O vinho que você bebe pode ter sido roubado ou trazido clandestinamente
Assalto de carga e apreensões de garrafas aumentam o alerta

A carga de um contêiner com vinhos da importadora Zahil foi roubada na madrugada do último dia 29, na Rodovia Anchieta. Foram levadas 12 000 garrafas argentinas que faziam o trajeto rotineiro e absolutamente tranquilo, pelo menos foi assim nos últimos 36 anos, entre o Porto de Santos e o centro de distribuição da empresa, na Zona Sul.
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De acordo com os sócios, o motorista do caminhão teria sido abordado por um trio de indivíduos que o fez encostar. A perda estimada é de 700 000 reais. “O prejuízo é muito maior porque vamos ficar sem a bebida para entregar e vender”, lamenta um dos proprietários, Antoine Zahil, que, felizmente, tinha seguro.
Conforme informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o caminhão foi encontrado e devolvido ao proprietário no mesmo dia. O caso segue sob investigação no 6º Distrito Policial de São Bernardo do Campo, em busca da localização dos produtos e dos autores do crime.
A Zahil pediu ao público para não adquirir etiquetas com os números de lotes roubados. “Ninguém rouba um contêiner de vinho sem saber para quem vai vender”, acredita Antoine. Entre as garrafas levadas, todas da vinícola Rutini, estão as do Cabernet-Malbec 2019 (lote 21356), que custa 263 reais para o cliente final. A carga continha, ainda, o Cabernet Sauvignon 2018 (20329), o Merlot 2018 (21238) e o Malbec 2019 (21004), entre outros.

Apesar do episódio escandaloso, roubos de carga de vinho em território brasileiro não são comuns. Donos de lojas físicas e nomes grandes do e-commerce afirmaram não ter tido histórico do problema. Ainda assim, há quem aponte episódios da prática. “Tive duas Fiorinos roubadas, uma em novembro e outra uns dois ou três meses atrás”, diz Rafael Ilan, sócio da Vinolog, em Itapevi, empresa de logística que tem como clientes vinícolas e revendedoras.
“Com essa onda de (comercialização por) WhatsApp e maior consumo de vinho em todas as camadas da sociedade, ele passou a ser um produto fácil de ser vendido”, diagnostica. “Antes, era ‘só’ descaminho (crime contra a ordem tributária) e falsificação. Agora, com tanta gente comprando, resolveram apelar para o roubo”, aponta Déco Rossi, da consultoria Winet.
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Peterson Cantu, fundador da importadora Cantu, que hoje pertence à Wine, vê a situação piorar, de um lado ou de outro. “Se a polícia segurar e fiscalizar mais a fronteira, creio que vai subir o roubo de cargas de vinho no Brasil, porque se formaram muitas quadrilhas de descaminho”, alerta.
A venda informal, que se tornou ainda mais comum durante a pandemia, sobretudo de forma eletrônica, evidencia a maior dor de cabeça que os importadores têm enfrentado atualmente: o descaminho e o contrabando, sobretudo de rótulos dos argentinos.
Os vendedores clandestinos driblam os impostos e conseguem um produto mais em conta para o consumidor final. “Nos últimos meses, essa prática explodiu. Com o câmbio blue (paralelo) na Argentina, fica muito mais fácil comprar dali”, diz Ciro Lilla, fundador da Mistral Importadora, que traz os cobiçados vinhos da Catena Zapata. “Nossa fronteira é muito grande e difícil de organizar”, aponta.
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Argentinos queridos
Marcas do país vizinho estão entre as prediletas do público paulistano. A Rutini, trazida pela Zahil, teve uma remessa roubada
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), foram movimentados 2 bilhões de reais nesse mercado paralelo em 2021. O assunto foi discutido no evento Rio Wine & Food Festival, na semana passada, onde foi chamada a atenção para a presença de organizações criminosas no negócio. “Meu medo é que essa venda passe para o comércio — lojas e restaurantes. Viraria algo gigantesco”, prevê um apreensivo Lilla, que ainda acende o alerta sobre as más condições do armazenamento e transporte.
“O consumidor que compra vinho ilegal está sendo trouxa, porque vai pagar 100 reais por um vinho que custa 200 reais, mas estará tomando um de (qualidade de) 20 reais.” Isso sem contar os rótulos falsificados, outro problema que enfrenta a indústria.
Os especialistas consultados aconselham sempre olhar o contrarrótulo, que deve ter informações em português, com o nome da importadora. Outra indicação é que as compras sejam feitas em lojas e sites de confiança. “E, se o vinho estiver muito mais barato que o normal, é para desconfiar”, destaca Antoine Zahil. Mas isso não foi o suficiente para a Mistral, que se uniu à Catena na criação de um selo, que passou a ser colado na maioria das garrafas argentinas, inclusive de outras vinícolas. “É mais uma garantia de procedência”, reforça Lilla.
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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806
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