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Terraço Paulistano

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Notas exclusivas sobre artistas, políticos, atletas, modelos, empresários e pessoas de outras áreas que são destaque na cidade. Por Humberto Abdo.
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Babado Forte, de Erika Palomino, ganha edição atualizada

Com foco em todo o Brasil, livro que traduziu a moda e noite de São Paulo nos anos 90 retorna às livrarias

Por Humberto Abdo (com colaboração de Mattheus Goto e Vanessa Barone)
25 out 2024, 06h00
Moça loira de cabelo curto posa com blazer preto e cidade do alto aparece ao fundo
Erika Palomino fotografada no Terraço Itália, da República (Masao Goto Filho/Veja SP)
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Saem os clubes, entram os galpões. Na fila de algum prédio abandonado, a fumaça de cigarro cruza com a dos vapes saborizados (perigosíssimos para a saúde). Na pista, os paetês coabitam com as transparências. E os GLS sumiram: agora são LGBTQIA+.

Nos anos 1990, Erika Palomino, 56, era a testemunha ocular da moda e da vida noturna paulistana, traduzida semanalmente na coluna Noite Ilustrada, do jornal Folha de S.Paulo, e que renderia o emblemático Babado Forte (Ubu; 169 reais), livro pioneiro que se tornou referência no assunto e acaba de ser atualizado 25 anos depois, com capítulos inéditos sobre movimentos culturais de todo o país.

A partir dos relatos da jornalista e curadora, o título cravou o sucesso da música eletrônica e as tendências que antecederam a virada para o século XXI, a maioria delas “importadas” dos Estados Unidos e de países europeus.

“As influências vinham dos clubes de Londres, da cena gay de Nova York e do tecno de Berlim”, relembra Erika.

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Foto de pista lotada de homens em luz azulada
Festa V de Viadão (Victor Curi/Reprodução)

Com novos movimentos locais criados por todo o Brasil, a história agora é outra. O capítulo final do primeiro livro, com “projeções” sobre o futuro desse cenário, serviu de fio condutor para a reedição, cujo escopo extrapola o eixo Rio-São Paulo e abraça estilos regionais — entre eles o tecnobrega de Belém, que também conquistou a capital paulista. Na nova fase, entraram personagens da cena drag e da cultura ballroom; selos de coletivos negros, como a Batekoo, criada em Salvador; e festas de sexo, como a Dando.

Para completar a edição, Erika teve a ajuda de uma equipe de dezessete integrantes de várias partes do país, responsáveis por entrevistar mais de 200 pessoas.

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“A intenção foi criar um grupo que fosse o mais plural possível e de diferentes territórios, para alcançar outros horizontes.”

Com tarde de autógrafos marcada para 23 de novembro na Biblioteca Mário de Andrade, o livro chega às prateleiras a partir de quarta (30).

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Capa de Babado Forte em nova edição com tons psicodélicos
Capa de Babado Forte em nova edição (Reprodução/Reprodução)

Apesar do foco em São Paulo e Rio de Janeiro, a obra original já acolhia a diversidade à sua maneira, destacando estilistas, DJs e empresários em ascensão na década de 1990.

“Eu nem sei se existiria sem a Erika”, dramatiza Beto Lago, 54, ex-modelo e produtor do Mercado Mundo Mix, evento com música, brechós, lojas e estúdios de tatuagem, bastante popular naquele período.

Por lá, só chamava a atenção quem era “normal”, “sem cabelo colorido, tatuagem, piercing”, segundo a descrição de Erika no novo livro. “Uma nota de rodapé levava 5 000 pessoas ao evento. Ela era a antena parabólica que projetava o que a gente vivia naquele microcosmos”, reforça Beto.

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Johnny Luxo, homem de topete e jeans, aparece em dose dupla na foto
Johnny Luxo (Marcelo Elidio/Reprodução)

Os babados semanais renderam histórias de quem decidiu vir morar em São Paulo, estudar moda ou até sair do armário, garante Erika.

“Era algo irreverente e descompromissado. Tinha um charme, apesar de poder parecer um pouco pedante. Eu estava muito dentro dessas cenas, então só reproduzia o que ouvia e era tudo bem orgânico, para usar uma palavra de hoje.”

