Escuta ativa
Mediadora de conflitos do Tribunal de Justiça de São Paulo fala sobre como a escuta ativa pode resolver problemas
Quando penso no meu passado, uma lembrança em especial me vem à mente. Eu, sentada no corredor da casa velha — era assim que chamávamos a casa em que moramos até meus 8, 9 anos —, brincando com a Meire, minha amiguinha, invisível aos olhos de todos, menos aos meus. Trocávamos segredos, confidências e ouvíamos a nós mesmas. Eu ficava por horas em silêncio apenas desfrutando aqueles momentos em que podia me inebriar com sua fala. Hoje, creio que tive meu primeiro contato com a escuta ativa ainda muito nova, ali, junto com a Meire.
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O direito abriu as portas do meu entendimento jurídico e as leis trouxeram uma bagagem sobre o certo e o errado ao longo do meu percurso. Mas faltava algo mais. Um interesse pelos sentimentos daqueles que vinham ao meu encontro. Estudei mais. Me tornei mediadora. Me aperfeiçoei. E foi nesse momento que percebi a mágica do universo. Existem brechas, não aquelas que permeiam os códigos brasileiros, mas pequenas fendas, aberturas que nos mostram a essência real do ser humano.
Saber entender o que é dito exige resignação e resiliência. Transportar para o coração as palavras, os sons que entram por nossos ouvidos, cheios de história, é um procedimento delicado e intenso. É preciso doação. Abrir os canais do entendimento para sentir. E o coração, esse só fala a quem sabe escutar.
Escuta ativa é uma habilidade que pode ser adquirida e desenvolvida com a prática e significa concentrar-se totalmente no que está sendo dito. Caro leitor, eu me encaminho naturalmente à mediação, pois dentro dela pude compreender a sutileza e a estratégia desenvolvida, mas não se iluda, o saber ouvir não habita apenas na mediação. Ele existe dentro da alma de cada um. É preciso “escutar” a comunicação não verbal. O ouvinte que não compreende um olhar não compreenderá uma longa explicação. Essa escuta só será eficaz e poderosa, porém, se for genuína.
Paro e penso na Meire: como nós nos ouvíamos? Eu me recordo de muita conversa, mas também muito silêncio e escuta. Sem críticas nem conselhos. É fundamental silenciar para poder ouvir. A sabedoria mora no silêncio.
Ao prestarmos atenção nos indivíduos, detectamos que grandes seres humanos sempre estão acompanhados de manifestações de humildade. E as condições básicas que fazem alguém ser humilde moram no saber ouvir e saber falar. Basta ser paciente e respeitoso. A humildade é uma consequência natural de outras virtudes. Ser humilde é abraçar a possibilidade de poder aprender e ensinar a quem quer que seja. Não se vangloriar nem se diminuir, respeitar a si e a todos. É preciso treinar a paciência, a humildade, o respeito. E quanto mais humilde, paciente e respeitoso alguém for, quanto mais ouvir ativamente, maior será sua grandeza. Quanto maior a pessoa, mais oportunidade terá de ser humilde.
Na singeleza e inocência que compartilhei com Meire, encontrei os caminhos para ouvir. Não é um processo transparente, cristalino, mas também não é árduo. Basta começar. Acreditar que é capaz. Convido você, leitor, após a leitura deste capítulo, a se mobilizar e trabalhar em seu interior aspectos relevantes que facilitem a sua comunicação e, consequentemente, a escuta ativa. Proponho a você que volte no texto e marque os tópicos que achar interessante. Mude sua postura. Permita que sua alma ouça.
O importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br
Publicado em VEJA São Paulo de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828
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