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Em processo de renovação, Masp traz de volta cavaletes de vidro

O museu, que renegociou 61 milhões de reais em dívidas, inaugura na sexta (11) o novo estilo de exposição, um marco de sua nova gestão

Por Daniel Bergamasco e Julia Flamingo
Atualizado em 1 jun 2017, 14h25 - Publicado em 4 dez 2015, 23h00

Para criar o poderoso acervo do Museu de Arte de São Paulo, em 1947, o empresário Assis Chateaubriand envolveu endinheirados paulistanos em uma chantagem descarada: promovia em seus jornais campanhas difamatórias contra os figurões até que liberassem dinheiro para a aquisição de pinturas assinadas por Van Gogh, Renoir, Monet, Rembrandt eoutros mitos. Na definição de uma reportagem da revista Time, publicada em 1954, sob o título “Senhor Robin Hood”, ele era “o homem que rouba Cézannes dos ricos para dar aos pobres”.

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Passados quase setenta anos, outros nomes da elite da cidade estão ajudando a transformar esse patrimônio de forma mais espontânea: em um ano, desembolsarammilhões de reais, lançaram mão de contatos e arregaçaram as mangas para resolver dívidas, promover mudanças estruturais e tentar trazer o cartão-postal de volta aos tempos áureos. Um marco importante dessa nova fase acontecerá na sexta (11), com o retorno dos cavaletes de vidro ao 2‚ andar, fechado desde junho para a reforma, que guarda as principais joias da coleção.

Concebidos por Lina Bo Bardi, esses suportes transparentes, que se tornaram icônicos, ganharam destaque internacional em 1968, quando o Masp inaugurou sua terceira e atual sede, desenhada pela arquiteta, na Avenida Paulista. São placas de vidro encaixadas em pequenos blocos de concreto.

Masp
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Presas à transparência, as telas parecem flutuar no ambiente, um prato cheio para visitantes que gostam de posar junto das obras e compartilhar o resultado em suas redes sociais. A proibição de fotografar a mostra permanente, vigente durante anos, foi derrubada. Saíram de cena também as marcas no chão que definiam a distância entre o público e o quadro— é possível aproximar- se por todos os lados.

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No verso das telas, vê-se o fundo original das molduras, muitas vezes com selos de exposições nas quais estiveram ao longo de sua história. “A ideia é que o espectador escolha um caminho pelas obras e crie sua própria narrativa”, afirma Adriano Pedrosa, o atual diretor artístico. Em 1996, quando o museu estava sob o comando do arquiteto Julio Neves, os cavaletes foram extintos e deram lugar a paredes convencionais, agora derrubadas.

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A volta às origens será celebrada com um coquetel para convidados na quinta (10), um dia antes da reabertura à população. Deve comparecer ao evento boa parte dos 83 membros do conselho, um colegiado de poderosos que passou a incluir nomes como Carlos Jereissati Filho (Grupo Iguatemi), Flávio Rocha (Riachuelo) e José Roberto Marinho (Organizações Globo). Eles foram atraídos pelo presidente do museu, Heitor Martins, eleito em setembro do ano passado.

O novo capitão assumiu o gigante com dívidas estimadas em 70 milhões dereais, e uma das primeiras regras foi que cada um dos conselheiros doasse 100 000 reais de imediato e 25 000 reais anuais. “Mas a questão vai muito além do dinheiro”, diz Martins. “Abrimos espaço para que todos pudessem, de fato, participar das mudanças.” Os membros são divididos em comitês consultivos, que discutem de programação a orçamento.

Além disso, são convidados constantemente a acionar seus contatos. Exemplo: com um telefonema de Geyse Diniz, mulher do empresário Abilio Diniz, o cantor Gilberto Gil topou fazer umshow gratuito para arrecadar fundos. Nos bastidores, diretores da organização conversam com o apresentador Luciano Huck para que se torne conselheiro. Avaliam que ele ofereceria um tipo único de influência à instituição.

