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SP-Arte digital, marketplace e feiras virtuais atiçam o mercado

Novas formas de venda de obras, com mais acesso, e reorganização de galerias mudam o cenário das artes

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 ago 2020, 13h23 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00

Na próxima segunda (24), a SP-Arte inaugura sua edição digital. Pela primeira vez desde 2005, quando foi lançada, a mais importante feira do setor não ocupará o Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera. Mas essa não é a única mudança relevante no mercado. A grande galeria Luisa Strina, por exemplo, decidiu ficar de fora do evento. Ao mesmo tempo, outros representantes menores uniram forças para testar novos modelos de venda de peças. Na alteração do cenário, crescem ainda os rumores da criação de um marketplace que incluiria também os colecionadores. Em comum, artistas e galeristas de todos os portes embarcam numa corrida on-line para multiplicar os acessos às obras.

Projetada para receber até 2 milhões de visitantes simultâneos, a plataforma da SP-Arte é um desdobramento da SP-Arte 365, espécie de rede social em que os usuários podiam construir uma coleção virtual e favoritar galerias, entre outras funcionalidades. Mais robusta, a versão atual apresenta ao público cerca de noventa galerias de arte que incluem grandes nomes, como Nara Roesler, Fortes D’Aloia & Gabriel e Millan. Também integram o time novidadeiro expositores focados em design, como Etel, Hugo França e Jacqueline Terpins, e coletivos, caso do Nacional Trovoa. Fecham o grupo publicações e editoras, do naipe da Banca Tatuí e da Lovely House. Cada um poderá expor até trinta obras. Uma característica significativa é a apresentação dos participantes de forma aleatória na página inicial, sem hierarquia. “Achamos muito estranho querer reproduzir on-line as divisões por andares e corredores do evento presencial. É um novo formato”, explica a diretora Fernanda Feitosa.

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Andar de Cima (2018), de Renata Lucas, na Casa do Povo: uma das integrantes da plataforma Transe (Julia Moraes/Divulgação)

O caminho até essa configuração não foi simples. A edição presencial, marcada para abril, foi cancelada às pressas em razão da pandemia. A proposta inicial da organização era devolver um terço do valor investido pelas galerias e reter dois terços. O montante seria usado no pagamento de despesas já tidas e na produção da feira de 2021. Diante de muitas divergências, partiu-se para negociações com a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e a Associação de Galerias de Arte do Brasil (Agab). Ficou acordada a devolução total dos recursos, de forma parcelada. “Ninguém gosta de discutir com os clientes, mas isso às vezes acontece”, afirma Fernanda. “Tudo se deu também em um momento muito específico, o começo da pandemia, em que todo mundo estava muito perdido. Para mim, é algo que ficou no passado”, acrescenta.

O tom da empresária encontra eco na fala da galerista Luciana Brito, presidente da Abact: “Estávamos todos muito fragilizados, e a ideia foi ter uma saída amigável. Os dois lados são muito importantes para a saúde do circuito como um todo”. Até o domingo (30), a Abact terá um “estande” onde venderá ao menos 29 obras de galerias associadas. O valor arrecadado será destinado em parte aos artistas, às entidades sociais e à promoção de projetos que visem ao fortalecimento do mercado. Em seu braço voltado para a internacionalização, o Latitude, a associação negocia parcerias com gigantes internacionais, como o Artsy. A previsão é que uma página dedicada às galerias brasileiras seja instalada em setembro no marketplace criado por Carter Cleveland. A plataforma do americano tem mais de 1 milhão de obras cadastradas e valor de mercado avaliado próximo de 275 milhões de dólares.

Vaso Igarapé, da designer Jacqueline Terpins, que participa da versão digital da SP-Arte (Andrés Otero/Divulgação)

Em voo-solo, a galeria Luisa Strina é uma das ausências ilustres na SP-Arte. “No momento, temos buscado trabalhar nossas próprias exposições virtuais”, justifica a galerista que dá nome ao empreendimento e que em 2017 e 2018 tocou com sócios a feira Semana de Arte. Luisa afirma que o baque inicial, de queda de 80% das vendas, já passou e o ritmo da comercialização de trabalhos está perto de atingir o patamar pré-coronavírus. “Hoje está bom, mas amanhã não sei. É um dia após o outro”, conclui, no tom reticente que talvez seja o novo normal dos negócios.

