telas de até 9 metros no novo centro cultural, na Água Branca
A partir de 2 de novembro, a exposição Leonardo da Vinci — 500 Anos de um Gênio inaugura o centro cultural MIS Experience, no bairro da Água Branca, na Zona Oeste. Irmão caçula da instituição do Jardim Europa, o espaço do governo do estado com gestão da Associação do Paço das Artes mira projetos nos quais a imersão e a interação são combinadas a técnicas como o video mapping, projeções de imagens feitas sob medida para os cantos, linhas, curvas e outros detalhes da arquitetura.
O uso do recurso fica mais evidente no núcleo central da mostra, que foi idealizada pela empresa australiana Grande Exhibitions, com passagem por Ottawa, no Canadá, e Denver, nos Estados Unidos. Essa área, de 800 metros quadrados, conta com 37 telões de até 9 metros de altura. Dispostos nas paredes e no chão, eles apresentam em looping um vídeo com imagens de obras importantes, como o afresco A Última Ceia (1498) e o desenho Homem Vitruviano (1490). Há ainda uma trilha que tenta seduzir os ouvidos dos visitantes e closes que revelam as pinceladas suaves do artista, que nasceu em 1452, na cidade de Florença, um dos berços do Renascimento na Itália.
No começo da mostra, contudo, o clima é mais analógico. Lá estão réplicas (nenhum dos cerca de 300 itens é original) de cadernos, ou códices, onde foram compiladas anotações e desenhos. Vale notar aí uma característica curiosa: a escrita espelhada. Um de seus biógrafos, o americano Walter Isaacson especula que, canhoto, Da Vinci escrevia da direita para a esquerda, para que a tinta não borrasse o papel.
De olho na sua atuação como engenheiro, há núcleos, delimitados por paredes pretas e vermelhas, nos quais são exibidos protótipos como o de uma bicicleta de madeira que facilmente encantaria a turma das bikes da Avenida Faria Lima hoje, por exemplo (aliás, bem à frente da mentalidade de sua época, Da Vinci também era vegetariano). Entre as engenhocas, está ainda o parafuso aéreo. Feito de linho, corda e madeira, ele nasceu das investigações sobre o voo dos pássaros. O italiano tentou erguer máquinas que levassem os homens ao céu, mas infelizmente não teve êxito nesse campo. Estudioso aplicado de anatomia, fez desenhos do corpo humano nos quais registrou proezas, como a descoberta da estrutura correta do músculo que liga a clavícula ao pescoço. Parece algo inútil, porém era assim, treinando a observação, que ele aperfeiçoava suas pinturas.
O sorriso nublado com lábios pouco marcados de Mona Lisa (1503) nasceu da constatação de que as linhas não são vistas de forma precisa na mirada de pessoas, animais e objetos. Envolvem também a personagem questões sobre perspectiva e sombreamento, comentadas em uma sala final, que guarda ainda conjuntos de inventos de guerra e hidráulicos. Uma réplica de uma ponte autoportante é montada com dezessete hastes, algumas compridas e outras curtas. Arrumadas em retângulos que se encaixam, as barras permitiam que a estrutura se movesse e pudesse ser erguida às margens de qualquer rio, a depender da vontade de sua realeza, àquela época o príncipe César Bórgia (1475-1507), conhecido pelo temperamento cruel.
Diferentemente das retrospectivas que trazem obras originais de grandes nomes da história da arte, a exposição importada pelo MIS Experience suscita censuras na crítica especializada. “O pintor usa pincel e tinta. Quando você transforma o que ele faz em imagens, sejam elas em movimento ou não, o visitante se afasta do que sentiria diante do objeto original, de modo que essa tradução tecnológica pode ser considerada uma redução da experiência”, explica o pesquisador paulista Mauricius Farina, professor da Unicamp. Uma ressalva, porém, é feita. “No máximo, o público se aproxima da temática dos trabalhos, o que pode estimular as pessoas a quererem ver a obra propriamente dita.”
Idealizadora do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), a paulistana Paula Perissinotto enxerga o uso do video mapping como uma espécie de recurso extra. “Não considero algo desprezível, desde que os visitantes saibam que aquilo não é uma obra, mas sim uma ferramenta didática.” E provoca: “Por que não usar as mídias digitais para criar algo novo, e não só para explorar pinturas já feitas?”. Em tempo: no File deste ano, uma das obras era uma animação feita pelo italiano Rino Stefano Tagliafierro que criava uma narrativa em cima de A Última Ceia.
Marcos Mendonça, diretor-geral do MIS, revela a intenção de abraçar projetos inéditos de VJs, como são chamados os autores de peças de video mapping. “Temos muitos profissionais brasileiros que trabalham em eventos lá fora, mas que aqui não têm reconhecimento”, afirma Mendonça. Em uma coletiva de imprensa no último dia 14, o governador João Doria apostou na novidade como chamariz de turistas.
“A exposição do Leonardo da Vinci está interligada com o programa de turismo São Paulo para Todos, que já garantiu 607 novos voos para São Paulo desde junho. Vamos atrair um turismo cultural e de lazer de cidades do interior e de outros estados. Cultura para todos e cultura sem censura”, afirmou. O novo centro cultural tem capacidade para receber até 1 000 pessoas por hora. Se o público corresponder ao otimismo, 500 Anos de um Gênio poderá ultrapassar 1 milhão de visitantes em quatro meses.
GALPÃO CULTURAL
O prédio que se transformou no MIS Experience funcionou como uma marcenaria ligada à TV Cultura. A reforma, em curso há mais de três meses, e a realização da mostra custaram 8,5 milhões de reais, bancados pela iniciativa privada. Nessa repaginação do espaço, foi criado um mezanino, que, junto do térreo, totaliza 2 291 metros quadrados. Na empreitada, os arquitetos Renato Theobaldo e Roberto Rolnik fizeram a substituição do antigo telhado por uma “cobertura sanduíche”, em que as fatias de chapas de aço galvanizado são recheadas de isopor. Parte das calhas foi mantida. O lugar agora tem isolamento acústico e de luz.
> Leonardo Da Vinci — 500 Anos de um Gênio no MIS Experience. Rua Vladimir Herzog, 75. Terça a domingo e feriados, 10h às 20h. R$ 30,00 e R$ 40,00, grátis às terças. Até 31 de maio de 2020. Ingressos já à venda.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657.