Heitor Martins
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Filho de um obstetra e uma linguista especializada na literatura de Guimarães Rosa, Martins, de 48 anos, é casado com Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte, a principal feira do setor no país. A casa dos dois no Morumbi tem cara de galeria, repleta de obras de nomes como Adriana Varejão e Alfredo Volpi. Ele passou a ser cotado para o Masp após o trabalho à frente da Fundação Bienal de São Paulo entre 2009 e 2013, no qual organizou as contas.

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Para a nova missão, buscou até mesmo figurões que não tinham vivência no mecenato, recrutadosde forma casual. “Ele me ligou dizendo que estava passando na Marginal Pinheiros e gostaria de tomar um café”, conta Alexandre Bertoldi, sócio-gestor do escritório de advocacia Pinheiro Neto, um dos primeiros “seduzidos” pela ideia e hoje membro da diretoria. Na visita, ouviu à queima roupa: “O que acha de fazermos um take over (assumir o comando) do Masp?”. A primeira medida do advogado foi analisar as responsabilidades legais que os voluntários poderiam ter, “inclusive em questões de patrimônio pessoal”.

Acabou cada vez mais interessado pelo tema e adquiriu peças de pintores como Paulo Pasta. Para Jackson Schneider, presidente da Embraer Defesa & Segurança, o convite veio em um almoço no restaurante Parigi. O resultado, além do engajamento na causa, foi o início de uma coleção particular, que inclui de Hélio Oiticica a Anita Malfatti. O trabalho criou uma espécie de “clube”.

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No começo de 2016, os conselheiros devem ser recebidos em almoço na casa de Olavo Setubal, do Itaú, na luxuosa Fazenda Boa Vista, a cerca de 100 quilômetros da capital, com bons exemplares de arte brasileira. Planejam ainda viajar juntos para estudar pintura europeia (o Masp, por sinal, possui a melhor coleção estrangeira do continente, se excluídos os museus dos Estados Unidos).

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Para Alfredo Setubal, vice-presidente do conselho do museu, a empreitada vem sendo “muito prazerosa”. “Mas tivemos de lidar com alguns esqueletos no armário”, conta. Segundo Lucas Pessôa, diretor de operações, a contribuição previdenciária dos funcionários não era recolhida. Entre diversas ações trabalhistas, uma delas caiu como bomba: a de Teixeira Coelho, curador desde 2006 e substituído na atual gestão por Pedrosa.

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As reivindicações de Coelho, estimadas na casa de 8 milhões de reais, incluem de saláriosatrasados a indenização por danos morais. Procurado, ele informa que “está tudo resolvido”, mas, de acordo com o museu, havia uma audiência agendada para a última sexta (4). “É um ingrato”, alfineta um conselheiro. No dia a dia, os problemas se mostraram os mais variados. No início do ano, durante manifestações contra o governo federal, um susto e tanto: um caminhão estacionou no vão livre do prédio e criou uma fissura nesse pavimento, que é o teto do 1º subsolo.

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O maior fantasma, porém, era bem conhecido: um imbróglio judicial em torno do prédio ao lado. Em 2004, a companhia telefônica Vivo doou o espigão para que se transformasse em um anexo. Isso nunca aconteceu, e a empresa entrou na Justiça para reaver seu investimento, que chegou a ser calculado, com correção monetária, em 45 milhões de reais. Em setembro, um acordo foi selado: 10 milhões acabaram convertidos em prestações até 2036 e o restante ganhará forma em publicidade da marca em placas e cartazes.

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Assim, resolveu-se a pior herança da gestão de Júlio Neves, que assumiu a presidência em 1994 e ficou lá por catorze anos. Em sua administração, foram emblemáticos o corte de luz do prédio, em 2006, e o roubo de quadros de Picasso e Portinari, no ano seguinte. Por outro lado, ele liderou uma reforma de 20 milhões de reais. “Lembro-me de ver, antes desses reparos mais recentes, funcionários posicionando baldes para aparar as goteiras”, diz Beatriz Camargo, gestora da entidade entre 2013 e 2014. Sobre o legado de endividamento, Neves justifica: “O problema de recursos sempre acompanhou a história do Masp”.

