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Explorando o terroir andino e uma esquecida uva, vinícolas chilenas escrevem um novo capítulo na história da produção do país

Safras “de butique” levam o paladar para muito além da carmenère

Por Rosane Queiroz
Atualizado em 1 jun 2017, 17h09 - Publicado em 28 nov 2014, 23h00

Seria um exagero dizer “adiós, carmenère”. Mas a uva francesa que se adaptou ao solo andino – a ponto de estar para o Chile como a malbec para a Argentina – já não é a atração principal dos rótulos locais. O Chile etílico vive uma nova fase, marcada por vinhos elaborados com leveduras naturais, pelas assemblages que não têm compromisso de se repetir safra atrás de safra em nome do padrão imposto pela venda em grande escala e pelo resgate de uma uva até então sem prestígio, a país. Essas garrafas chegam em edições limitadas, produzidas dentro das grandes vinícolas, ou em viñas boutiques, de pequena produção e grande ousadia. Entre as novidades dos gigantes figuram o Tara Chardonnay Viognier, da Ventisquero, elaborado pelo enólogo Felipe Tosso, e o Marques de Casa Concha Edición Limitada 2010, assinado pelo enólogo de toda a linha da Concha y Toro, Marcelo Papa. “As vinícolas tradicionais deixaram seus chefs de cave livres para criar projetos particulares”, diz Didú Russo, vice-presidente da Confraria dos Sommeliers. É uma ruptura com a produção de milhões de hectolitros das últimas décadas. “Os chilenos conquistaram o mercado com uma bebida ao estilo de grandes Bordeaux, mas se tornaram globalizados demais, caíram na mesmice.”

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Em busca da personalidade perdida, há dez anos os chilenos se adiantaram a fazer escavações de pequeno e médio porte para sondar o solo, investigar a fundo o terroir e detectar quais castas melhor se adaptavam a cada tipo de terra. Entre os produtores centenários, destacam-se as jovens vinícolas, inspiradas na ideia de que o futuro está em lançar um olhar para o passado, unindo novas e antigas maneiras de fazer vinhos.Caso da Vik, fincada no vale Millahue, a duas horas da capital, Santiago. O projeto é uma invenção do milionário norueguês Alexander Vik, dono dos retiros cinco-estrelas Estancia Vik José Ignacio e Playa Vik, ambos no Uruguai.  A Viña Viktem como enólogo-chef o franco-chileno Patrick Valette, de uma família de Saint-Émillion, na região de Bordeaux. Seu pai, Jean-Paul Valette, fundou a Château Pavie e a El Principal, no Valedo Maipo. Patrick trabalhou em ambas. “O objetivo é levar os vinhos Vik ao panteão dos grandes do mundo”, afirma Valette.

 

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A propriedade de 11 000 hectares compreende doze vales. Para garantir que cada bloco de terra proporcionasse as condições ideais para as uvas cabernet sauvignon,syrah, cabernet franc, merlot, e, claro, carmenère,Vik investiu em 4 000 estudos de solo. A “precisão viticultural” – que leva a “uva perfeita”- é guiada por estações meteorológicas que monitoram, por exemplo, a quantidade de sol, vento e água que a videira recebe. As uvas são colhidas manualmente, à noite, na temperatura que garante a melhor performance durante a seleção e o esmagamento. Depois, descansam em tanques de aço inoxidável e envelhecem em barricas novas francesas, por 20 a 24 meses. Cada safra (a primeira,de 2009, ao preço de 130 dólares a garrafa) é única, com frutas frescas na fermentação e aromas de cereja, morango e ameixa. No prédio principal, uma capota de tecido, lembrando uma imensa asa branca, permite que a adega opere sem luz artificial. No subsolo, o vinho também resfria naturalmente e mantém a temperatura adequada, usando a amplitude térmica originaldo vale.

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Além de vinícola, a Vik é uma pousada de 22 quartos, inaugurada em setembro deste ano. Os hóspedes desfrutam, nos quartos, uma vista para os vinhedos e a Cordilheira, ao fundo. Se a Vik é um projeto ambicioso, que tem como meta o mercado internacional, há propostas mais rústicas, quase artesanais, também em busca da pureza e da verdade do Chile. O crítico chileno PatricioTapia, no guia de vinhos Descorchados, vem valorizando o líquido que preserva a cultura, caso dos “pipeños” (vendidos em garrafões ou em bodegasde 1 litro) Maitia Aupa Pipeño, do francêsDavid Marcel, e do Cacique Maravilha, de ManuelMoraga de Bio Bio – ambos são artesanais e produzidos com a país. Trazida pelos conquistadores espanhóis, a uva, também conhecida como “missão”, foi a base do vinho chileno até meados do século XIX, quando os produtores começaram a importar videiras francesas. Então, caiu no esquecimento, relegada a vinhos de mesa caseiros. Em1998, porém, um francês se encantou com o terroir andino e se propôs a resgatar a uva do ostracismo. Na região do Maule, 370 quilômetros ao sul da capital, Louis-Antoine Luyt estabeleceu, uma década depois do encantamento, o domaine ClosOuvert. O primeiro exemplar, o país Huasa, resultou frutado e fresco. Intrigado, o francês seguiu explorando as antigas videiras do Maule, algumas abandonadas, criando bebidas cada vez mais intensas e cheias de personalidade – boa parte delas vendida na França. Hoje, a uva país “old videira” ganhou status (a Concha y Toro lançou um país sob seu rótulo Frontera).

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vinho chileno
vinho chileno ()

A Clos Ouvert trabalha em aliança com pequenos agricultores, sob suas instruções. Os vinhos são 100% naturais. “Adicionamosapenas um pouco de sulfito, a fim de garantir a preservação mínima, como para uma viagem distante”, diz Luyt. A produção de 50 000 litros por ano ó a título de comparação, a Concha y Toro produz 200 milhões de litros no mesmo período – se divide em Huasa (país envelhecida em barricas),Clos Ouvert (assemblage de país e carmenère) e Pipeño (macerada), comercializada em litro, principalmente nos Estados Unidos. Para os especialistas, essa revolução chilena teve o dedo do enólogo Marcelo Retamal, que reuniu os proprietários da Vinícola De Martino e os convenceu de que o futuro estava no passado. Abandonou as barricas, resgatou a cultura dos vinhos fermentado sem ânforas ou grandes fouldres austríacos e passou a fazer apenas vinhos com leveduras indígenas. Hoje, seus vinhos são “cult”e arrancam suspiros de experts, caso da linha Viejas Tinajas.Com o perfil de Luyt, há ainda o Re Nacer, de PabloMorandé, e o Clos de Fous, de Pedro Parra e seus amigos. Na linha Vik, há Don Melchor, AlmaViva, Seña e Vinhedos Chadwick.

O que une Vik e Luyt é essencialmente o uso das leveduras indígenas,que levam ao vinho o retrato da região, o sotaque de sua gente. “Um vinho assim, se não for contaminado com excesso de barrica, mostrará a verdade do lugar. Esse será o futuro dos vinhos para ‘pessoas sériasí: autenticidade. Mas não tenho dúvidas de que o mercado de rótulos famosos e as pontuações de críticos sempre farão a alegria dos esnobes”, alfineta Russo.

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