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“Gal e Erasmo queriam o amor das novas gerações”, diz Marcus Preto

Diretor artístico dos últimos discos que lançaram em vida, o ex-jornalista (e ex-garçom) relembra momentos ao lado dos ídolos da música brasileira

Por Tomás Novaes
2 dez 2022, 06h00

O produtor musical Marcus Preto, 49, é daquelas figuras de quem se diz que a trajetória é coisa de filme.

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Nascido na Vila Maria, na Zona Norte, trabalhou como garçom do restaurante Spot e como jornalista cultural antes de pular para o meio musical, onde produziu discos da imortal Gal Costa (1945-2022), do gigante Erasmo Carlos (1941-2022) e de bambas como Tom Zé, Alaíde Costa e Paulo Miklos.

O acaso, apontado por ele como guia de um caminho tão frutífero, levou o nome de Preto aos últimos álbuns dos intérpretes geniais que o país perdeu em novembro.

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No papo a seguir, ele fala sobre bastidores, encontros e desencontros.

Como você passou a trabalhar com a Gal Costa?

Em 2013, quis fazer um documentário com o Daniel Ribeiro e a Dandara Ferreira — que está dirigindo o filme Meu Nome É Gal — sobre o que a cantora fazia no Brasil enquanto Caetano e Gil estavam exilados. Marquei uma conversa com a Gal, que havia acabado de se mudar para São Paulo. Em certo momento, deu um silêncio e eu comecei a me levantar. Ela disse: “Esses paulistas… Vêm, falam de trabalho e querem ir embora”. Eu, então, me sentei e perguntei o que ela pensava para seu disco novo. Ela queria fazer um álbum de regravações do Chet Baker. Eu disse: “Você não pode fazer isso”. Gal vinha do Recanto (2011), álbum todo escrito e produzido pelo Caetano. Disse que ela precisava gravar a nova geração. Ela respondeu: “Então você vai ter de trabalhar…”. Bom, o documentário não aconteceu, mas trabalhamos juntos por nove anos.

Gal faria um show do disco Fa-tal (1971) no Primavera Sound, que acabou cancelado após uma cirurgia. Como eram as conversas sobre essa apresentação?

Gal chegou a desistir desse show. Dizia que não conseguiria fazer melhor do que já tinha feito (no álbum original). “Eu sou outra, a minha voz é outra”, falava. Eu respondia que todo mundo é outro, o Brasil é outro, a voz de todo mundo é diferente. Ela não iria tocar violão, seria com banda, cantando o mesmo repertório. Acabou se convencendo de que seria legal. A minha relação com esses artistas mais velhos traz um pensamento de fã, de alguém que foi alfabetizado por eles — e eu, como fã, queria ver esse show.

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Existe algo no radar sobre projetos póstumos da Gal?

Temos a gravação do último show dela, no Coala Festival, em São Paulo (em setembro). Ali tem muita coisa legal, como a participação de Tim Bernardes e Rubel. Ela saiu feliz do palco, dizendo: “Você viu? Cantei bem pra caralho” — e cantou mesmo. Supostamente vão sair esse disco e um ao vivo do As Várias Pontas de uma Estrela, que era o repertório dos shows em teatro. No caso desse último, a gravação oficial aconteceria uma semana depois do Coala, no Vivo Rio, que tinha ingressos esgotados, mas a apresentação dela foi cancelada. Por sorte, tínhamos gravado um show em Alagoas, mas não mexemos nesse material ainda. Tem também um show de 2015, da Gal cantando Lupicínio Rodrigues, que foi gravado pelo Beto Santana. Não falei com ele ainda, mas existe esse material. E iríamos gravar um disco de inéditas no ano que vem — já tinha uma canção do Jards Macalé com letra do Ronaldo Bastos pronta. Eu estava indo atrás de mais músicas. Não deu tempo.

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Houve uma polêmica envolvendo o local do enterro da Gal (feito em São Paulo, embora familiares digam que ela teria preferido o Rio de Janeiro)…

Cara, eu cheguei tarde e fiquei de longe… Não sei lidar com a morte. A parte que me cabe da Gal é a vida, a música, esse negócio que não morre. Estava pesado demais para mim, parecia uma alucinação.

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A morte da Gal despertou o país para a importância dela?

A morte de um artista muda completamente o que as pessoas pensam dele. Agora a Gal é a maior cantora do Brasil, sem dúvida. Elis fez um caminho reto, Bethânia também. Todas maravilhosas, deusas. Mas a Gal foi para o rock, foi para a rádio popular nos anos 80, e, no Recanto, ela se recolocou. E a Gal errou, também, quando fez aqueles discos mais ou menos nos anos 2000. Coisas a que nenhuma dessas outras se arriscou. Gal morreu como headliner (atração principal) de quase todos os festivais brasileiros — sem contar o que já estava engatilhado para o ano que vem, quando teria o mesmo número de shows em festivais e em teatros, meio a meio. Nos últimos dez anos, a terceira gravação mais ouvida dela é Quando Você Olha pra Ela, da Mallu Magalhães. Nenhuma outra cantora teve esse alcance. Só ela foi voz de todos os Brasis por tanto tempo.

“Nenhuma outra cantora foi a voz de todos os Brasis por tanto tempo”

Você fez a direção artística do último disco do Erasmo, chamado O Futuro Pertence à… Jovem Guarda. Como surgiu o projeto?

Em 2021, o Léo Esteves, filho do Erasmo, me falou sobre um projeto. Seria um EP de quatro músicas da jovem guarda que ele nunca havia gravado. Topei, mas liguei para Erasmo e falei para fazermos um álbum de verdade, de oito faixas. Ele topou, a Som Livre também, então virou um disco — e ganhou um Grammy. Nos falamos pela última vez na madrugada da premiação, por vídeo. Ele estava internado, mas estava bem, tinha melhorado. Ele dizia: “Bicho, estou chorando, mas é de alegria. A gente ganhou, a gente ganhou!”. Eu falei: “Sai logo daí para a gente fazer outro disco e ganhar mais cinco Grammy”. E Erasmo respondeu: “Vamos, bicho. Não aguento mais ficar aqui”. Repito aqui a mesma coisa que disse sobre a Gal: agora vão pegar discos dele que nem valorizavam tanto e ver como era um gênio.

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Como o filho do Erasmo, o Léo, foi importante nos últimos passos da carreira do cantor?

O Léo é o melhor filho que alguém pode ter. Era o cara que tirava o Erasmo do lugar, colocava ele sempre em situações novas. Léo tinha interesse em fazer algo para além da geração da Jovem Guarda. E Erasmo e Gal queriam receber o amor das novas gerações. Quando você tem 70 ou 80 anos e vê a garotada cantar suas músicas e chorar… é um amor que eles nunca tiveram, sabe? Esses artistas, na minha opinião, têm de receber essa renovação. E o Léo buscava isso com o Erasmo.

Qual era a ideia para o próximo disco do Erasmo?

O último disco se chamou O Futuro Pertence à… Jovem Guarda. Nossa ideia era que o próximo seria o tal futuro, ou seja, que colasse muita gente da nova geração, sobretudo do rock — mas não só. A gente estava falando muito do Tim Bernardes, do Teago Oliveira. Seria algo que juntaria ele, de fato, com a “nova jovem guarda”. Ele já tinha feito uma música inteira, uma letra com o Milton Nascimento e outros esboços que iria me entregar agora. Mas, ao mesmo tempo, é muito bonito fechar o ciclo com um disco chamado O Futuro Pertence à… Jovem Guarda. Poético demais.

Publicado em VEJA São Paulo de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818

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