Após ameaça de fechamento, bar Balcão celebra 30 anos, com renovação de público
O ponto boêmio queridinho de artistas e intelectuais é conhecido pela bancada de 25 metros em ziguezague
A peça de design de madeira angelim pedra, com 25 metros de comprimento e formato inusitado (uns dizem que é de uma borboleta, outros, de um avião), vagueia pelo salão de 81 metros quadrados e batiza o bar Balcão.
Fundado em 1994 na Rua Doutor Melo Alves, 150, nos Jardins, é um caso raro de estabelecimento boêmio que alcançou a maturidade sem sair de moda, se é que um dia já esteve nela.
A celebração de 30 anos de existência está marcada para a segunda-feira (1º), a partir das 18h, com apresentação do projeto O Bom e o Velho, de Mario Manga e Ana Deriggi, com entrada livre.
Aberto de segunda a segunda, o espaço de iluminação amarelada, decorado com móbiles e trabalhos como a gravura do americano Roy Lichtenstein (1923-1997) de quase 4 metros de comprimento, foi cenário de celebrações e de inícios (e términos) de relações.
Acolhe um público fiel que, entre coquetéis clássicos, chopes e sanduíches dos bons, interage entre si enquanto divide a bancada com grupos ou pessoas que nem sempre conhece.
“Em uma época em que as individualidades estão exacerbadas, o Balcão entra com a ideia do coletivo e da convivência”, teoriza o sócio Chico Millan. “Aqui, você ao mesmo tempo tem privacidade e um ambiente social”, define a francesa Anne-France Berthelon, crítica de design que, toda vez que precisa vir à capital paulista, dá um pulo lá.
A história do Balcão
Ex-dono de bares já extintos (o Royal e o Oceania), Millan passava pelo que chama de “período sabático” quando resolveu montar a casa, incentivado pela companheira, Ticha Gregori. Ele tinha 35 anos, ela, 30.
A premissa era que o lugar tivesse uma grande bancada. Durante a obra, Ticha olhou os conduítes no chão e, de forma lúdica (“fui professora de criança”), “desenhou” o formato, em seguida aprimorado pelos arquitetos Fernando Millan e Paulo Fecarotta. Nascia, assim, o balcão do Balcão.
O bar demorou um par de meses para “pegar”. Parte do público estranhava ter que se sentar lado a lado, voltado para um “buraco”, onde ficavam os garçons. “Quando decidiram colocar banquetas dos dois lados, resolveram o problema”, relembra o artista Artur Lescher, cliente desde os primórdios.
Público fiel
Além de gente ligada às artes visuais, o endereço segue sendo um ímã de arquitetos, jornalistas, escritores e atores. “Até hoje, ouço muito uma frase: ‘tem sempre alguém conhecido no Balcão’”, confidencia Chico.
O escritor Mario Prata, que passou 22 anos fora de São Paulo e retornou em 2023 à cidade — e também ao Balcão —, não raro aparece só. “Lancei um livro no ano passado e levava sempre uns dois exemplares, porque sempre havia amigos para presentear, alguns que eu não via há 22 anos”, conta.
Entre os habitués, certos clientes até receberam homenagens no menu (o jornalista Ernesto Paglia, por exemplo, “virou” um filé à milanesa aperitivo). Boa parte dos que povoam as tábuas de madeira (mais as mesinhas do mezanino) passa dos 50 anos.
“O público envelheceu e está mais surdo, como eu (risos)”, brinca Prata. Por outro lado, uma galera mais jovem tem aparecido. Às vezes, são filhos de antigos fregueses, outras, novatos mesmo. “Eles se encantam”, acredita Chico. “Por isso que estamos sobrevivendo”, opina Ticha.
Na última segunda (25), a arquiteta Tali Liberman, 28, uma das neofrequentadoras do local, bebericava ali com dois colegas, ainda mais jovens. “Aqui tem um nicho bem ‘artistas da Zona Oeste’”, define. “E já encontrei meus pais aqui sem querer.”
Ameaça de fechamento
Nos últimos anos, circulou a notícia de que o Balcão fecharia em definitivo. Tanto no início da pandemia quanto em 2023, quando uma incorporadora pretendia adquirir imóveis na área. Uma comoção tomou conta das redes sociais, com a hashtag #salveobarbalcão.
A empresa acabou desistindo de subir o edifício no local (a razão, não oficial, seria um problema com a documentação em um apartamento). Os anfitriões do bar conseguiram ver alguma vantagem no susto: o aumento de interesse dos paulistanos pelo estabelecimento. “Ajudou as pessoas a voltarem a frequentar a casa em massa”, acredita Chico. “Teve gente que brincava que era peça de marketing.”
Mudar de endereço estava fora de cogitação. “Se reabrisse em outro lugar, seria outra coisa, não Balcão”, acredita Ticha. É um bar com vida própria.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de março de 2024, edição nº 2886
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