Mulher trans, negra e baiana, Isa Silva se mudou para cá com o Babado debaixo do braço. “Esse livro me acompanhou nos dois anos e meio de curso de moda. Ali eu vi que a moda não é nada sem a noite. Quando me formei, anotei o nome das pessoas que queria conhecer em São Paulo e uma das primeiras foi a própria Erika”, diz.

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Moça loira de cabelo curto posa com blazer preto e cidade do alto aparece ao fundo

Erika Palomino fotografada no Terraço Itália, da República“Nós tínhamos uma visão muito homogeneizada do que era moda, ainda elitista e cheia de padrões”, acrescenta Luiza Brasil, 36, comunicadora e criadora da plataforma Mequetrefismos. “Erika trouxe uma outra perspectiva, mostrando onde surgem as tendências: nas ruas, nas cenas, nas festas.”

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As pistas eram a passarela de muita gente. “Dava pra ver as pessoas se revelando na autenticidade”, descreve o estilista Walério Araújo, 54, precursor das plumas e paetês nos looks e frequentador assíduo do extinto clube Glória, na Bela Vista, onde dava as caras com as travestis, suas primeiras clientes.

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Pessoa dançando em passarela com plateia ao redor
Ball do Tempo, do Coletivo AMEM, durante a 35ª Bienal de São Paulo (Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Reprodução)

“Foram vários os babados, fortíssimos”, diverte-se Dudu Bertholini, 45, designer e integrante do time de jurados do reality show Drag Race Brasil. “Lembro de estar no clube e uma pessoa bater no meu ombro. Quando viro, era Erika perguntando quem era eu e o que fazia. Morri de emoção.”

Depois da adolescência em Limeira, interior paulista, Dudu veio à capital com 17 anos e conseguiu estágio em uma coluna de jornal. “Transformei aquilo numa versão de Babado Forte! Aí ela me estampou no jornal e tive uma grande guinada profissional”, recorda.

Muita coisa mudou desde a virada do milênio. Inclusive a autora. “De rainha da noite, passei para rainha do ‘boa noite’”, brinca Erika, que diz ter baixado a frequência noturna. “E eu gosto de acordar cedo. Talvez me levante na hora em que ia dormir naquela época: às 5h30 da manhã.”

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Público em rave na Represa de Guarapiranga com pessoa no ar pulando
Público em rave na Represa de Guarapiranga (Fabio Mergulhão/Reprodução)

Mas, se fosse badalar hoje, qual seria sua cena? “Gosto muito de quadra de escola de samba e das variações do funk. Essa vida e intensidade me interessam.”

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Além da fama equivocada de baladeira, os 35 anos vividos em São Paulo disfarçaram a origem carioca. “Muita gente não sabia que nasci no Rio e estranhou quando voltei pra lá em 2021.”

De volta à cidade natal e aos costumes diurnos, a praia é sua nova pista. “Gosto dessa espécie de invisibilidade e privacidade que a praia e o samba proporcionam, onde você é só mais um”, afirma a nova Erika, que, assim como os hábitos noturnos, não parou no tempo.

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Drag queens com perucas coloridas, todas reunidas
Cena drag se mantém na capital paulista (Claudia Guimarães/Reprodução)

LINHA DO TEMPO

Uma retrospectiva com destaques da história da vida noturna paulistana

1990

Drag loira gritando
Kaká di Polly (Fabio Mergulhão/Reprodução)

Década de pioneiros da cena, como os clubes Nation, Massivo e Sra. Krawitz e a drag Kaká di Polly, que se deitou na Paulista na 1a Parada (1997)

2000

Virada do milênio é protagonizada pelo surgimento do clube Lov.e e a festa Grind, a primeira a tocar rock para a comunidade LGBT+ na cidade

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2001

DJ negro manipulando mesa de música
DJ Marky (Fabio Mergulhão/Reprodução)

DJ Marky no antigo festival de eletrônica Skol Beats, no Autódromo de Interlagos. Ele foi um dos poucos a tocar em todas as edições, até 2008

2002

Abertura da Funhouse, clube de rock precursor da cena indie na Augusta, e do Susi in Transe, criado por dois seguranças do Sra. Krawitz