Nem só a pandemia, porém, está por trás de todas as transformações. “Tanto no Brasil quanto no exterior, esse mercado consolidado, ancorado em feiras internacionais e com custos altíssimos, já assinalava um esgotamento”, contextualiza a pesquisadora Ana Letícia Fialho, que é consultora em inteligência comercial da ABACT/Latitude. “Essa forma de funcionar concentra poder em poucos agentes de maior capital financeiro e simbólico e sufoca todos os pequenos agentes.”

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Um dos “filhos coletivos” da crise foi o P.art.ilha, uma reunião de pequenas e médias galerias. O grupo realizou em maio sua primeira ação, noticiada por VEJA SÃO PAULO. Ela consistia em conceder um bônus aos compradores. Ao adquirir uma obra, eles recebiam o mesmo valor em créditos para fazer outra compra, na mesma galeria, mas de outro artista. A circulação maior de trabalhos permitia a alimentação da cadeia, já que os artistas eram remunerados com a venda, mesmo que em porcentual menor que o da galeria. Houve ainda uma segunda ação, com 75% de crédito aos compradores, e uma terceira, com 50%. O saldo foi a venda de mais de 400 trabalhos. “De início, nosso foco era emergencial. Agora, fizemos uma pausa para pensar um lado mais institucional. A previsão é que a nova ação saia em setembro”, explica Bruna Bailune, proprietária da galeria Aura, uma das integrantes da P.art.ilha.

A Aura é um exemplo interessante deste novo momento. Ela nasceu digital, em Porto Alegre. Em 2017, decidiu migrar para São Paulo. Fincou pé então no número 357 da Rua Wisard, na Vila Madalena, mesmo endereço que foi antes ocupado pelo espaço independente Ateliê 357. “Em fevereiro, entregamos o espaço de lá. Estávamos nos preparando para alugar uma casa nos Jardins e assim ficar mais perto dos colecionadores”, narra Bruna, que deu um giro no negócio quando veio a pandemia. “Levei a galeria para a minha casa, uma cobertura que aluguei na Santa Cecília. Recebo as pessoas com hora marcada, seguindo todos os protocolos”, detalha Bruna. “Sempre gostei desse formato que gera maior proximidade. Para o nosso mercado, que é muito baseado em relacionamento, é mais efetivo”, diz. Ela acredita que a crise rompeu com o receio de inovar: “Todo mundo correu para fazer algo diferente e que até então a gente tinha medo de realizar”.

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Vida Silente (2020): obra de Beatriz Eugenia Díaz, presente na plataforma digital gringa da ArtBO (Cortesia Salon Comunal/Divulgação)

A pandemia também acelerou ajustes em outras galerias. Um dos grandes nomes do cenário, a Fortes D’Aloia & Gabriel deixou seu espaço na Vila Madalena e concentrou sua operação no galpão da Rua James Holland, na Barra Funda. A galeria também hospeda em seu site agora uma iniciativa chamada Transe, que traz espaços com diferentes vocações, como a Casa do Povo e o Auroras, para uma mesma caminhada virtual.

A consultora Tamara Perlman, que tocou entre os anos 2011 e 2018 a feira de arte Parte, aponta um grande aprendizado da turbulência atual. “É preciso existir digitalmente e fazer isso bem-feito. Se você existir fisicamente e não existir digitalmente, você não é mais relevante. É uma mudança de ordem”, reforça Tamara. O site Blombô viu sua audiência de março de 9 000 page views passar para 15 000 nos meses seguintes. O valor gasto pelos compradores mais que dobrou e agora atinge 15 000 reais. “São Paulo é ainda onde se concentra o numero maior de vendas, mas tivemos um aumento de comercializações em estados como Minas Gerais e Bahia”, detalha Lizandra Turella, CEO do empreendimento.

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Obra de Kerry James Marshall, no site da David Zwirner: ateliê on-line (Divulgação-David-Zwirner/Divulgação)

Fora do Brasil, a feira ArtBO, realizada na capital da Colômbia, não esmoreceu diante do cancelamento de sua edição presencial em outubro. Desde julho, criou um calendário especial e virtual com galerias e museus para os fins de semana. A programação vai até o dia 29. A David Zwirner, uma das cinco galerias mais importantes do mundo, com unidades em Nova York, Londres, Paris e Hong Kong, também não deixou a bola parar. Desde março, o aumento de audiência por lá foi de 600%. A receita não é mágica e pode ser copiada por aqui. Começou em 2017, com o estabelecimento das exposições virtuais, e continua até hoje, com investimento em marketing digital, mídias sociais e análise de dados.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701.

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