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Pesa a seu favor o recorde de público: a exposição Monet — O Mestre do Impressionismo recebeu cerca de 400 000 pessoas em 1997. Com oscilações desde então, o total de visitantes chegou a 289 000 em 2014 e, neste ano, passou de 300 000, mesmo com o reajuste do ingresso, de 15 para 25 reais. A expectativa é crescer 50% em 2016.

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Para os frequentadores, a fase de melhorias vai além dos cavaletes de vidro. Em 2016, será feita, com o patrocínio do fabricante, a reforma dos elevadores, que se tornarão panorâmicos e serão reposicionados a fim de facilitar o fluxo de entrada. O café, antes com cara de cantina de escola, ganhou a bandeira Suplicy e uma segunda unidade. A loja passou a ter produtos próprios, de canecas a catálogos.

Até então inexistente, o programa de amigos do Masp, com ingresso livre e outras vantagens por uma anuidade de 140 reais (70 reais para estudantes e 100 reais no caso de pessoas acima de 60 anos), soma quase 900 adeptos, e a expectativa é crescer perto do Natal, já que é possível dar a inscrição de presente a alguém (saiba como ganhar 20% de desconto na filiação). “Um time forte é aquele que tem torcida”, compara a diretora jurídica, Juliana Siqueira de Sá. “Frequentadores engajados ajudam a atrair outros”, reforça o diretor financeiro, Miguel Gutierrez.

Para cuidar da programação, Pedrosa convidou cinco curadores adjuntos, divididos em áreas que vão de arte europeia a moda. A venezuelana Julieta González, responsável por peças modernas e contemporâneas, reeditará em março a mostra Playgrounds, só com obras interativas, feitas especialmente para o evento. Em abril, o italiano Luciano Migliaccio organiza Histórias da Infância, com quadros que retratam o universo infantil desde o Renascimento.

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O acontecimento arrasa-quarteirão, porém, deve levar mais de dois anos para ser viabilizado, com telas de Van Gogh produzidas no tempo de sua estada em hospício de Saint-Rémy, em 1889. O Masp tem três exemplares desse período do holandês, e para a exposição precisará recorrer a instituições como os museus d’Orsay, de Paris, Van Gogh, de Amsterdã, e Metropolitan, de Nova York.

+ Entrevistamos a curadora-adjunta Lilia Schwarctz, responsável pelo núcleo de narrativas do Masp

O acervo poderoso do Masp (com 8 000 unidades, estimado entre 2 e 3 bilhões de reais) é crucial na negociação, pois as entidades estrangeiras também costumam operar na direção contrária, batendo à sua porta em busca de favores. Um episódio vivido pelo diretor operacional ao assumir o cargo, aliás, tornou-se sintomático daquilo que precisava ser mudado. O Metropolitan preparava uma mostra com uma série específica de cinco quadros de Cézanne — só faltava um que estava em posse do Masp para viabilizar a ideia. “O pedido, feito mais de um ano antes, estava sem resposta”, conta Pessôa.

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“Quando liguei confirmando que mandaríamos esse Cézanne, quase choraram de emoção.” Hoje, estão em negociação um Édouard Manet, de interesse do Hamburger Kunsthalle, na Alemanha, e uma bailarina emblemática de Edgar Degas para a Galeria Nacional de Victoria, na Austrália. Quando essas raridades cruzam o oceano, ajudam também a tornar o nome do Masp mais conhecido do público internacional. Para os paulistanos, que sempre se orgulharam do cartão-postal, a nova fase do espaço certamente reforçará esse antigo caso de amor entre o museu e a cidade.

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