2003

Homem branco de barba e homem negro à direita perto de seu ouvido, o da esquerda usa boné e o da direita adereços coloridos no pescoço
DJ Bispo e Jota Jota Davis (à direita) (Paulo Batalha/Reprodução)

DJ Bispo e Jota Jota Davis (à direita, na foto acima), personagem querido da noite paulistana e host da Torre, casa que atingiu seu auge com a festa Debut

2004

Smiley redondo no meio de multidão em pista
Símbolo Smiley, clássico dos anos 2000 (Fabio Mergulhão/Reprodução)

Um dos clássicos símbolos da época foi o Smiley, aqui visto no formato de um balão inflável em um registro daquele ano, em meio ao agito dos clubbers

2009

Drag em tons brancos iluminada de verde
Alisson Gothz no clube Glória (Celso Tavares/Reprodução)

Artista e ativista LGBT+ Alisson Gothz no clube Glória. Ano também teve a criação do famoso bloco Acadêmicos do Baixo Augusta

2010

O conceito de clube sai de moda. Nascem coletivos como Voodoohop, que popularizou a festa alternativa, itinerante e em espaço inusitado

2014

Multidão em festa aberta com luzes ao fundo
Admirável Mundo Nova Luz (Marcelo Paixão/Reprodução)

Pista da Admirável Mundo Nova Luz na Virada Cultural. Surgem a Batekoo, que celebra a cultura negra, e a Festa Mel, dedicada a sons brasileiros

2020

Naquela década, com a diversificação musical, a figura do DJ volta a ganhar destaque nas festas de aparelhagem, tocando remixes de hits do momento

2022

Homem negro de máscara e adereços, sem camisa
Loïc Koutana no Festival Gop Tun (Pedro Pinho/Reprodução)

Performer Loïc Koutana no Festival Gop Tun. Festa compõe cena alternativa e eletrônica junto de outras como Blum, Capslock e ODD

2023

Multidão em pista iluminada no centro de laranja
Festival de 10 anos da Mamba Negra (Pedro Pinho/Reprodução)

Festival de 10 anos da Mamba Negra, que virou um ícone do conceito de festa independente e da nova cara da vida noturna na capital paulista

Coluna deu voz à moda jovem

Foi na Noite Ilustrada que conhecemos jovens criadores como Alexandre Herchcovitch

Homem branco de cabelos longos posa de saia ao lado de drag queen negra
Alexandre Herchcovitch e Márcia Pantera (Mauricio Nahas/Reprodução)

Até meados dos anos 1990, os lançamentos de moda costumavam ocorrer de maneira esporádica, discreta, e normalmente se destinavam aos clientes da própria marca. São Paulo não tinha uma semana de moda para chamar de sua, mas já contava com estilistas saídos das faculdades de moda e dispostos a botar a sua ideia para andar — literalmente.

Com o surgimento de projetos como o Phytoervas Fashion e o Morumbi Fashion (que mais tarde se tornaria a São Paulo Fashion Week), o setor conquistou uma plataforma para se expressar de maneira mais organizada e o público, em geral, descobriu que um desfile de moda era “o” lugar para ver e ser visto.

Foi nesse contexto que nós, jovens naquela época, descobrimos a coluna Noite Ilustrada, que a jornalista Erika Palomino publicava no jornal Folha de S.Paulo. Seus textos deram protagonismo aos criadores iniciantes que não estavam na grande mídia. E tirou o pó da cobertura de moda, que colocava o assunto em um lugar eurocêntrico, elitista e dominado por regras de bom gosto.

As colunas de Erika nos ajudaram a apresentar nomes como Alexandre Herchcovitch, então, um jovem cabeludo que adorava caveiras e fazia figurino para os shows da drag queen Márcia Pantera. Foi uma revolução que fez com que outros jornais reforçassem a sua cobertura de moda. Nessa época, eu ingressava no ofício, no Caderno 2, do Estadão, e acompanhei todo esse movimento pioneiro. (Vanessa Barone)

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Moça loira de cabelo curto posa com blazer preto e cidade do alto aparece ao fundo
Erika Palomino fotografada no Terraço Itália, da República (Masao Goto Filho/Veja SP)

Publicado em VEJA São Paulo de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916

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