“Ser feliz só nos momentos de lazer é pouco”
Gustavo Arns amplia o conceito de bem-estar até incluir direções para a construção de uma sociedade mais colaborativa
O Dia Internacional da Felicidade, criado pela ONU e comemorado desde 2013, será sábado (20). Como e por que celebrá-lo na pior fase da pandemia no Brasil?
As datas temáticas têm uma importância: elas trazem a nossa atenção para o tema. Dentro dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o terceiro fala justamente de garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. É uma forma de juntar saúde e felicidade, mas não numa primeira camada a que nossa sociedade costuma associar esse conceito.
Qual é essa camada?
Associamos felicidade a momentos felizes — e quase que exclusivamente ao lazer. Isso nos leva a uma infelicidade, porque ser feliz só nos momentos de lazer é muito pouco. É preciso aprofundar o conceito de felicidade para atrelá-la ao conceito de saúde física, fundamental neste momento, mas também à saúde mental e emocional, que para muitos está mais desgastada. Cuidar dessa positividade interna é uma forma de cuidar da saúde. A psicologia positiva é uma ciência dedicada ao cultivo desse bem-estar
O negacionismo com o pensamento científico chega até a ciência da felicidade?
Voltando séculos atrás, saímos do modelo religioso, da religião dizer o que é verdade, para entrar no modelo secular e o estado dizer o que eu posso fazer. As pessoas passaram, então, a buscar respostas na ciência, o que nos leva à pergunta: como a ciência comprova? Nesse período negacionista atual, porém, não bastam os estudos, os testes seguindo normas e padrões… Há quem, mesmo assim, siga sem acreditar. A ciência da felicidade também passa por isso. Mas ela é uma ciência muito mais recente.
De quando?
Ela tem três bases: a psicologia positiva, que cresce no início dos anos 2000, a neurociência (o conceito de neuroplasticidade, por exemplo, é de 1998, antes não havia tecnologia para mensurar o que acontecia no cérebro) e a ciência das emoções, lá do começo dos anos 1990, com Daniel Goleman. Ainda é pouco conhecida e tem contornos subjetivos, o que é também desafiador.
Ela pode ajudar nos casos crescentes de depressão, por exemplo?
Num primeiro momento, a psicologia positiva é olhada dentro de possibilidades sociais e culturais específicas. Quando falamos de fazer escolhas alimentares melhores ou optar por mais horas de sono, sabemos que uma grande faixa social não tem acesso a escolhas como essas. Um caso de depressão tem de ser olhado dentro das possibilidades da psicologia tradicional, em um viés clínico.
Há uma questão coletiva a ser tratada?
Sim, e a ciência é um caminho totalmente efetivo para isso. Os aspectos subjetivos da felicidade são fundamentais, mas eles têm um teto muito baixo. Individualmente, minha felicidade não vai muito longe. Só seremos mais felizes quando tivermos uma sociedade mais feliz. No próximo sábado (20), a ONU publica um relatório com o resultado da pesquisa dos países mais felizes do mundo. Finlândia, Dinamarca, Suíça costumam ficar se revezando no topo. A Austrália tem boa participação. Em comum, são países que têm se dedicado à construção de uma sociedade mais colaborativa, justa, igualitária e que respeita a diversidade. A pandemia mostra que não tem nem como sobreviver individualmente, imagine ser feliz.
Gustavo Arns (@gustavo_arns) é o idealizador do congresso internacional de felicidade e do centro de estudos de felicidade. É presidente da escola Brasileira de ciências Holísticas e professor da pós-graduação em psicologia positiva da PUC-RS.
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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de março de 2021, edição nº 2730